2008/12/31
2009 - Prosit Neujahr!
Amanhã não esquecer (RTP1 14,15h) o Concerto de Ano Novo a partir da Grande Sala do Musikverein desta vez com o Daniel Baremboim a dirigir a orquestra e com um "rebuçado" A Sinfonia Despedida do Josef Haydn (comemoram-se 200 anos da sua morte)
Vespeiro
Pouco me importa se estão todos de acordo ( até Amos Oz). Não conheço nenhuma guerra ganha num emaranhado urbano de civis com inimigos.
Os palestinianos estão cercados pelo opressor sionista. Não sabia que o Egipto é um estado sionista.
Quando a Fatah ataca o Hamas, mata soldados e militantes do Hamas; quando Israel ataca o Hamas, as baixas são todas civis - "pessoas" na língua dos media portugueses.
no Mar Salgado e eu subscrevo.
Os palestinianos estão cercados pelo opressor sionista. Não sabia que o Egipto é um estado sionista.
Quando a Fatah ataca o Hamas, mata soldados e militantes do Hamas; quando Israel ataca o Hamas, as baixas são todas civis - "pessoas" na língua dos media portugueses.
no Mar Salgado e eu subscrevo.
2008/12/27
2008/12/26
Previsões para 2009
A ver se acontece
Até o cristão-novo do "socratismo" José Miguel Júdice deu mostras de um resquício de lucidez. «2009 será um dos piores anos da história económica de Portugal e o pior desde a implantação da democracia», escreve ele no Público. Faça uma ficha com isso e aproveite para a dar ao admirável Sócrates
Até o cristão-novo do "socratismo" José Miguel Júdice deu mostras de um resquício de lucidez. «2009 será um dos piores anos da história económica de Portugal e o pior desde a implantação da democracia», escreve ele no Público. Faça uma ficha com isso e aproveite para a dar ao admirável Sócrates
2008/08/17
A EMERGÊNCIA DE NOVAS POTÊNCIAS
No meio da transumância anual de Portugal e dos portugueses, a que chamamos férias, o mundo está a mudar muito rapidamente e muito perigosamente. A China e a Rússia estão todos os dias a ocupar o espaço deixado livre pelas potências anteriores, o eixo euro-atlântico, entre os EUA e a União Europeia, com enormes implicações para o futuro do século XXI. É um clássico processo geopolítico, os poderes fracos deixam espaço a novos poderes emergentes, que rapidamente ocupam a cena mundial ditando as suas regras. A União Europeia não conta para nada, nem sequer para a retórica, apenas os EUA e os antigos países do Pacto de Varsóvia esboçam uma tímida resistência, mais simbólica do que efectiva, mas mesmo assim resistência.
Os casos da China e da Rússia não são idênticos. A China emerge como grande potência mundial assente numa combinação única entre capitalismo e um sistema repressivo e autoritário de "consenso" que usa a capa do comunismo, mas pouco tem a ver com ele. O processo chinês é único e demasiado complexo para caber nos modelos conhecidos. É também uma experiência que tem muito do pensamento e história "oriental" que compreendemos pouco por nos ser civilizacionalmente alheia. Como no Japão, os mecanismos do "consenso" forçado, vistos como legitimação da hierarquia, estabilidade e "ordem", têm um apoio social que seria inexplicável na tradição europeia.
Há enormes virtualidades no processo chinês, exactamente pela sua vitalidade económica, que está a tirar milhões de pessoas da pobreza e está a produzir liberdade e democracia a partir dos mecanismos sociais do capitalismo, mas é só uma questão de prazo até que se gerem imensos riscos de conflitualidade social e política. Na China, porém, não há no poder a combinação de autocracia (com traços de poder pessoal) e cleptocracia como há na Rússia. O processo capitalista na China é uma opção estratégica e não uma adaptação ao fim da economia planificada do comunismo. As regras definidas pelo poder comunista são tidas como seguras pelos investidores estrangeiros, que geram na China uma economia e um crescimento que não é assente apenas na exploração das riquezas naturais. A muito dura luta contra a corrupção feita pelo PC Chinês funciona como legitimação do poder e para além de certos limites o poder político não interfere discricionariamente na economia privada. Uma parte importante da população beneficia positivamente de alterações no consumo e na qualidade de vida.
As coisas não podem continuar como estão e a uma dada altura haverá convulsões entre o dinamismo da sociedade e o carácter autocrático do poder político, mas para já o efeito de poder mundial chinês não se faz por uma política agressiva para além do estrito leque de questões de unidade e soberania nacional que sempre se colocaram em relação, por exemplo, a Taiwan. E, mesmo aí, os chineses mostram uma capacidade de negociação e de compromisso sem paralelo. Os chineses estão a mudar os quadros do mundo como potência emergente, essencialmente pelo seu poder político-económico e não por uma política agressiva político-militar.
A Rússia é muito diferente. Nenhum investidor estrangeiro sério, que não viva de economias predadoras como as que se criam à volta do petróleo, do gás natural e dos recursos mineiros, investe na Rússia. Eles sabem que as regras são ambíguas, a legislação presta-se para tudo, o Estado, a burocracia, central e regional, faz literalmente o que quer, pode mandar prender um novo-rico porque ele se tornou incómodo para o poder político e deixar outro à solta a ganhar biliões, exactamente nas mesmas circunstâncias de fuga aos impostos ou irregularidades financeiras. A discricionariedade política e judicial é total, os controlos dos aparelhos militares, policiais e da justiça são políticos e tudo mergulha num ambiente de corrupção generalizada. Apesar dos enormes ganhos recentes com os combustíveis, a população russa pouco beneficiou da hiper-riqueza dos novos-ricos russos aliados ao poder e das máfias, por sua vez também aliadas ao poder. A Rússia está longe de ter conhecido a verdadeira revolução produtiva da China, e cidades, vilas, regiões inteiras permanecem num limbo de pobreza e mediocridade agravando a deterioração de tudo: casas, linhas férreas, fábricas, serviços públicos, estradas, aeroportos, etc. Saia-se de Moscovo, do centro de Moscovo ou de São Petersburgo, e é como se o cinzento do comunismo continuasse a dominar populações resignadas, com líderes violentos e corruptos.
Na Rússia como na China, não há verdadeira democracia nem liberdades. O poder político existente, quer seja o nacional, o regional ou o de uma cidade, continua a controlar os órgãos de comunicação, a ameaçar os que divergem, nalguns casos a perseguir, ferir ou matar os que denunciam o que se passa. O sistema político é, como quase tudo na sociedade, uma sobrevivência híbrida do comunismo, fragmentado, dominado por partidos e personalidades pouco recomendáveis, puxado para os extremos do comunismo ortodoxo e do fascismo xenófobo e revanchista. Com votos.
O poder político central permanece autocrático e capaz de tudo para se defender. Ieltsin e a família dividiram os espólios de matérias-primas por meia dúzia de amigos e fiéis, Putin chegou ao poder na base de uma história nunca esclarecida de explosões terroristas "tchetchenas", que envolvia os serviços secretos que ele dirigia, e que lhe serviu de pretexto para uma operação militar que, se o Tribunal Penal Internacional fosse o que diz ser, implicaria levá-lo ao banco dos réus de Haia como criminoso de guerra. Putin restaurou o nacionalismo russo a partir da manipulação da genuína sensação de humilhação que muitos russos partilhavam ao ver o seu país perder todo o poder que tinha com a queda do comunismo, e tornou-o na base de uma política externa pouco diferente da soviética, cada vez com mais crescente agressividade, dentro e fora das fronteiras.
O que se passa na Geórgia deveria fazer soar o mais clamoroso sinal de alarme, não só pelo que significa de per si, como pelo facto de deitar uma luz retrospectiva sobre os erros sucessivos cometidos pelos EUA e pela UE nos Balcãs. O que os russos estão a dizer é: "Vocês humilharam-nos nos Balcãs, nós mandamos no Cáucaso." Mas dizem mais: "Em toda a área das antigas repúblicas da URSS que se tornaram independentes, assim como do Pacto de Varsóvia, nós temos um droit de regard maximalista e reclamamos o direito de 'protecção' das populações russas (quase sempre emigradas para aquelas regiões na sequência de políticas soviéticas de 'russificação' das zonas onde havia mais forte nacionalismo anti-russo, como aconteceu nos países bálticos) que implica a intervenção militar em países soberanos." O resultado é que vários países nas fronteiras da Rússia têm uma soberania limitada, a Ucrânia, a Moldova, a Geórgia, mesmo os países bálticos têm que aceitar enclaves protegidos por tropas russas, constituindo "países" que ninguém reconhece (na Moldova e na Geórgia por exemplo), ou aceitar direitos de passagem, estacionamento e bases militares que limitam a soberania (como acontece na Ucrânia e nos bálticos). Mais ainda: não tenham veleidades de ser soberanos ao ponto de quererem entrar em alianças como a OTAN, porque isso é inaceitável pela Rússia.
Quando os presidentes e dirigentes da Polónia, Lituânia e Ucrânia vão a Tiblissi apoiar os georgianos, eles sabem muito bem a parte do mundo em que vivem, o carácter do seu vizinho e antigo dominador, e o que está em causa. Os EUA muito fragilizados ainda tentaram ir além da retórica, mas não foram e sofreram uma derrota para os seus objectivos estratégicos. A UE é penoso de se ver, não conta para nada, os seus esforços diplomáticos, visto que não tem outra capacidade, ainda foram empurrados pela parte mais preocupada dos antigos países de Leste, mas são incapazes sequer de garantir aos georgianos a sua soberania sobre a Abkázia e a Ossétia, mesmo que virtual. O precedente do Kosovo também ajuda a Rússia, que pode, tão unilateralmente como fizeram os EUA e vários países da UE, reclamar independências à margem das Nações Unidas para as suas zonas de ocupação na Geórgia.
Balcãs e Cáucaso, como sempre, vão continuar a ser o sítio onde se medem as forças. E uma nova Rússia autocrática e agressiva mostrou o seu poder, a UE e os EUA mostraram o seu declínio. Bem-vindos ao século XXI.
José pacheco Pereira
(Publicado no Público em 16 de Agosto de 2008.)
Os casos da China e da Rússia não são idênticos. A China emerge como grande potência mundial assente numa combinação única entre capitalismo e um sistema repressivo e autoritário de "consenso" que usa a capa do comunismo, mas pouco tem a ver com ele. O processo chinês é único e demasiado complexo para caber nos modelos conhecidos. É também uma experiência que tem muito do pensamento e história "oriental" que compreendemos pouco por nos ser civilizacionalmente alheia. Como no Japão, os mecanismos do "consenso" forçado, vistos como legitimação da hierarquia, estabilidade e "ordem", têm um apoio social que seria inexplicável na tradição europeia.
Há enormes virtualidades no processo chinês, exactamente pela sua vitalidade económica, que está a tirar milhões de pessoas da pobreza e está a produzir liberdade e democracia a partir dos mecanismos sociais do capitalismo, mas é só uma questão de prazo até que se gerem imensos riscos de conflitualidade social e política. Na China, porém, não há no poder a combinação de autocracia (com traços de poder pessoal) e cleptocracia como há na Rússia. O processo capitalista na China é uma opção estratégica e não uma adaptação ao fim da economia planificada do comunismo. As regras definidas pelo poder comunista são tidas como seguras pelos investidores estrangeiros, que geram na China uma economia e um crescimento que não é assente apenas na exploração das riquezas naturais. A muito dura luta contra a corrupção feita pelo PC Chinês funciona como legitimação do poder e para além de certos limites o poder político não interfere discricionariamente na economia privada. Uma parte importante da população beneficia positivamente de alterações no consumo e na qualidade de vida.
As coisas não podem continuar como estão e a uma dada altura haverá convulsões entre o dinamismo da sociedade e o carácter autocrático do poder político, mas para já o efeito de poder mundial chinês não se faz por uma política agressiva para além do estrito leque de questões de unidade e soberania nacional que sempre se colocaram em relação, por exemplo, a Taiwan. E, mesmo aí, os chineses mostram uma capacidade de negociação e de compromisso sem paralelo. Os chineses estão a mudar os quadros do mundo como potência emergente, essencialmente pelo seu poder político-económico e não por uma política agressiva político-militar.
