2011/10/17

Plano de acção

Com a devida vénia ao Jaime Bulhosa aqui se transcreve um post brilhante que, já agora, pode ser transposto , para qualquer área de actividade, nomeadamente a bancária que eu conheço bem.


Uma grande empresa do grande capital e do sector editorial, que a partir de agora, por uma questão de comodidade, passaremos a chamar de Editores SA, pensa, embora contrariada, investir milhões de euros na compra e remodelação de uma grande cadeia de livrarias. Como o investimento é muito elevado, a Editores SA não pôde deixar ao acaso uma decisão destas, encomendando por isso um exaustivo estudo prévio sobre os hábitos de leitura e os factores principais de influência na decisão de compra de livros impressos e digitais, bem como o respectivo Plano de Acção, para mais tarde poder pôr em prática essa extraordinária ferramenta de gestão que é o benchmarketing.A melhor empresa alemã de consultadoria, que a partir de agora designaremos como Consultores SA, foi contratada. A Consultores SA sentiu o peso da responsabilidade e do cliente e também ela não quis deixar ao acaso um estudo desta importância. Assim, colocou ao serviço do seu cliente os melhores recursos técnicos de research. Depois de consultados os melhores especialistas na área, como, editores, autores, escritores, críticos literários, doutores, engenheiros, etc., a Consultores SA definiu o problema, desenvolveu o plano de pesquisa, recolheu os dados secundários e primários, tratou os dados, analisou e interpretou. Após largas semanas de árduo trabalho, finalmente elaborou um Plano de Acção, que de imediato foi enviado à Editores SA. O Plano de Acção consistia num relatório de 1000 longas páginas, com os mais belos e coloridos gráficos, de linha, cone, esferas e paralelepípedos, tabelas e análises desenvolvidíssimas, resultados de sondagem e inquéritos à porta de livrarias, por telefone, Internet, aos universos mais completos dos leitores, por idades, sexo, classes sociais, habilitações, gostos e passatempos, etc., etc. Nunca se havia visto melhor estudo de mercado sobre o livro. Era tão completo, que se podia saber pormenores interessantíssimos, como por exemplo: homens de meia-idade, de classe social A, que usam ceroulas, lêem apenas livros religiosos; os que não usam roupa interior lêem apenas teatro; e os que usam lingerie feminina lêem Margarida Rebelo Pinto. Na Editores SA foi uma excitação: com este Plano de Acção ninguém os poderia bater. Decidiu-se então a compra e remodelação da cadeia de livrarias e, como acção publicitária, anunciou-se a construção da maior e mais moderna livraria do País. Reunido grupo de trabalho com os melhores arquitectos, directores de marketing, informáticos e gestores, e depois de quase todos os temas e problemas terem sido debatidos, foi lançada uma nova questão:

-Pessoal, como vamos dividir o novo espaço comercial em termos percentuais das diversas secções temáticas de livros?
- Como assim?
- Sim, em que temas vamos apostar mais - ciências sociais, ficção, infantil... -, enfim, que livros vamos vender.

Primeiro fez-se um silêncio confrangedor.

Depois cada um e ao mesmo tempo, com elevados decibéis, dava um palpite. Com um murro no tampo, o Presidente do Conselho de Administração, pôs ordem na mesa.

- Silêncio, por favor! Mas, afinal de contas, para que é que encomendámos o estudo de mercado?Resposta quase em uníssono:
- É verdade! o nosso Digníssimo Presidente tem toda a razão.Mandou-se buscar o estudo. Depois de alguns meses a tentar interpretá-lo - sim, porque a produtividade das empresas portuguesas é assim, a brincar a brincar, trabalhamos mais meia hora, por dia, que os outros -, chegou-se à conclusão de que o Plano de Acção nada dizia sobre o assunto ou, se dizia, nas suas longas páginas não se conseguia descortinar.

Ficou decidido passar a batata quente para a empresa de consultadoria, com o pretexto de se ter pago os olhos da cara por um Plano de Acção que era omisso relativamente a esta questão.
Exigiu-se um resumo que pudesse ser facilmente interpretado para esta matéria e em português, porque em alemão, não dava jeito.
A Consultores SA entrou quase em pânico, boquiaberta, com a excentricidade da exigência da empresa portuguesa, sintetizar não era o forte nem a missão da empresa de consultadoria alemã.

Reunido o conselho de emergência, debateu-se largamente o busílis da questão. Finalmente elaborou-se um novo Plano de Acção, desta feita o mais sintético possível, com apenas uma página, e que era lavrado nos seguintes termos:

Exmos. Senhores,
Conforme nos foi solicitado por vossas excelências, segue o relatório sintético do Plano de Acção. Propomos a seguinte divisão temática das edições e espaços comerciais (alertamos para a importância de não inovarem demasiado, pois o mercado actual obedece a esta divisão):

Grandes livros – 2%
Bons livros - 5%
Livros medíocres – 23%
Lixo – 70%

Nota: A escolha dos títulos aconselháveis não é da nossa responsabilidade. A Consultores SA, apenas aponta caminhos, nunca soluções.
Com os nossos melhores Cumprimentos.
Consultores SA

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