A Rússia é muito diferente. Nenhum investidor estrangeiro sério, que não viva de economias predadoras como as que se criam à volta do petróleo, do gás natural e dos recursos mineiros, investe na Rússia. Eles sabem que as regras são ambíguas, a legislação presta-se para tudo, o Estado, a burocracia, central e regional, faz literalmente o que quer, pode mandar prender um novo-rico porque ele se tornou incómodo para o poder político e deixar outro à solta a ganhar biliões, exactamente nas mesmas circunstâncias de fuga aos impostos ou irregularidades financeiras. A discricionariedade política e judicial é total, os controlos dos aparelhos militares, policiais e da justiça são políticos e tudo mergulha num ambiente de corrupção generalizada. Apesar dos enormes ganhos recentes com os combustíveis, a população russa pouco beneficiou da hiper-riqueza dos novos-ricos russos aliados ao poder e das máfias, por sua vez também aliadas ao poder. A Rússia está longe de ter conhecido a verdadeira revolução produtiva da China, e cidades, vilas, regiões inteiras permanecem num limbo de pobreza e mediocridade agravando a deterioração de tudo: casas, linhas férreas, fábricas, serviços públicos, estradas, aeroportos, etc. Saia-se de Moscovo, do centro de Moscovo ou de São Petersburgo, e é como se o cinzento do comunismo continuasse a dominar populações resignadas, com líderes violentos e corruptos.
Na Rússia como na China, não há verdadeira democracia nem liberdades. O poder político existente, quer seja o nacional, o regional ou o de uma cidade, continua a controlar os órgãos de comunicação, a ameaçar os que divergem, nalguns casos a perseguir, ferir ou matar os que denunciam o que se passa. O sistema político é, como quase tudo na sociedade, uma sobrevivência híbrida do comunismo, fragmentado, dominado por partidos e personalidades pouco recomendáveis, puxado para os extremos do comunismo ortodoxo e do fascismo xenófobo e revanchista. Com votos.
O poder político central permanece autocrático e capaz de tudo para se defender. Ieltsin e a família dividiram os espólios de matérias-primas por meia dúzia de amigos e fiéis, Putin chegou ao poder na base de uma história nunca esclarecida de explosões terroristas "tchetchenas", que envolvia os serviços secretos que ele dirigia, e que lhe serviu de pretexto para uma operação militar que, se o Tribunal Penal Internacional fosse o que diz ser, implicaria levá-lo ao banco dos réus de Haia como criminoso de guerra. Putin restaurou o nacionalismo russo a partir da manipulação da genuína sensação de humilhação que muitos russos partilhavam ao ver o seu país perder todo o poder que tinha com a queda do comunismo, e tornou-o na base de uma política externa pouco diferente da soviética, cada vez com mais crescente agressividade, dentro e fora das fronteiras.
O que se passa na Geórgia deveria fazer soar o mais clamoroso sinal de alarme, não só pelo que significa de per si, como pelo facto de deitar uma luz retrospectiva sobre os erros sucessivos cometidos pelos EUA e pela UE nos Balcãs. O que os russos estão a dizer é: "Vocês humilharam-nos nos Balcãs, nós mandamos no Cáucaso." Mas dizem mais: "Em toda a área das antigas repúblicas da URSS que se tornaram independentes, assim como do Pacto de Varsóvia, nós temos um droit de regard maximalista e reclamamos o direito de 'protecção' das populações russas (quase sempre emigradas para aquelas regiões na sequência de políticas soviéticas de 'russificação' das zonas onde havia mais forte nacionalismo anti-russo, como aconteceu nos países bálticos) que implica a intervenção militar em países soberanos." O resultado é que vários países nas fronteiras da Rússia têm uma soberania limitada, a Ucrânia, a Moldova, a Geórgia, mesmo os países bálticos têm que aceitar enclaves protegidos por tropas russas, constituindo "países" que ninguém reconhece (na Moldova e na Geórgia por exemplo), ou aceitar direitos de passagem, estacionamento e bases militares que limitam a soberania (como acontece na Ucrânia e nos bálticos). Mais ainda: não tenham veleidades de ser soberanos ao ponto de quererem entrar em alianças como a OTAN, porque isso é inaceitável pela Rússia.
Quando os presidentes e dirigentes da Polónia, Lituânia e Ucrânia vão a Tiblissi apoiar os georgianos, eles sabem muito bem a parte do mundo em que vivem, o carácter do seu vizinho e antigo dominador, e o que está em causa. Os EUA muito fragilizados ainda tentaram ir além da retórica, mas não foram e sofreram uma derrota para os seus objectivos estratégicos. A UE é penoso de se ver, não conta para nada, os seus esforços diplomáticos, visto que não tem outra capacidade, ainda foram empurrados pela parte mais preocupada dos antigos países de Leste, mas são incapazes sequer de garantir aos georgianos a sua soberania sobre a Abkázia e a Ossétia, mesmo que virtual. O precedente do Kosovo também ajuda a Rússia, que pode, tão unilateralmente como fizeram os EUA e vários países da UE, reclamar independências à margem das Nações Unidas para as suas zonas de ocupação na Geórgia.
Balcãs e Cáucaso, como sempre, vão continuar a ser o sítio onde se medem as forças. E uma nova Rússia autocrática e agressiva mostrou o seu poder, a UE e os EUA mostraram o seu declínio. Bem-vindos ao século XXI.
José pacheco Pereira
(Publicado no Público em 16 de Agosto de 2008.)
2008/08/14
2008/08/07
A bolsa ou...a vida
Projecção para daqui a uns tempos:
Galp, BCP, Zon, Brisa e Cimpor são 'Top Picks' da Lisbon Brokers
Os analistas da corretora Lisboeta revelaram hoje quais os seus títulos nacionais favoritos até ao fim do ano, considerando que os investidores devem calmamente começar a comprar estes papéis, por considerarem que encontram a preços atraentes, ao mesmo tempo que têm um modelo de negócio "sólido" que os irá ajudar a resistir à má conjuntura económica, que deverá continuar no curto prazo.
Pedro Duarte
Segundo a nota de estratégia da Lisbon Brokers para o segundo semestre do ano hoje divulgada, a Cimpor, a Galp, a Brisa, o BCP e a Zon "são particularmente atraentes de um ponto de vista de potencial de valorização".
BCP
Para o BCP, a corretora lisboeta diz que este "tem passado por muito nestes últimos anos, mas parece ter assentado rapidamente", sendo esperado que os resultados do trabalho da nova administração comecem a dar frutos nos últimos seis meses do ano.
"O BCP tem vindo a aumentar consistentemente a sua base de receitas, mais ainda tem muito espaço para aumentar os níveis de eficiência. Por outro lado, acreditamos que os accionistas mais rebeldes não vão ficar parados até os resultados começarem a aparecer", diz o documento, adiantando que, tendo em conta a desvalorização de 57% já registada pelo papel este ano, "que reflecte acima de tudo a tendência do sector, nós [a Lisbon Brokers] seríamos compradores [do papel] a este valor".
O BCP encerrou a sessão de hoje na Euronext Lisbon a deslizar 0,44% para os 1,13 euros.
CIMPOR
Na Cimpor, a Lisbon Brokers diz que, para além da empresa ter uma base fundamental sólida, tem também "uma estrutura accionista intrigante". Notando que "a velocidade e a eficiência com que a empresa integra novos negócios é bastante impressionante", a corretora nota que a sua avaliação de sete euros por acção dá ao papel um potencial de valorização de 72%, pelo que esta seria uma "compradora agressiva do mercado, uma vez que não há vendedores a estes níveis". A recomendação para o papel é de 'Forte Compra'.
A Cimpor ganhou 0,98% para os 4,11 euros na sessão de hoje da bolsa nacional.
GALP
Já para a Galp, o documento nota que esta se está a tornar uma "história curiosa": se por um lado a subida do petróleo está a pressionar as margens do seu negócio de Refinação & Marketing, levando a empresa a apresentar resultados decepcionantes, a presença da petrolífera na bacia de Santos no Brasil significa que em 2009 nenhum portfólio estará completo sem uma quantidade considerável de acções da empresa. Como o preço-alvo de 16 euros por acção da Lisbon Brokers para a Galp implica um potencial de subida de 45%, a corretora avança com uma recomendação de 'Forte Compra' para o papel.
A Galp Energia foi a 'estrela' da Bolsa de hoje, tendo chegado ao fim do dia a disparar 17,27%.
BRISA
Na Brisa, embora note que "o modelo de negócio está algo em risco devido ao abrandamento dos números do tráfego e possibilidades limitadas de expansão em Portugal", a Lisbon Brokers aprecia o facto da rede da empresa no nosso País ser sólida e fonte de um fluxo de dinheiro estável e de baixo risco para esta.
"A razão mais atraente para comprar a Brisa, contudo, é o facto da Abertis, que tem uma participação de 10,23% no capital da concessionária, ter reiterado por várias ocasiões que tem o desejo de criar uma grande operadora de auto-estradas na Europa. Para nós, isto significa que a sua posição na companhia é estratégica".
Assim, tendo em conta as dúvidas que existem em redor da estrutura accionista futura da empresa, o facto do seu preço-alvo pra a Brisa implicar um potencial de valorização de 25%, a Lisbon Brokers avança com uma recomendação de 'compra' para a concessionária.
A Brisa ganhou 1,56% para os 6,50 euros na sessão de hoje da Euronext Lisbon.
ZON
Por fim, a Zon Multimédia é considerada como tendo "um modelo de negócio firme com uma oferta 'triple-play', e que irá em breve ser capaz de oferecer uma oferta 'quadruple-play', depois de ter concluído um acordo com a Vodafone para a criação de um operador móvel virtual". Tendo também em conta a possibilidade de expansão da empresa liderado por Rodrigo Costa para África, a Lisbon Brokers reforça a sua recomendação de 'Forte Compra' para a companhia, bem como a sua avaliação de oito euros por acção, com um potencial de valorização de 36%.
A Zon encerrou a sessão de hoje na Bolsa inalterada nos 5,88 euros.
Galp, BCP, Zon, Brisa e Cimpor são 'Top Picks' da Lisbon Brokers
Os analistas da corretora Lisboeta revelaram hoje quais os seus títulos nacionais favoritos até ao fim do ano, considerando que os investidores devem calmamente começar a comprar estes papéis, por considerarem que encontram a preços atraentes, ao mesmo tempo que têm um modelo de negócio "sólido" que os irá ajudar a resistir à má conjuntura económica, que deverá continuar no curto prazo.
Pedro Duarte
Segundo a nota de estratégia da Lisbon Brokers para o segundo semestre do ano hoje divulgada, a Cimpor, a Galp, a Brisa, o BCP e a Zon "são particularmente atraentes de um ponto de vista de potencial de valorização".
BCP
Para o BCP, a corretora lisboeta diz que este "tem passado por muito nestes últimos anos, mas parece ter assentado rapidamente", sendo esperado que os resultados do trabalho da nova administração comecem a dar frutos nos últimos seis meses do ano.
"O BCP tem vindo a aumentar consistentemente a sua base de receitas, mais ainda tem muito espaço para aumentar os níveis de eficiência. Por outro lado, acreditamos que os accionistas mais rebeldes não vão ficar parados até os resultados começarem a aparecer", diz o documento, adiantando que, tendo em conta a desvalorização de 57% já registada pelo papel este ano, "que reflecte acima de tudo a tendência do sector, nós [a Lisbon Brokers] seríamos compradores [do papel] a este valor".
O BCP encerrou a sessão de hoje na Euronext Lisbon a deslizar 0,44% para os 1,13 euros.
CIMPOR
Na Cimpor, a Lisbon Brokers diz que, para além da empresa ter uma base fundamental sólida, tem também "uma estrutura accionista intrigante". Notando que "a velocidade e a eficiência com que a empresa integra novos negócios é bastante impressionante", a corretora nota que a sua avaliação de sete euros por acção dá ao papel um potencial de valorização de 72%, pelo que esta seria uma "compradora agressiva do mercado, uma vez que não há vendedores a estes níveis". A recomendação para o papel é de 'Forte Compra'.
A Cimpor ganhou 0,98% para os 4,11 euros na sessão de hoje da bolsa nacional.
GALP
Já para a Galp, o documento nota que esta se está a tornar uma "história curiosa": se por um lado a subida do petróleo está a pressionar as margens do seu negócio de Refinação & Marketing, levando a empresa a apresentar resultados decepcionantes, a presença da petrolífera na bacia de Santos no Brasil significa que em 2009 nenhum portfólio estará completo sem uma quantidade considerável de acções da empresa. Como o preço-alvo de 16 euros por acção da Lisbon Brokers para a Galp implica um potencial de subida de 45%, a corretora avança com uma recomendação de 'Forte Compra' para o papel.
A Galp Energia foi a 'estrela' da Bolsa de hoje, tendo chegado ao fim do dia a disparar 17,27%.
BRISA
Na Brisa, embora note que "o modelo de negócio está algo em risco devido ao abrandamento dos números do tráfego e possibilidades limitadas de expansão em Portugal", a Lisbon Brokers aprecia o facto da rede da empresa no nosso País ser sólida e fonte de um fluxo de dinheiro estável e de baixo risco para esta.
"A razão mais atraente para comprar a Brisa, contudo, é o facto da Abertis, que tem uma participação de 10,23% no capital da concessionária, ter reiterado por várias ocasiões que tem o desejo de criar uma grande operadora de auto-estradas na Europa. Para nós, isto significa que a sua posição na companhia é estratégica".
Assim, tendo em conta as dúvidas que existem em redor da estrutura accionista futura da empresa, o facto do seu preço-alvo pra a Brisa implicar um potencial de valorização de 25%, a Lisbon Brokers avança com uma recomendação de 'compra' para a concessionária.
A Brisa ganhou 1,56% para os 6,50 euros na sessão de hoje da Euronext Lisbon.
ZON
Por fim, a Zon Multimédia é considerada como tendo "um modelo de negócio firme com uma oferta 'triple-play', e que irá em breve ser capaz de oferecer uma oferta 'quadruple-play', depois de ter concluído um acordo com a Vodafone para a criação de um operador móvel virtual". Tendo também em conta a possibilidade de expansão da empresa liderado por Rodrigo Costa para África, a Lisbon Brokers reforça a sua recomendação de 'Forte Compra' para a companhia, bem como a sua avaliação de oito euros por acção, com um potencial de valorização de 36%.
A Zon encerrou a sessão de hoje na Bolsa inalterada nos 5,88 euros.
2008/08/02
Os putos estão bonitos
Fomos a casa do Pedro. os putos estão cada vez mais bonitos.
Contiuamos a ter muita dificuldade em lidar com os adultos sobretudo quando a Andreia está presente. Só com o Pedro é diferente. Aparece mais solto mais ele próprio. Com ela parece que está sempre a pedir a aprovação para tudo quanto faz.
Não sei porque a Andreia tem este comportamento. Suponho que é mesmo falta de educação.
A relação com os putos está a melhorar especialmente com o João. De facto tenho pouco geito para lidar com putos pequenos. Acabam-se as "gracinhas" depressa. espero que cresçam depresssa.
Contiuamos a ter muita dificuldade em lidar com os adultos sobretudo quando a Andreia está presente. Só com o Pedro é diferente. Aparece mais solto mais ele próprio. Com ela parece que está sempre a pedir a aprovação para tudo quanto faz.
Não sei porque a Andreia tem este comportamento. Suponho que é mesmo falta de educação.
A relação com os putos está a melhorar especialmente com o João. De facto tenho pouco geito para lidar com putos pequenos. Acabam-se as "gracinhas" depressa. espero que cresçam depresssa.
2008/07/29
Crónicas de Bali 1
Finalmente hoje ficou definido o percurso para Bali.
Iniciam-se aqui as Crónicas de Bali sendo que, a primeira dá notícia das espectativas
Boa gente, boa comida, paisagens magnificas, cultura diferente das excursões habituais.
Veremos se corresponde às expectativas.
Apenas um senão. É muito, mas mesmo muito longe.
Em termos prácticos tenho que ir obter o visto na Embaixada da Indonésia para onde telefonei hoje tendo sido atendido por ume senhora amablissima que me explicou tudo.
Iniciam-se aqui as Crónicas de Bali sendo que, a primeira dá notícia das espectativas
Boa gente, boa comida, paisagens magnificas, cultura diferente das excursões habituais.
Veremos se corresponde às expectativas.
Apenas um senão. É muito, mas mesmo muito longe.
Em termos prácticos tenho que ir obter o visto na Embaixada da Indonésia para onde telefonei hoje tendo sido atendido por ume senhora amablissima que me explicou tudo.
2008/07/27
Citação
Com a devida vénia ao Ponta e Mola aqui vai uma "máxima" que, não tendo com certeza como alvo muitos dos "senhores" que por aí andam enterrando empresas sobretudo as públicas, se aplica na perfeição:
Malandro que é malandro não estrilha, muda de esquina...
Malandro que é malandro não estrilha, muda de esquina...
2008/07/19
Nelson Mandela
Não são precisas apresentações nem escritos sobre aquilo que já (quase) toda a gente sabe sobre o Homem (assim mesmo, com H grande).
Aqui fica, com a devida vénia a manuel Queiroz do DN, o mesmo desejo de Joseph Blatter e cito ... espero vê-lo na cerimónia de abertura do campeonato do Mundo de 2010...
Eu também.
A REVERÊNCIA A MADIBA
Manuel Queiroz
jornalista
Os 90 anos que Nelson Mandela festejou ontem em família, em Qunu, onde cresceu, foram celebrados pelos jornais sul- -africanos com a reverência devida a um paitria. Todas as manchetes foram dedicadas ao ex- -presidente da República, ex-combatente do ANC e hoje ícone mundial da paz e da defesa de uma sociedade democrática e multirracial.
O mais interessante dos títulos é o do semanário Mail&Guardian de Joanesburgo: "Mandela @ 90", ou seja, "Mandela aos 90". Com um simples sinal moderno, deu um sentido de futuro a alguém que completa nove décadas de vida, que obviamente já teve mais saúde e que, mesmo assim, é um homem que transmite esperança. O The Star encima a capa com o título "Muitos, muitos parabéns, Tata Mkhulu", um nome que lhe deram os habitantes de Qunu. Nelson nasceu em Mvezo, no Transkei, numa família de linhagem na tribo dos Thembos (de que o seu bisavô foi rei), mas aos dois anos o seu pai mudou-se com a família para o local onde Mandela iria viver e onde hoje existe o museu com o seu nome e onde tem uma casa. Por isso também, o Cape Times, da Cidade do Cabo, diz na manchete que "Todos os caminhos vão dar a Qunu", ainda que ontem a festa fosse privada. Hoje haverá 500 convidados para a festa política, onde estarão os líderes do país e do seu partido.
Ontem muitos jornais do mundo colocaram Mandela na capa, ainda que em termos de personagens globais, o líder sul-africano sofresse ontem a concorrência do Papa Bento XVI nas primeiras páginas, por causa da sua visita à Austrália e da sua homenagem aos aborígenes.
Todos os sites dos jornais põem à disposição dos leitores serviço de mensagens para Nelson Mandela, que chegam de todo o mundo. Mas a mais importante para a África do Sul chegou por outras vias e veio de Zurique, da sede da FIFA, já que o Mundial de futebol de 2010, previsto para o país em 2010, tem sido posto em dúvida pelas dificuldades em terminar as infra- -estruturas necessárias. Mas Sepp Blatter mandou uma mensagem dizendo: "Espero vê-lo na cerimónia de abertura do Mundial da África do Sul, em 11 de Junho de 2010."
Aqui fica, com a devida vénia a manuel Queiroz do DN, o mesmo desejo de Joseph Blatter e cito ... espero vê-lo na cerimónia de abertura do campeonato do Mundo de 2010...
Eu também.
A REVERÊNCIA A MADIBA
Manuel Queiroz
jornalista
Os 90 anos que Nelson Mandela festejou ontem em família, em Qunu, onde cresceu, foram celebrados pelos jornais sul- -africanos com a reverência devida a um paitria. Todas as manchetes foram dedicadas ao ex- -presidente da República, ex-combatente do ANC e hoje ícone mundial da paz e da defesa de uma sociedade democrática e multirracial.
O mais interessante dos títulos é o do semanário Mail&Guardian de Joanesburgo: "Mandela @ 90", ou seja, "Mandela aos 90". Com um simples sinal moderno, deu um sentido de futuro a alguém que completa nove décadas de vida, que obviamente já teve mais saúde e que, mesmo assim, é um homem que transmite esperança. O The Star encima a capa com o título "Muitos, muitos parabéns, Tata Mkhulu", um nome que lhe deram os habitantes de Qunu. Nelson nasceu em Mvezo, no Transkei, numa família de linhagem na tribo dos Thembos (de que o seu bisavô foi rei), mas aos dois anos o seu pai mudou-se com a família para o local onde Mandela iria viver e onde hoje existe o museu com o seu nome e onde tem uma casa. Por isso também, o Cape Times, da Cidade do Cabo, diz na manchete que "Todos os caminhos vão dar a Qunu", ainda que ontem a festa fosse privada. Hoje haverá 500 convidados para a festa política, onde estarão os líderes do país e do seu partido.
Ontem muitos jornais do mundo colocaram Mandela na capa, ainda que em termos de personagens globais, o líder sul-africano sofresse ontem a concorrência do Papa Bento XVI nas primeiras páginas, por causa da sua visita à Austrália e da sua homenagem aos aborígenes.
Todos os sites dos jornais põem à disposição dos leitores serviço de mensagens para Nelson Mandela, que chegam de todo o mundo. Mas a mais importante para a África do Sul chegou por outras vias e veio de Zurique, da sede da FIFA, já que o Mundial de futebol de 2010, previsto para o país em 2010, tem sido posto em dúvida pelas dificuldades em terminar as infra- -estruturas necessárias. Mas Sepp Blatter mandou uma mensagem dizendo: "Espero vê-lo na cerimónia de abertura do Mundial da África do Sul, em 11 de Junho de 2010."
2008/07/12
Polo Norte
Caro Fernando Frazão,
Tratando-se de um diário económico, podíamos aplicar aquele ditado que diz “se a asneira pagasse imposto, o Estado seria mais rico”. Este texto é um completo disparate elucidativo do modo como os órgãos de comunicação social tratam o assunto que é de uma importância enorme para todos os cidadãos. A RTP também disse o mesmo em nota de rodapé. Reclamei perante o Provedor do Telespectador dizendo-lhe que a RTP estava a desinformar e desrespeitar os próprios contribuintes de um serviço que é pago para informar e não desinformar. Vejamos:
- Aquela situação é uma impossibilidade física. Se tal acontecesse, o Hemisfério Norte ficaria sem vento (as eólicas paravam completamente), sem humidade, etc.
- Neste momento exacto, o gelo marinho do Pólo Norte tem uma área com mais 1 milhão de quilómetros quadrados do que tinha em igual data do ano passado. Não quer dizer que não venha a ter menos do que o ano passado. A Mãe Natureza é que vai determinar a situação em finais de Setembro próximo futuro. Mas se tiver mais do que no ano passado, ou qualquer que ela seja superior a zero, acha que o Diário Económico e a RTP vão corrigir o disparate?
- Já agora, o gelo marinho do Pólo Sul, nesta altura, também tem mais 1 milhão de quilómetros quadrados de área relativamente ao ano passado. Ou seja, só a contribuição polar para a crioesfera apresenta 2 milhões de quilómetros quadrados a mais, o que é uma notícia extremamente positiva escondida pelos media.
Grato pela sua mensagem, fico à sua inteira disposição para qualquer esclarecimento que seja capaz de dar.
Rui G. Moura
De: Fernando Frazao [mailto:fernando.or.frazao7@gmail.com]
Enviada: quinta-feira, 10 de Julho de 2008 21:45
Para: rui.g.moura@sapo.pt
Assunto: Polo Norte
Boa noite
Sou um leitor atento do seu blogue.
Gostaria que comentasse o artigo (?) publicado hoje no Diário Económico com o seguinte texto:
Pólo Norte sem gelo este ano
O Pólo Norte pode ficar sem gelo este Verão. Os cientistas dizem que este é um cenário mais do que provável e a culpa é do aquecimento global, que há mais de dez anos que está a reduzir a camada de gelo do Pólo Norte. Mark Serreze, investigador do Centro Nacional da Neve e Gelo dos Estados Unidos, disse à agência "France Press" que em Setembro é concebível que barcos possam mesmo navegar do Alasca ao Pólo Norte.
Cumprimentos
Fernando Frazão
Tratando-se de um diário económico, podíamos aplicar aquele ditado que diz “se a asneira pagasse imposto, o Estado seria mais rico”. Este texto é um completo disparate elucidativo do modo como os órgãos de comunicação social tratam o assunto que é de uma importância enorme para todos os cidadãos. A RTP também disse o mesmo em nota de rodapé. Reclamei perante o Provedor do Telespectador dizendo-lhe que a RTP estava a desinformar e desrespeitar os próprios contribuintes de um serviço que é pago para informar e não desinformar. Vejamos:
- Aquela situação é uma impossibilidade física. Se tal acontecesse, o Hemisfério Norte ficaria sem vento (as eólicas paravam completamente), sem humidade, etc.
- Neste momento exacto, o gelo marinho do Pólo Norte tem uma área com mais 1 milhão de quilómetros quadrados do que tinha em igual data do ano passado. Não quer dizer que não venha a ter menos do que o ano passado. A Mãe Natureza é que vai determinar a situação em finais de Setembro próximo futuro. Mas se tiver mais do que no ano passado, ou qualquer que ela seja superior a zero, acha que o Diário Económico e a RTP vão corrigir o disparate?
- Já agora, o gelo marinho do Pólo Sul, nesta altura, também tem mais 1 milhão de quilómetros quadrados de área relativamente ao ano passado. Ou seja, só a contribuição polar para a crioesfera apresenta 2 milhões de quilómetros quadrados a mais, o que é uma notícia extremamente positiva escondida pelos media.
Grato pela sua mensagem, fico à sua inteira disposição para qualquer esclarecimento que seja capaz de dar.
Rui G. Moura
De: Fernando Frazao [mailto:fernando.or.frazao7@gmail.com]
Enviada: quinta-feira, 10 de Julho de 2008 21:45
Para: rui.g.moura@sapo.pt
Assunto: Polo Norte
Boa noite
Sou um leitor atento do seu blogue.
Gostaria que comentasse o artigo (?) publicado hoje no Diário Económico com o seguinte texto:
Pólo Norte sem gelo este ano
O Pólo Norte pode ficar sem gelo este Verão. Os cientistas dizem que este é um cenário mais do que provável e a culpa é do aquecimento global, que há mais de dez anos que está a reduzir a camada de gelo do Pólo Norte. Mark Serreze, investigador do Centro Nacional da Neve e Gelo dos Estados Unidos, disse à agência "France Press" que em Setembro é concebível que barcos possam mesmo navegar do Alasca ao Pólo Norte.
Cumprimentos
Fernando Frazão
2008/07/10
Ela está com bom aspecto
Resposta de Ferreira Fernandes
Caro Senhor Fernando Frazão,
O texto da minha colega não é contraditório com o que eu escrevi. A minha crónica não desmentia que Ingrid Betancourt aparecesse com bom aspecto – e que isso não pudesse ser, até, motivo de espanto. Eu próprio fiquei, não espantado, mas surpreendido (na verdade, agradavelmente surpreendido). A minha crónica era contra os que perante esse facto insinuavam. Para o bom aspecto eu encontrei logo (nos 30 segundos que dediquei à questão) uma explicação verosímil: há meses que, pelas negociações internacionais, havia a possibilidade de uma libertação iminente, daí que as FARC a alimentassem bem para não ficarem mal vistas. Haverá talvez outra explicação. Mas o que eu não admito são as insinuações que, no limite, punham em causa o sequestro – e essas apareceram, muitas, na blogosfera. Aquela mulher perdeu seis anos da sua vida, perdeu seis anos do crescimento dos seus filhos adolescente, não esteve ao lado do pai quando ele morreu – e querem transformá-la, em vez de vítima, em cúmplice de não sei do quê?
Muito obrigado por me ter escrito, permitindo que eu precisasse o que havia escrito.
Os meus melhores cumprientos,
José Ferreira Fernandes
Caro Senhor Fernando Frazão,
O texto da minha colega não é contraditório com o que eu escrevi. A minha crónica não desmentia que Ingrid Betancourt aparecesse com bom aspecto – e que isso não pudesse ser, até, motivo de espanto. Eu próprio fiquei, não espantado, mas surpreendido (na verdade, agradavelmente surpreendido). A minha crónica era contra os que perante esse facto insinuavam. Para o bom aspecto eu encontrei logo (nos 30 segundos que dediquei à questão) uma explicação verosímil: há meses que, pelas negociações internacionais, havia a possibilidade de uma libertação iminente, daí que as FARC a alimentassem bem para não ficarem mal vistas. Haverá talvez outra explicação. Mas o que eu não admito são as insinuações que, no limite, punham em causa o sequestro – e essas apareceram, muitas, na blogosfera. Aquela mulher perdeu seis anos da sua vida, perdeu seis anos do crescimento dos seus filhos adolescente, não esteve ao lado do pai quando ele morreu – e querem transformá-la, em vez de vítima, em cúmplice de não sei do quê?
Muito obrigado por me ter escrito, permitindo que eu precisasse o que havia escrito.
Os meus melhores cumprientos,
José Ferreira Fernandes
2008/07/06
Ela está com bom aspecto
ELA ESTÁ COM BOM ASPECTO
Ferreira Fernandes
jornalista
ferreira.fernandes@dn.pt
Está com bom aspecto, Ingrid Betancourt. Fico contente por a ver assim. Mas há também quem diga: "Está com bom aspecto, Ingrid Betancourt." Não é esta frase igual à minha? De regozijo? Não. É dita exactamente com sentido contrário, em forma de acusação: "Esta gaja, que ainda em Outubro do ano passado parecia uma tuberculosa olheirenta, aparece agora toda lampeira, de olhos brilhantes e até gorda, com duplo queixo " Sim, há quem diga isso. E há quem responda: "Eh pá, também me dei conta! Isto é muito estranho " São diálogos da blogosfera.
A blogosfera é o inferno para Jean-Jacques Rousseau: atirou a mentira deste ("os homens são naturalmente bons") definitivamente para o caixote do lixo da História. Pelas formas tradicionais de comunicação - conversas, jornais, moções parlamentares do PCP - os homens aprenderam a não dizer o indizível. Se têm de engolir um sapo - o fim da prisão de Ingrid Betancourt é um sapo para muita gente -, metem uns "mas" no discurso mas engolem-no. Ninguém diz: "Estou chateado com a libertação dessa agente do imperialismo." Só na blogosfera essa sinceridade insana acontece. Enfim, talvez Miguel Urbano Rodrigues seja capaz de dizer o mesmo, mas Miguel Urbano Rodrigues não é exactamente uma forma tradicional de comunicação. É mais uma forma do Paleozóico.
Já a blogosfera é moderníssima. Gosto dela porque nela muita gente escreve bem e também porque me garante: sim, os pulhas existem e até se exibem. A blogosfera acreditou para si uma tal forma de impunidade que chega a ser enternecedor ir lá para ver o que as pessoas dizem. Sobretudo nesse superlativo absoluto simples da blogosfera (onde já não se escreve tão bem mas a sinceridade é ainda mais crua) que são as caixas de comentários dos blogues. Como o anonimato é quase a regra, as pessoas expõem-se até ao mais recôndito bocado de si, sendo este, a mais das vezes, o intestino grosso.
É aí que tenho encontrado "Luísa", em várias caixas de comentários, geralmente a defender a Cuba de Castro e os narcotraficantes das colombianas FARC. Foi ela quem me alertou, agora, para a célebre fotografia de Ingrid Betancourt, de Outubro de 2007, magríssima e olhos desalentados, e a comparou com a esfuziante mulher destes dias. Desde Outubro, sabe-se, houve várias possibilidades de entrega da prisioneira e é natural que a engordassem para as FARC não ficarem muito mal na fotografia (delas, as FARC). Mas "Luísa" prefere sugerir: a prisão de Ingrid Betancourt foi uma farsa e a prova é que ela aparece como quem vem de um spa.
Não vou insultar ninguém lembrando o que Ingrid Betancourt perdeu nestes seis anos - quem quer, sabe. E fico muito agradecido à blogosfera por me lembrar que há gente como "Luísa".|
Bom dia
Acabei de ler a edição em linha do DN e, como habitualmente, comecei pela secção Opinião onde leio os seus escritos sempre em primeiro lugar (já agora um obrigado sincero pelas crónicas sobre Euro).
Concordo consigo quanto quanto à blogoesfera e o constante uso da insinuação sibilina e torpe quando não mesmo da calúnia "tout cour" quase sempre sob a protecção do anonimato.
Infelizmente após completar a leitura do DN cheguei à conclusão que a blogoesfera não está sózinha.
Atentemos, então, no DN editado no mesmo dia (coincidencias...) onde escreveu a crónica que provocou esta mensagem.
Na secção Inernacional, em artigo titulado "Saúde de Ingrid resiste a seis anos de cativeiro" assinado pela jornalista Susana Salvador escreve-se, "... A última imagem que havia de Ingrid Betancourt, a franco-colombiana que esteve mais de seis anos sequestrada pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), era a de uma mulher magra, abatida, tirada de um vídeo filmado em Novembro. Por isso foi com algum espanto que o mundo a viu descer, confiante, do avião no dia da sua libertação. Ontem, depois de a ex-candidata presidencial ter passado sete horas num hospital militar em França a fazer exames, a irmã confirmou que os resultados médicos são "satisfatórios"." (sublinhado meu).
Não conheço a sua "amiga" Luísa (nem me apetece) mas afinal não foi só ela que ficou espantada. Citando o referido artigo parece que o "mundo" também ficou.
Melhores cumprimentos
Ferreira Fernandes
jornalista
ferreira.fernandes@dn.pt
Está com bom aspecto, Ingrid Betancourt. Fico contente por a ver assim. Mas há também quem diga: "Está com bom aspecto, Ingrid Betancourt." Não é esta frase igual à minha? De regozijo? Não. É dita exactamente com sentido contrário, em forma de acusação: "Esta gaja, que ainda em Outubro do ano passado parecia uma tuberculosa olheirenta, aparece agora toda lampeira, de olhos brilhantes e até gorda, com duplo queixo " Sim, há quem diga isso. E há quem responda: "Eh pá, também me dei conta! Isto é muito estranho " São diálogos da blogosfera.
A blogosfera é o inferno para Jean-Jacques Rousseau: atirou a mentira deste ("os homens são naturalmente bons") definitivamente para o caixote do lixo da História. Pelas formas tradicionais de comunicação - conversas, jornais, moções parlamentares do PCP - os homens aprenderam a não dizer o indizível. Se têm de engolir um sapo - o fim da prisão de Ingrid Betancourt é um sapo para muita gente -, metem uns "mas" no discurso mas engolem-no. Ninguém diz: "Estou chateado com a libertação dessa agente do imperialismo." Só na blogosfera essa sinceridade insana acontece. Enfim, talvez Miguel Urbano Rodrigues seja capaz de dizer o mesmo, mas Miguel Urbano Rodrigues não é exactamente uma forma tradicional de comunicação. É mais uma forma do Paleozóico.
Já a blogosfera é moderníssima. Gosto dela porque nela muita gente escreve bem e também porque me garante: sim, os pulhas existem e até se exibem. A blogosfera acreditou para si uma tal forma de impunidade que chega a ser enternecedor ir lá para ver o que as pessoas dizem. Sobretudo nesse superlativo absoluto simples da blogosfera (onde já não se escreve tão bem mas a sinceridade é ainda mais crua) que são as caixas de comentários dos blogues. Como o anonimato é quase a regra, as pessoas expõem-se até ao mais recôndito bocado de si, sendo este, a mais das vezes, o intestino grosso.
É aí que tenho encontrado "Luísa", em várias caixas de comentários, geralmente a defender a Cuba de Castro e os narcotraficantes das colombianas FARC. Foi ela quem me alertou, agora, para a célebre fotografia de Ingrid Betancourt, de Outubro de 2007, magríssima e olhos desalentados, e a comparou com a esfuziante mulher destes dias. Desde Outubro, sabe-se, houve várias possibilidades de entrega da prisioneira e é natural que a engordassem para as FARC não ficarem muito mal na fotografia (delas, as FARC). Mas "Luísa" prefere sugerir: a prisão de Ingrid Betancourt foi uma farsa e a prova é que ela aparece como quem vem de um spa.
Não vou insultar ninguém lembrando o que Ingrid Betancourt perdeu nestes seis anos - quem quer, sabe. E fico muito agradecido à blogosfera por me lembrar que há gente como "Luísa".|
Bom dia
Acabei de ler a edição em linha do DN e, como habitualmente, comecei pela secção Opinião onde leio os seus escritos sempre em primeiro lugar (já agora um obrigado sincero pelas crónicas sobre Euro).
Concordo consigo quanto quanto à blogoesfera e o constante uso da insinuação sibilina e torpe quando não mesmo da calúnia "tout cour" quase sempre sob a protecção do anonimato.
Infelizmente após completar a leitura do DN cheguei à conclusão que a blogoesfera não está sózinha.
Atentemos, então, no DN editado no mesmo dia (coincidencias...) onde escreveu a crónica que provocou esta mensagem.
Na secção Inernacional, em artigo titulado "Saúde de Ingrid resiste a seis anos de cativeiro" assinado pela jornalista Susana Salvador escreve-se, "... A última imagem que havia de Ingrid Betancourt, a franco-colombiana que esteve mais de seis anos sequestrada pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), era a de uma mulher magra, abatida, tirada de um vídeo filmado em Novembro. Por isso foi com algum espanto que o mundo a viu descer, confiante, do avião no dia da sua libertação. Ontem, depois de a ex-candidata presidencial ter passado sete horas num hospital militar em França a fazer exames, a irmã confirmou que os resultados médicos são "satisfatórios"." (sublinhado meu).
Não conheço a sua "amiga" Luísa (nem me apetece) mas afinal não foi só ela que ficou espantada. Citando o referido artigo parece que o "mundo" também ficou.
Melhores cumprimentos
2008/07/03
O Milagre de Ponte de Lima
Esta questão deu direito a honras de abertura de telejornal, discursos inflamados do "sacristão da esquerda" sobre a insensibilidade do estado e intervenção directa do Ministro da Saúde para reavaliação do caso e afinal... deu-se o milagre.
Retirado do Correio da Manhã de 1 de Julho:
01 Julho 2008 - 00h30
Ponte de Lima: Funcionária da Junta de Vitorino de Piães recuperou
“Foi uma graça do Cristo crucificado”
O espanto é geral entre a população de Vitorino de Piães, Ponte de Lima. Depois de toda a polémica em torno da reforma recusada e de oito meses de baixa médica por causa de doença supostamente degenerativa e incapacitante, a funcionária pública Ana Maria Brandão apresenta-se sem qualquer limitação física e aparentemente de boa saúde. Fala-se num milagre que terá ocorrido no Bom Jesus, em Braga.
"Foi uma graça do Cristo crucificado. Ela bem merecia, depois de quatro anos a sofrer, acamada e sem poder fazer nada", atestou Maria das Dores Lima, uma conterrânea de Ana Maria, contando que o suposto milagre terá ocorrido no feriado do Corpo de Deus.
Com uma cervicalgia e uma lombalgia degenerativas – após problemas em operações à coluna –, Ana Maria deslocou-se ao santuário do Bom Jesus, com a irmã e o afilhado. "O miúdo começou a chorar e a pedir ao Senhor para ajudar a madrinha, que estava em sofrimento e que sentiu um grande calor por ela abaixo. Mas só ao chegar a casa se apercebeu de que conseguia andar", descreveu Dores Lima.
No entanto, contactado pelo CM, o arcebispo de Braga, D. Jorge Ortiga, disse desconhecer qualquer informação sobre este caso.
A mudança física de Ana Maria – que ontem esteve incontactável – é de tal ordem que estaria pronta para regressar ontem ao seu trabalho como funcionária administrativa na Junta de Vitorino de Piães. Isso não se verificou porque a autarquia abriu um processo disciplinar e suspendeu Ana Maria .
"Ainda bem que a Ana Maria está melhor. Compreendemos a sua situação, mas na gestão de coisas públicas, como é a Junta, temos de garantir a legalidade. A lei diz que a Ana Maria teria de se apresentar ao trabalho após a Junta Médica, mas ela optou por apresentar novo atestado. Além disso, os atestados de funcionários públicos têm de ser passados por médicos da ADSE e não por médicos de família", explicou ao CM o secretário da autarquia, Carlos Lemos.
EVOLUÇÃO
VENCIMENTO
Ana Maria Brandão, que estará sob acompanhamento psiquiátrico, não aufere vencimento desde final de 2007. Por aconselhamento jurídico, a Junta deixou de pagar.
REAPRECIAÇÃO
Após três anos de baixa, Ana Maria viu ser recusado o pedido de reforma pela Caixa Geral de Aposentações. Teve de se apresentar ao trabalho a 5/11/2007. O ministro das Finanças pediu reapreciação do caso, mas o veredicto final não se alterou.
CRÓNICA
Em Janeiro de 2007, o neurocirurgião Joaquim Couto Reis classificou a doença de Ana Maria como "crónica" e que a "incapacita" para o exercício da sua actividade.
A ANDAR
Hoje, Ana Maria já anda, lentamente, sem qualquer ajuda. Tirou o colar cervical, braçadeira e cinta lombar. Está mais magra. Não pode fazer grandes esforços
Retirado do Correio da Manhã de 1 de Julho:
01 Julho 2008 - 00h30
Ponte de Lima: Funcionária da Junta de Vitorino de Piães recuperou
“Foi uma graça do Cristo crucificado”
O espanto é geral entre a população de Vitorino de Piães, Ponte de Lima. Depois de toda a polémica em torno da reforma recusada e de oito meses de baixa médica por causa de doença supostamente degenerativa e incapacitante, a funcionária pública Ana Maria Brandão apresenta-se sem qualquer limitação física e aparentemente de boa saúde. Fala-se num milagre que terá ocorrido no Bom Jesus, em Braga.
"Foi uma graça do Cristo crucificado. Ela bem merecia, depois de quatro anos a sofrer, acamada e sem poder fazer nada", atestou Maria das Dores Lima, uma conterrânea de Ana Maria, contando que o suposto milagre terá ocorrido no feriado do Corpo de Deus.
Com uma cervicalgia e uma lombalgia degenerativas – após problemas em operações à coluna –, Ana Maria deslocou-se ao santuário do Bom Jesus, com a irmã e o afilhado. "O miúdo começou a chorar e a pedir ao Senhor para ajudar a madrinha, que estava em sofrimento e que sentiu um grande calor por ela abaixo. Mas só ao chegar a casa se apercebeu de que conseguia andar", descreveu Dores Lima.
No entanto, contactado pelo CM, o arcebispo de Braga, D. Jorge Ortiga, disse desconhecer qualquer informação sobre este caso.
A mudança física de Ana Maria – que ontem esteve incontactável – é de tal ordem que estaria pronta para regressar ontem ao seu trabalho como funcionária administrativa na Junta de Vitorino de Piães. Isso não se verificou porque a autarquia abriu um processo disciplinar e suspendeu Ana Maria .
"Ainda bem que a Ana Maria está melhor. Compreendemos a sua situação, mas na gestão de coisas públicas, como é a Junta, temos de garantir a legalidade. A lei diz que a Ana Maria teria de se apresentar ao trabalho após a Junta Médica, mas ela optou por apresentar novo atestado. Além disso, os atestados de funcionários públicos têm de ser passados por médicos da ADSE e não por médicos de família", explicou ao CM o secretário da autarquia, Carlos Lemos.
EVOLUÇÃO
VENCIMENTO
Ana Maria Brandão, que estará sob acompanhamento psiquiátrico, não aufere vencimento desde final de 2007. Por aconselhamento jurídico, a Junta deixou de pagar.
REAPRECIAÇÃO
Após três anos de baixa, Ana Maria viu ser recusado o pedido de reforma pela Caixa Geral de Aposentações. Teve de se apresentar ao trabalho a 5/11/2007. O ministro das Finanças pediu reapreciação do caso, mas o veredicto final não se alterou.
CRÓNICA
Em Janeiro de 2007, o neurocirurgião Joaquim Couto Reis classificou a doença de Ana Maria como "crónica" e que a "incapacita" para o exercício da sua actividade.
A ANDAR
Hoje, Ana Maria já anda, lentamente, sem qualquer ajuda. Tirou o colar cervical, braçadeira e cinta lombar. Está mais magra. Não pode fazer grandes esforços
2008/06/22
O Europeu de Futebol
O Ferreira Fernandes, jornalista do DN foi, no sei geito peculiar, cronicar na Suíça o Europeu.
Transacrevem-se aqui as ditas crónicas
NA PRÓXIMA SEREI MAIS CIENTÍFICO
Passei o dia a ler sinais. Tinha-me deitado com a Lua cheia, redonda de perfeição: "Bom augúrio, para quem é bom de bola..." Ontem foi o segundo dia seguido de sol. Sol rima com quê? Com o Funchal de quem vocês sabem ou com a Saxónia de Ballack? Entrei no estádio de Basileia e olhei a pista de dança. A esta hora, quando me lêem, já todos viram as centenas de rectângulos em que a UEFA converteu o relvado. Pedaços de esmeralda rasgados por clareiras de capim... Mau sinal? Claro que não. Se esses rectângulos estivessem marcados - 1, 2... 57... 84...179... - preocupava-me. Os alemães entravam com a coisa estudada, ao minuto 25, como combinado, Lahm, no rectângulo 143, centrava para o rectângulo 207, onde Klose esperava... Mas não, os rectângulos confundiam-se, estavam ao calhas. Eu disse a expressão sagrada: ao calhas. Ao calhas não de totós, mas de quem inventa no momento. Concluí: ontem era o nosso dia. Concluí mal, como sempre quem lê em vísceras fumegantes.|20
FAVORITOS ESSA É QUE É ESSA
A frase é batida: "Futebol é um jogo entre 22 jogadores, em que no final quem vence é a Alemanha." Disse-a um jogador inglês, Gary Lineker, traumatizado pelos panzers do relvado nos anos 70/80. É frase exagerada, claro, mas com argumentos: a Alemanha foi campeã mundial (3 vezes), vice-campeã (4), campeã europeia (3) e vice- -campeã (2). Uma vez, entrou completamente batida - final do Mundial de 54, contra a maravilha dos húngaros (que a tinham derrotado, dias antes, por 8-3) - e saiu do campo campeã e com o trauma da derrota da II Guerra Mundial resolvido. Essa é a Alemanha e o seu jogo preferido (tem 16 milhões de futebolistas, entre profissionais e amadores, 30 vezes mais que Portugal). Essa, a Alemanha que joga hoje com Portugal. O seu melhor jogador, Ballack, diz: "Portugal é o favorito." Dir-me-ão: é só frase. Sim, mas ao contrário da frase de Lineker, nunca tinha sido dita, nunca. Talvez essa glória só a vivamos até logo à noite. Mas que isso foi dito, foi.|19
SOBERBA COMO QUALIDADE DESPORTIVA
Estranha Holanda: não quis despachar um adversário perigoso. Os holandeses podiam ter pensado que o jogo de ontem (com a Roménia, 2-0) não era de 90 minutos, mas de 180 - acrescentando o jogo da semifinal. Ontem, bastava-lhes ter perdido (o que não beliscava o seu 1.º lugar no grupo), e ter-se- -iam livrado ou da França ou da Itália mais para a frente. Mas os holandeses eliminaram a Roménia e deram mais uma oportunidade ao vencedor do França-Itália (foi a Itália). Isto é, preferiram arriscar-se a encontrar outra vez a forte Itália (caso esta passe, nos quartos-de-final, a Espanha), preferiram isso, a apostar na sorte de encontrar outra vez a modesta Roménia (que teria seguido em frente se ontem tivesse ganho). A Holanda fez essas contas, mas, apesar delas, ganhou. Porquê? Porque a Holanda não queria um jogo combinado? Acho que a resposta é outra e igualmente admirável: a Holanda tem a soberba de se saber melhor do que qualquer adversário, seja este qual for.18
AQUILO É MUITA HISTÓRIA MÁ HISTÓRIA
O estádio do Prater, em Viena. A gente julga serem só pedras, mas que alguma coisa as habita, habita. Aquilo é muita história. Mudam-lhe o nome, agora é estádio Ernst-Happel, o grande treinador que dizia aos seus que subiam ao relvado: "Cavalheiros, três pontos." Mas o estádio continua o Prater. A história é muita. Em 1938, celebrou-se ali o Anschluss, a ocupação da Áustria pelos nazis alemães: juntaram-se as duas selecções. À equipa da Áustria chamavam-lhe "o time maravilha"; ao capitão, Matthias Sindelar, "o Mozart do futebol". Sindelar recusou- -se a alinhar pela Alemanha: ele e a mulher, Camilla Castagnola, suicidaram-se. Em 1939, no campo do Prater, a Gestapo mediu 440 judeus, depois mandou-os para Buchenwald. Ontem, o árbitro esqueceu-se dos jogadores e expulsou os dois treinadores, o alemão e o austríaco. Angela Merkl levantou-se para apoiar e falar ao seu treinador. Não devia. Mesmo passados 70 anos, os alemães deviam ser discretos. Pelo menos, no Prater.17
NO FUTEBOL NINGUÉM LEVA A MAL
A caminho do futebol, Cressier, uma aldeia da montanha, rua central deserta, é a Suíça ao domingo. Entro no hotel Croix-Blanche, quero almoçar: "Hoje não servimos, oferecemos." Conduzem- -me ao terraço traseiro. Há festa, com banda de sopro, presunto fumado e rosé da região. É gente do campo que se desfaz em sorrisos para o estrangeiro e aplaude-me por ser português. Gritam pelo patrão: José Ferreira, de Trancoso, com blusa de cozinheiro, comemora com os vizinhos a sua chegada, há 20 anos. Bebo, como e sou feliz. Despeço-me e peço desculpa pela vitória de mais logo. (Julgava eu...) Sentia-me Obdulio Varela. Sabem, o capitão do Uruguai que derrotou o Brasil, no Maracanã, em 1950. Depois do jogo, sozinho, ele entrou pela noite do Rio. Numa tasca, pediu uma cerveja e reconheceram- -no. Temeu ser agredido. E foi: um jovem chorou-lhe, ao ombro, toda a tristeza do Brasil. Só então, Varela se deu conta do mal que fizera. E estava disposto a repetir. No futebol até as tristezas são boas.16
Ó P'RA MIM CÁ EM CIMA
Não se gosta de uma equipa porque ela é a boa, mas porque ela é a nossa. Depois de ela ser a nossa, quando a ligação já tem memória e essas coisas, então, vamos descobrir as razões porque ela é a boa. Encontram-se sempre.
A questão é, pois, a inicial: porque é aquela a nossa equipa? Eu conheço a minha razão. Até porque a minha equipa é Portugal e quando a minha equipa começou a ser Portugal - falo do início dos anos 60 - Portugal era a última coisa que me embalava. A minha razão: Coluna. Um não branco a mandar em brancos. Um capitão, patrão inquestionável, coisa que se via das bancadas: "Sr. Coluna, posso ser eu a marcar o livre?", perguntava um rapaz pálido. E o Sr. Coluna deixava, ou não.
Não queiram saber como aquilo era ar fresco. A selecção portuguesa desse tempo era como a Nokia hoje para a Finlândia - por ela, o mundo talvez não soubesse, mas adivinhava a modernidade. Talvez não nos invejasse, mas devia. Foi nessa altura que me tornei adepto da equipa. Lembro, naquele tempo não havia negros a jogar na Europa: Didi, um mestiço como Coluna, um dos três deuses da melhor equipa de sempre (Brasil, 1958, com Garrincha e Pelé), saiu do Real Madrid empurrado por vexames racistas.
Outros têm as sua razões para amar a equipa. A mão de um pai que nos levou ao Jamor... O importante é ficarmos com esse sentimento de pertença. Fixados, coleccionam-se momentos, como outros, cromos. No meu passaporte de cidadão da selecção nacional, o carimbo mais querido é, claro, o daquele Portugal-Coreia, Mundial de 66. Mais uma vez, amei Portugal quando ele se revelava nos antípodas de Portugal. Os 9 999 999 portugueses desalentados com o 0-3, e um português de raça decidido a mudar o destino. Eusébio carregando o País às costas deu a volta ao resultado, negando-se a abraços até à epopeia concluída. Nunca chorei tão bom.
Depois disso, o meu affaire com a selecção nacional têm sido chispas, meras chispas - Futre e Chalana, Figo e Rui Costa e, até, Ricardo, o dos penáltis. Sempre acreditando tudo, sabendo que teria pouco. A selecção era como aquela amante feia de quem só nós sabemos das qualidades e não dá para apregoar. Um affaire íntimo.
E não é que cheguei a esta selecção? A do Deco inclinado para a frente e do Cristiano Ronaldo inclinado para trás (só um apaixonado vê estes pormenores), que a Europa deu em invejar? Confesso, não sei como lidar com a situação. Não sou dos que pintam a cara e usam chapéus bizarros, sou dos que amam baixinho. Mas quando colegas de L'Équipe e de La Gazzetta dello Sport olham para mim como eu olho para o namorado da Scarlett Johansson, confirmo: "Sim, eu ando com esta equipa já há muitos anos..." E ponho um ar ainda mais discreto porque já apanhei as manhas dos poderosos.16
PROFISSÃO: DESPACHAR PEDANTES
Titulava ontem o jornal francês L'Équipe: "É preciso mexerem-se!" Ora, mesmo no curling - aquele jogo em que o mais emocionante é ver varrer o gelo -, todo o desporto é definido por um mexer qualquer. Quando o mais prestigiado jornal desportivo da Europa dá um conselho óbvio aos seus, coitados dos seus. E mais coitados, ainda, quando eles seguem o conselho: a França mexeu-se. Atitude imprudente quando Thuram tem 36 anos e Makelele, 35, idades em que os grandes futebolistas já são maus comentadores televisivos. A França seguiu a batuta da sua barata tonta Ribéry, o que é grave, sempre, e mortal quando do outro lado estava a que, ontem, era a melhor equipa do mundo. Para esta, a Holanda, um só senão: habituou-nos a ganhar por diferença de três golos. Um dia, ganha por 2-0 e a equipa interioriza a derrota. Faz lembrar, ao contrário, Paulo Portas: as sondagens dão-lhe 3%, ele acaba por ter 5% e faz a vida política com isso. A Holanda merece melhor destino.14
GEOESTRATÉGIA ENTRE QUATRO LINHAS
Dois países organizam o Euro durante cinco anos. A Suíça, ao fim de quatro dias, é eliminada. A Aústria, no último minuto, ontem, recebeu um suplemento de mais uns diazitos. Ela vai ter de vencer a Alemanha, que tem de jogar para um empate. No futebol, o conflito de interesses germano-austríaco é novidade. São históricos os conluios. Umas vezes, conversados, como no Mundial de 1982. Precisavam ambas do 1-0 a favor da Alemanha, o que faria passar as duas - fez-se esse resultado aos dez minutos e nos outros 80 trocaram a bola entre assobios dos espectadores e a raiva da prejudicada, a Argélia. De outra vez, a conivência foi imposta e retumbante: antes do Mundial de 1938, a Alemanha anexou militarmente a Áustria e, de passagem, anexou-lhe cinco jogadores para a sua selecção. Não valeu de nada: a Alemanha com reforço austríaco foi eliminada. Por coincidência, por esta triste Suíça, que acaba de ser convidada a sair da festa que se realiza em sua casa.
OS HINOS O POSTE E O ARTISTA
A suíça Mireille Grosjean pôs um processo à UEFA, responsável do Euro 2008, por causa dos hinos: "Incitam à violência." Não falou do nosso "Às armas! Às armas", estava mais indignada com o "sangue impuro" referido na Marselhesa. Ontem, no estádio de Genebra, notei que Nuno Gomes se engasgou no "egrégios avós" e pareceu-me arrevesado o "domov nuj" dos checos. Um tropeço para cada lado - é o que exijo ao desporto: a igualdade à partida. Por isso, a UEFA, a ter de banir alguma coisa, são tipos tipo Koller, de 2,02 metros. Se permitem pilares de electricidade, mesmo sem fios, um dia vamos admitir guarda-redes superlutadores de sumo que entupam a baliza. Koller não jogou nada mas falo como amante da arte (da Art Deco em particular): não gosto de futebol armado ao pingarelho. Logo que um checo pegava na bola, tratava de a fazer pingar para o poste. Isso distraía do essencial, do que se passava 25 centímetros abaixo. Ao alto nível dos 1,77 m de Deco. 13
O FUTEBOL É MAIS DO QUE BOLA A ROLAR
Quando foi à Suíça para o dia inaugural do Euro, Durão Barroso citou Roman Gary: "Patriotismo é gostar dos seus, nacionalismo é odiar os outros." Roman Gary era polaco, como esse Lukas Podolski que joga na selecção alemã e marcou golo contra a Polónia dos seus pais. Gary nunca combateu contra a Polónia, mas combateu por outras pátrias: foi companheiro de De Gaulle na libertação de França. Sob o pseudónimo de Émile Ajar, escreveu um dos mais comoventes livros da minha vida, La Vie devant Soi - uma velha judia e um pequeno árabe, em Pigalle. Gary compreenderia Podolski, o do golo contra a pátria de ambos. Porque o futebol é lugar de patriotismo e o patriotismo permite outros patriotismos, até para si próprio. No estádio de Genebra, antes do Portugal-Turquia, viu-se na tela o golo checo contra a Suíça. A bancada dos imigrantes emudeceu de tristeza. Os portugueses da Suíça são como Podolski e sabem- -no. O futebol ensina-nos que pátria não há só uma.12
A TOLICE DA MECÂNICA DA LARANJA
É extraordinário que o tão aleatório futebol seja fiel aos seus costumes. Sobretudo quando estes são do tipo sem explicação. O futebol tem fantasmas e não consegue fugir deles. Olhem a Itália e a sua mania de alpinista, que já aqui evoquei e começou, ontem, a confirmar-se. Nos Mundiais, de 12 em 12 anos, ela brilha: 1970 (finalista), 82 (campeã), 94 (finalista) e 2006 (campeã). Cume atingido, nos Euros seguintes a Itália vem por ali abaixo: em 1972, saiu nos quartos-de-final; em 84, nem lá foi (ficou-se nas eliminatórias); em 96, caiu na fase de grupo. Em 2008, a tradição parece manter-se com a derrota de ontem. Mas chega de falar de comparsas, quando ainda nada se disse da admirável Holanda. Reparem que já comecei a respeitá-los: chamei-lhes Holanda. Como poderia ter dito Flechas Infernais ou Agarrem-nos Se Podem. O que nunca lhes chamaria é Laranja Mecânica. Laranja, da camisola, ainda vá lá. Agora, comparar aquela arte a coisa de bielas e manivelas...10
LER FUTEBOL É SABER MAIS
Na defesa central da selecção: Pepe e Carvalho (nós não usamos assim mas foi título do jornal L'Équipe). Quase como Pepe Carvalho, o célebre detective do escritor catalão Manuel Vásquez Montálban. O detective Pepe Carvalho resolve mistérios exóticos e ainda há pouco Pepe e Carvalho resolveram o caso dos turcos. Os nossos Pepe e Carvalho também caçam assassinos (que é o que deve ser um bom adversário naquela zona do campo) e, como Pepe Carvalho, fazem-no, não ao murro, mas pensando (sobretudo Carvalho, cirurgicamente, esticando o pé). Pepe Carvalho é gastrónomo, escolhe os ingredientes e cozinha-os filosoficamente. Pepe e Carvalho não gostam de ser comidos e, cumprindo uma filosofia (a melhor defesa é o ataque), gostam de comer os outros subindo à baliza deles. Pepe Carvalho queima os seus livros à lareira. Pepe e Carvalho quando abrem o livro incendeiam o jogo. Pepe Carvalho é um detective privado. Pepe e Carvalho estão em vias de ser monumentos públicos.9
OS REPESCADOS MOVEM-SE A CERVEJA
Nuno Herlander Simões Espírito Santo. Dinamarquês. Não olhem ao nome, mas à condição. O que é ser dinamarquês numa época destas? Numa época que começou ontem e acaba a 29 deste mês? Eu digo: é estar de férias, de papo para o ar mas triste, estendido na areia mas a sonhar com relva, não fazer nada e invejar os que fazem. É estar como os futebolistas da selecção dinamarquesa no fim da Primavera de 1992. Eles tinham perdido a qualificação para ir ao Euro desse ano, na Suécia. Estavam desolados porque, anos antes, tinham ganho um pseudónimo brilhante, Dinamáquina, e não podiam confirmá-lo.
Estavam assim os dinamarqueses - tendo os futebolistas escolhido o fim do mês de Maio para ir de férias. Foi então que a Jugoslávia se transformou no campeonato que se sabe e que Kusturica contou como ninguém. Na presunção de que um país que se retalha não merece ser metido numa só camisola, a UEFA desqualificou a Jugoslávia. E aquela que tinha partido pescar, a Dinarmarca, acabou repescada. Contactaram-se os futebolistas que andavam pelos quatro cantos do mundo, contaram-se os 23 necessários, disseram-lhes que eram uma equipa (não houve tempo para mais) e despacharam-nos para Gotemburgo. Nunca uma equipa chegou à fase final de um torneio internacional menos preparada e com mais olheiras.
Não sei onde estava Nuno, de 34 anos, o guarda-redes suplente do FC Porto, na sexta-feira passada (sei, estava no Algarve, mas isso é vulgar). Para a minha história convém-me que estivesse nas Maldivas. No tal papo para o ar e triste e baço. Felizmente para ele, tinha o telemóvel ao lado, pousado na toalha com palmeiras. Ouviu o toque e atendeu: "Menino - disse quem ele logo soube ser o Sargentão - tira os calções de banho e vem vindo logo."
Nas Maldivas estão habituados às manias dos turistas e ninguém ligou àquele rapagão que correu nu para o aeroporto - já sem calções de banho, como lhe tinha sido ordenado. E Nuno chegou, já hoje, à Suíça, ao Euro, tal como os dinamarqueses há 16 anos chegaram à Suécia, ao Euro. Que raio de Sarajevo terá acontecido para esta respescagem de Nuno? Calma, fala-se aqui de Portugal, selecção de brandos costumes. Não foi necessário derrubar a ponte de Mostar, nem encher valas de cadáveres, nem tornar popular a palavra sniper. Em Portugal, fazemos tudo mais barato: bastou o pulso de Quim.
Nuno Herlander Simões Espírito Santo, o dinamarquês, pois. Mas para o ser completamente, deixem-me lembrar mais. Os dinamarqueses, já que foram numa de por acaso, levaram a coisa na boa. Foram para um hotel de porta aberta, havia cerveja nos corredores e visitas das namoradas. No fim, foram campeões. Eu, se fosse o Scolari, deixava pelo menos o Nuno com essas regalias.8
ANÁLISE CALMA E PONDERADA
Se me perguntarem: "Onde vais?" Responderei: "Vou para a festa!" Sinto-me como quando desembarco em Nova Iorque, que é o mesmo que sentia o Fabrice da Cartuxa de Parma e o Eugène de Rastignac da Comédia Humana ao chegarem a Paris. É entre nós dois, Cristiano Ronaldo. O que não quer dizer que não te traia com o Nani. O que eu peço é só ser fascinado. Só. No ponto em que estou, não custa nada. Três fintas, uma delas daquelas que sentam um turco. Um golo num canto insuspeito. Uma bola domada no peito. Quero geometria, muita geometria, lusa geometria, passando tangentes aos outros, nunca secantes. Quero ver a garra de Petit, o único tipo com cara de ciclista que venceu no fute. Quero uma cavalgada de Bosingwa passando o Bósforo. Quero Ricardo Carvalho imperial como um otomano de antigamente. Quero só tudo. Deco parado a olhar. Se quando ele não olha faz maravilhas, imaginem quando um estádio pára, a Terra deixa de rodar e Deco olha. Quero vir da festa exausto.
NÃO, NÃO ACHEI QUE ELES EXAGERASSEM
Gosto do futebol jogado. Ronaldinho, o brasileiro, esperando que a barreira salte para ele enfiar a bola por baixo das infelizes solas do adversário dá-me satisfação pura. A selecção enquanto visitadora do Presidente já me deixa indiferente - quero lá saber do protocolo em geral e de rapazes mal engravatados em particular. Por outro lado, um Presidente amante de futebol que se emocionasse por abraçar aquele rapaz que lançou as luvas para o canto e resolveu um desafio que tinha o Portugal em suspenso, já me deixaria comovido. Como fiquei ao ver a emoção maluca dos portugueses de Neuchâtel. Volto ao futebol de que gosto: gostei de ver Ronaldinho a fazer aquilo porque desejei toda a minha vida fazê-lo e nunca soube. Gosto do futebol por ambição diferida: admiro quem sabe o que eu não sei. Compreendo bem os emigrantes que admiram portugueses que eles sabem que o mundo admira. Só não percebe o orgulho deles quem não sente necessidade de admirar.
Transacrevem-se aqui as ditas crónicas
NA PRÓXIMA SEREI MAIS CIENTÍFICO
Passei o dia a ler sinais. Tinha-me deitado com a Lua cheia, redonda de perfeição: "Bom augúrio, para quem é bom de bola..." Ontem foi o segundo dia seguido de sol. Sol rima com quê? Com o Funchal de quem vocês sabem ou com a Saxónia de Ballack? Entrei no estádio de Basileia e olhei a pista de dança. A esta hora, quando me lêem, já todos viram as centenas de rectângulos em que a UEFA converteu o relvado. Pedaços de esmeralda rasgados por clareiras de capim... Mau sinal? Claro que não. Se esses rectângulos estivessem marcados - 1, 2... 57... 84...179... - preocupava-me. Os alemães entravam com a coisa estudada, ao minuto 25, como combinado, Lahm, no rectângulo 143, centrava para o rectângulo 207, onde Klose esperava... Mas não, os rectângulos confundiam-se, estavam ao calhas. Eu disse a expressão sagrada: ao calhas. Ao calhas não de totós, mas de quem inventa no momento. Concluí: ontem era o nosso dia. Concluí mal, como sempre quem lê em vísceras fumegantes.|20
FAVORITOS ESSA É QUE É ESSA
A frase é batida: "Futebol é um jogo entre 22 jogadores, em que no final quem vence é a Alemanha." Disse-a um jogador inglês, Gary Lineker, traumatizado pelos panzers do relvado nos anos 70/80. É frase exagerada, claro, mas com argumentos: a Alemanha foi campeã mundial (3 vezes), vice-campeã (4), campeã europeia (3) e vice- -campeã (2). Uma vez, entrou completamente batida - final do Mundial de 54, contra a maravilha dos húngaros (que a tinham derrotado, dias antes, por 8-3) - e saiu do campo campeã e com o trauma da derrota da II Guerra Mundial resolvido. Essa é a Alemanha e o seu jogo preferido (tem 16 milhões de futebolistas, entre profissionais e amadores, 30 vezes mais que Portugal). Essa, a Alemanha que joga hoje com Portugal. O seu melhor jogador, Ballack, diz: "Portugal é o favorito." Dir-me-ão: é só frase. Sim, mas ao contrário da frase de Lineker, nunca tinha sido dita, nunca. Talvez essa glória só a vivamos até logo à noite. Mas que isso foi dito, foi.|19
SOBERBA COMO QUALIDADE DESPORTIVA
Estranha Holanda: não quis despachar um adversário perigoso. Os holandeses podiam ter pensado que o jogo de ontem (com a Roménia, 2-0) não era de 90 minutos, mas de 180 - acrescentando o jogo da semifinal. Ontem, bastava-lhes ter perdido (o que não beliscava o seu 1.º lugar no grupo), e ter-se- -iam livrado ou da França ou da Itália mais para a frente. Mas os holandeses eliminaram a Roménia e deram mais uma oportunidade ao vencedor do França-Itália (foi a Itália). Isto é, preferiram arriscar-se a encontrar outra vez a forte Itália (caso esta passe, nos quartos-de-final, a Espanha), preferiram isso, a apostar na sorte de encontrar outra vez a modesta Roménia (que teria seguido em frente se ontem tivesse ganho). A Holanda fez essas contas, mas, apesar delas, ganhou. Porquê? Porque a Holanda não queria um jogo combinado? Acho que a resposta é outra e igualmente admirável: a Holanda tem a soberba de se saber melhor do que qualquer adversário, seja este qual for.18
AQUILO É MUITA HISTÓRIA MÁ HISTÓRIA
O estádio do Prater, em Viena. A gente julga serem só pedras, mas que alguma coisa as habita, habita. Aquilo é muita história. Mudam-lhe o nome, agora é estádio Ernst-Happel, o grande treinador que dizia aos seus que subiam ao relvado: "Cavalheiros, três pontos." Mas o estádio continua o Prater. A história é muita. Em 1938, celebrou-se ali o Anschluss, a ocupação da Áustria pelos nazis alemães: juntaram-se as duas selecções. À equipa da Áustria chamavam-lhe "o time maravilha"; ao capitão, Matthias Sindelar, "o Mozart do futebol". Sindelar recusou- -se a alinhar pela Alemanha: ele e a mulher, Camilla Castagnola, suicidaram-se. Em 1939, no campo do Prater, a Gestapo mediu 440 judeus, depois mandou-os para Buchenwald. Ontem, o árbitro esqueceu-se dos jogadores e expulsou os dois treinadores, o alemão e o austríaco. Angela Merkl levantou-se para apoiar e falar ao seu treinador. Não devia. Mesmo passados 70 anos, os alemães deviam ser discretos. Pelo menos, no Prater.17
NO FUTEBOL NINGUÉM LEVA A MAL
A caminho do futebol, Cressier, uma aldeia da montanha, rua central deserta, é a Suíça ao domingo. Entro no hotel Croix-Blanche, quero almoçar: "Hoje não servimos, oferecemos." Conduzem- -me ao terraço traseiro. Há festa, com banda de sopro, presunto fumado e rosé da região. É gente do campo que se desfaz em sorrisos para o estrangeiro e aplaude-me por ser português. Gritam pelo patrão: José Ferreira, de Trancoso, com blusa de cozinheiro, comemora com os vizinhos a sua chegada, há 20 anos. Bebo, como e sou feliz. Despeço-me e peço desculpa pela vitória de mais logo. (Julgava eu...) Sentia-me Obdulio Varela. Sabem, o capitão do Uruguai que derrotou o Brasil, no Maracanã, em 1950. Depois do jogo, sozinho, ele entrou pela noite do Rio. Numa tasca, pediu uma cerveja e reconheceram- -no. Temeu ser agredido. E foi: um jovem chorou-lhe, ao ombro, toda a tristeza do Brasil. Só então, Varela se deu conta do mal que fizera. E estava disposto a repetir. No futebol até as tristezas são boas.16
Ó P'RA MIM CÁ EM CIMA
Não se gosta de uma equipa porque ela é a boa, mas porque ela é a nossa. Depois de ela ser a nossa, quando a ligação já tem memória e essas coisas, então, vamos descobrir as razões porque ela é a boa. Encontram-se sempre.
A questão é, pois, a inicial: porque é aquela a nossa equipa? Eu conheço a minha razão. Até porque a minha equipa é Portugal e quando a minha equipa começou a ser Portugal - falo do início dos anos 60 - Portugal era a última coisa que me embalava. A minha razão: Coluna. Um não branco a mandar em brancos. Um capitão, patrão inquestionável, coisa que se via das bancadas: "Sr. Coluna, posso ser eu a marcar o livre?", perguntava um rapaz pálido. E o Sr. Coluna deixava, ou não.
Não queiram saber como aquilo era ar fresco. A selecção portuguesa desse tempo era como a Nokia hoje para a Finlândia - por ela, o mundo talvez não soubesse, mas adivinhava a modernidade. Talvez não nos invejasse, mas devia. Foi nessa altura que me tornei adepto da equipa. Lembro, naquele tempo não havia negros a jogar na Europa: Didi, um mestiço como Coluna, um dos três deuses da melhor equipa de sempre (Brasil, 1958, com Garrincha e Pelé), saiu do Real Madrid empurrado por vexames racistas.
Outros têm as sua razões para amar a equipa. A mão de um pai que nos levou ao Jamor... O importante é ficarmos com esse sentimento de pertença. Fixados, coleccionam-se momentos, como outros, cromos. No meu passaporte de cidadão da selecção nacional, o carimbo mais querido é, claro, o daquele Portugal-Coreia, Mundial de 66. Mais uma vez, amei Portugal quando ele se revelava nos antípodas de Portugal. Os 9 999 999 portugueses desalentados com o 0-3, e um português de raça decidido a mudar o destino. Eusébio carregando o País às costas deu a volta ao resultado, negando-se a abraços até à epopeia concluída. Nunca chorei tão bom.
Depois disso, o meu affaire com a selecção nacional têm sido chispas, meras chispas - Futre e Chalana, Figo e Rui Costa e, até, Ricardo, o dos penáltis. Sempre acreditando tudo, sabendo que teria pouco. A selecção era como aquela amante feia de quem só nós sabemos das qualidades e não dá para apregoar. Um affaire íntimo.
E não é que cheguei a esta selecção? A do Deco inclinado para a frente e do Cristiano Ronaldo inclinado para trás (só um apaixonado vê estes pormenores), que a Europa deu em invejar? Confesso, não sei como lidar com a situação. Não sou dos que pintam a cara e usam chapéus bizarros, sou dos que amam baixinho. Mas quando colegas de L'Équipe e de La Gazzetta dello Sport olham para mim como eu olho para o namorado da Scarlett Johansson, confirmo: "Sim, eu ando com esta equipa já há muitos anos..." E ponho um ar ainda mais discreto porque já apanhei as manhas dos poderosos.16
PROFISSÃO: DESPACHAR PEDANTES
Titulava ontem o jornal francês L'Équipe: "É preciso mexerem-se!" Ora, mesmo no curling - aquele jogo em que o mais emocionante é ver varrer o gelo -, todo o desporto é definido por um mexer qualquer. Quando o mais prestigiado jornal desportivo da Europa dá um conselho óbvio aos seus, coitados dos seus. E mais coitados, ainda, quando eles seguem o conselho: a França mexeu-se. Atitude imprudente quando Thuram tem 36 anos e Makelele, 35, idades em que os grandes futebolistas já são maus comentadores televisivos. A França seguiu a batuta da sua barata tonta Ribéry, o que é grave, sempre, e mortal quando do outro lado estava a que, ontem, era a melhor equipa do mundo. Para esta, a Holanda, um só senão: habituou-nos a ganhar por diferença de três golos. Um dia, ganha por 2-0 e a equipa interioriza a derrota. Faz lembrar, ao contrário, Paulo Portas: as sondagens dão-lhe 3%, ele acaba por ter 5% e faz a vida política com isso. A Holanda merece melhor destino.14
GEOESTRATÉGIA ENTRE QUATRO LINHAS
Dois países organizam o Euro durante cinco anos. A Suíça, ao fim de quatro dias, é eliminada. A Aústria, no último minuto, ontem, recebeu um suplemento de mais uns diazitos. Ela vai ter de vencer a Alemanha, que tem de jogar para um empate. No futebol, o conflito de interesses germano-austríaco é novidade. São históricos os conluios. Umas vezes, conversados, como no Mundial de 1982. Precisavam ambas do 1-0 a favor da Alemanha, o que faria passar as duas - fez-se esse resultado aos dez minutos e nos outros 80 trocaram a bola entre assobios dos espectadores e a raiva da prejudicada, a Argélia. De outra vez, a conivência foi imposta e retumbante: antes do Mundial de 1938, a Alemanha anexou militarmente a Áustria e, de passagem, anexou-lhe cinco jogadores para a sua selecção. Não valeu de nada: a Alemanha com reforço austríaco foi eliminada. Por coincidência, por esta triste Suíça, que acaba de ser convidada a sair da festa que se realiza em sua casa.
OS HINOS O POSTE E O ARTISTA
A suíça Mireille Grosjean pôs um processo à UEFA, responsável do Euro 2008, por causa dos hinos: "Incitam à violência." Não falou do nosso "Às armas! Às armas", estava mais indignada com o "sangue impuro" referido na Marselhesa. Ontem, no estádio de Genebra, notei que Nuno Gomes se engasgou no "egrégios avós" e pareceu-me arrevesado o "domov nuj" dos checos. Um tropeço para cada lado - é o que exijo ao desporto: a igualdade à partida. Por isso, a UEFA, a ter de banir alguma coisa, são tipos tipo Koller, de 2,02 metros. Se permitem pilares de electricidade, mesmo sem fios, um dia vamos admitir guarda-redes superlutadores de sumo que entupam a baliza. Koller não jogou nada mas falo como amante da arte (da Art Deco em particular): não gosto de futebol armado ao pingarelho. Logo que um checo pegava na bola, tratava de a fazer pingar para o poste. Isso distraía do essencial, do que se passava 25 centímetros abaixo. Ao alto nível dos 1,77 m de Deco. 13
O FUTEBOL É MAIS DO QUE BOLA A ROLAR
Quando foi à Suíça para o dia inaugural do Euro, Durão Barroso citou Roman Gary: "Patriotismo é gostar dos seus, nacionalismo é odiar os outros." Roman Gary era polaco, como esse Lukas Podolski que joga na selecção alemã e marcou golo contra a Polónia dos seus pais. Gary nunca combateu contra a Polónia, mas combateu por outras pátrias: foi companheiro de De Gaulle na libertação de França. Sob o pseudónimo de Émile Ajar, escreveu um dos mais comoventes livros da minha vida, La Vie devant Soi - uma velha judia e um pequeno árabe, em Pigalle. Gary compreenderia Podolski, o do golo contra a pátria de ambos. Porque o futebol é lugar de patriotismo e o patriotismo permite outros patriotismos, até para si próprio. No estádio de Genebra, antes do Portugal-Turquia, viu-se na tela o golo checo contra a Suíça. A bancada dos imigrantes emudeceu de tristeza. Os portugueses da Suíça são como Podolski e sabem- -no. O futebol ensina-nos que pátria não há só uma.12
A TOLICE DA MECÂNICA DA LARANJA
É extraordinário que o tão aleatório futebol seja fiel aos seus costumes. Sobretudo quando estes são do tipo sem explicação. O futebol tem fantasmas e não consegue fugir deles. Olhem a Itália e a sua mania de alpinista, que já aqui evoquei e começou, ontem, a confirmar-se. Nos Mundiais, de 12 em 12 anos, ela brilha: 1970 (finalista), 82 (campeã), 94 (finalista) e 2006 (campeã). Cume atingido, nos Euros seguintes a Itália vem por ali abaixo: em 1972, saiu nos quartos-de-final; em 84, nem lá foi (ficou-se nas eliminatórias); em 96, caiu na fase de grupo. Em 2008, a tradição parece manter-se com a derrota de ontem. Mas chega de falar de comparsas, quando ainda nada se disse da admirável Holanda. Reparem que já comecei a respeitá-los: chamei-lhes Holanda. Como poderia ter dito Flechas Infernais ou Agarrem-nos Se Podem. O que nunca lhes chamaria é Laranja Mecânica. Laranja, da camisola, ainda vá lá. Agora, comparar aquela arte a coisa de bielas e manivelas...10
LER FUTEBOL É SABER MAIS
Na defesa central da selecção: Pepe e Carvalho (nós não usamos assim mas foi título do jornal L'Équipe). Quase como Pepe Carvalho, o célebre detective do escritor catalão Manuel Vásquez Montálban. O detective Pepe Carvalho resolve mistérios exóticos e ainda há pouco Pepe e Carvalho resolveram o caso dos turcos. Os nossos Pepe e Carvalho também caçam assassinos (que é o que deve ser um bom adversário naquela zona do campo) e, como Pepe Carvalho, fazem-no, não ao murro, mas pensando (sobretudo Carvalho, cirurgicamente, esticando o pé). Pepe Carvalho é gastrónomo, escolhe os ingredientes e cozinha-os filosoficamente. Pepe e Carvalho não gostam de ser comidos e, cumprindo uma filosofia (a melhor defesa é o ataque), gostam de comer os outros subindo à baliza deles. Pepe Carvalho queima os seus livros à lareira. Pepe e Carvalho quando abrem o livro incendeiam o jogo. Pepe Carvalho é um detective privado. Pepe e Carvalho estão em vias de ser monumentos públicos.9
OS REPESCADOS MOVEM-SE A CERVEJA
Nuno Herlander Simões Espírito Santo. Dinamarquês. Não olhem ao nome, mas à condição. O que é ser dinamarquês numa época destas? Numa época que começou ontem e acaba a 29 deste mês? Eu digo: é estar de férias, de papo para o ar mas triste, estendido na areia mas a sonhar com relva, não fazer nada e invejar os que fazem. É estar como os futebolistas da selecção dinamarquesa no fim da Primavera de 1992. Eles tinham perdido a qualificação para ir ao Euro desse ano, na Suécia. Estavam desolados porque, anos antes, tinham ganho um pseudónimo brilhante, Dinamáquina, e não podiam confirmá-lo.
Estavam assim os dinamarqueses - tendo os futebolistas escolhido o fim do mês de Maio para ir de férias. Foi então que a Jugoslávia se transformou no campeonato que se sabe e que Kusturica contou como ninguém. Na presunção de que um país que se retalha não merece ser metido numa só camisola, a UEFA desqualificou a Jugoslávia. E aquela que tinha partido pescar, a Dinarmarca, acabou repescada. Contactaram-se os futebolistas que andavam pelos quatro cantos do mundo, contaram-se os 23 necessários, disseram-lhes que eram uma equipa (não houve tempo para mais) e despacharam-nos para Gotemburgo. Nunca uma equipa chegou à fase final de um torneio internacional menos preparada e com mais olheiras.
Não sei onde estava Nuno, de 34 anos, o guarda-redes suplente do FC Porto, na sexta-feira passada (sei, estava no Algarve, mas isso é vulgar). Para a minha história convém-me que estivesse nas Maldivas. No tal papo para o ar e triste e baço. Felizmente para ele, tinha o telemóvel ao lado, pousado na toalha com palmeiras. Ouviu o toque e atendeu: "Menino - disse quem ele logo soube ser o Sargentão - tira os calções de banho e vem vindo logo."
Nas Maldivas estão habituados às manias dos turistas e ninguém ligou àquele rapagão que correu nu para o aeroporto - já sem calções de banho, como lhe tinha sido ordenado. E Nuno chegou, já hoje, à Suíça, ao Euro, tal como os dinamarqueses há 16 anos chegaram à Suécia, ao Euro. Que raio de Sarajevo terá acontecido para esta respescagem de Nuno? Calma, fala-se aqui de Portugal, selecção de brandos costumes. Não foi necessário derrubar a ponte de Mostar, nem encher valas de cadáveres, nem tornar popular a palavra sniper. Em Portugal, fazemos tudo mais barato: bastou o pulso de Quim.
Nuno Herlander Simões Espírito Santo, o dinamarquês, pois. Mas para o ser completamente, deixem-me lembrar mais. Os dinamarqueses, já que foram numa de por acaso, levaram a coisa na boa. Foram para um hotel de porta aberta, havia cerveja nos corredores e visitas das namoradas. No fim, foram campeões. Eu, se fosse o Scolari, deixava pelo menos o Nuno com essas regalias.8
ANÁLISE CALMA E PONDERADA
Se me perguntarem: "Onde vais?" Responderei: "Vou para a festa!" Sinto-me como quando desembarco em Nova Iorque, que é o mesmo que sentia o Fabrice da Cartuxa de Parma e o Eugène de Rastignac da Comédia Humana ao chegarem a Paris. É entre nós dois, Cristiano Ronaldo. O que não quer dizer que não te traia com o Nani. O que eu peço é só ser fascinado. Só. No ponto em que estou, não custa nada. Três fintas, uma delas daquelas que sentam um turco. Um golo num canto insuspeito. Uma bola domada no peito. Quero geometria, muita geometria, lusa geometria, passando tangentes aos outros, nunca secantes. Quero ver a garra de Petit, o único tipo com cara de ciclista que venceu no fute. Quero uma cavalgada de Bosingwa passando o Bósforo. Quero Ricardo Carvalho imperial como um otomano de antigamente. Quero só tudo. Deco parado a olhar. Se quando ele não olha faz maravilhas, imaginem quando um estádio pára, a Terra deixa de rodar e Deco olha. Quero vir da festa exausto.
NÃO, NÃO ACHEI QUE ELES EXAGERASSEM
Gosto do futebol jogado. Ronaldinho, o brasileiro, esperando que a barreira salte para ele enfiar a bola por baixo das infelizes solas do adversário dá-me satisfação pura. A selecção enquanto visitadora do Presidente já me deixa indiferente - quero lá saber do protocolo em geral e de rapazes mal engravatados em particular. Por outro lado, um Presidente amante de futebol que se emocionasse por abraçar aquele rapaz que lançou as luvas para o canto e resolveu um desafio que tinha o Portugal em suspenso, já me deixaria comovido. Como fiquei ao ver a emoção maluca dos portugueses de Neuchâtel. Volto ao futebol de que gosto: gostei de ver Ronaldinho a fazer aquilo porque desejei toda a minha vida fazê-lo e nunca soube. Gosto do futebol por ambição diferida: admiro quem sabe o que eu não sei. Compreendo bem os emigrantes que admiram portugueses que eles sabem que o mundo admira. Só não percebe o orgulho deles quem não sente necessidade de admirar.
2008/06/01
Alfredo Saramago
Só ontem soobe que o Alfredo morreu. Estava na Suécia e os "vikings" não sabem quem ele era. Onfelizmente muitos portugueses também não.
Lembro-me de ter ido à Barata na Av. de Roma e perguntar se tinham o Livro de Caça do Saramago. perante o olhar entre o reprovador e o espantado eu disse "o Alfredo não o José. Perante a continuação do olhar interrogador esclareci que era um livro de culinária. Ah! foi a resposta.
A luta pelo "nosso" sem pieguices nacionalistas tornou-o num icone.
Restam os livros e as receitas para continuares a noss memória. E claro, um belo charuto no fim.
Bem hajas
Lembro-me de ter ido à Barata na Av. de Roma e perguntar se tinham o Livro de Caça do Saramago. perante o olhar entre o reprovador e o espantado eu disse "o Alfredo não o José. Perante a continuação do olhar interrogador esclareci que era um livro de culinária. Ah! foi a resposta.
A luta pelo "nosso" sem pieguices nacionalistas tornou-o num icone.
Restam os livros e as receitas para continuares a noss memória. E claro, um belo charuto no fim.
Bem hajas
2008/05/08
Dia da Mãe
||| Maio de minha mãe.
O primeiro de Maio de minha Mãe
Não era social, mas de favas e giestas.
Uma cadeira de pau, flor dos dedos do Avô
— Polimento, esquadria, engrade, olhá-la ao longe —
Dava assento a Florália, o meu primeiro amor.
Já não se usa poesia descritiva.
Mas como hei-de falar da Maromba de Maio
Ou, se era macho, do litro de vinho na sua mão?
O primeiro de Maio nas ilhas, morno como uma rosa,
Algodoado de cúmulos, lento no mar e rapioqueiro
Como Baco em Camões,
Límpido de azeviche
E, afinal de contas, do ponto de vista proletário,
Mais de mãos na algibeira do que Lenine em Zurich.
(Porque foi por essa época: eu é que não sabia!)
A minha Maromba tinha barriga de palha como as massas
E a foice roçadoira da erva das cabras do Ribeiro
Que se pegou, esquecida, no banco do martelo de meu Avô,
Cujas quedas iguais, gravíficas, profundas,
Muito prego em cunhal deixaram,
Muita madeira emalhetaram,
Muita estrela atraíram ao bico da foice do Ribeiro
Nas noites de luar em que roçava erva às cabras.
Favas de Maio do meu tempo!
Havia poder popular
Nas mãos de minha Mãe, que as descascava como flores
E flores eram de si, na Flórea abada
Como se já guardassem flor de laranjeira e açaflor
Nas suas intenções de Maio 1918, para as depor
(Nem pensada sequer) na fronte à minha amada.
Vitorino Nemésio
O primeiro de Maio de minha Mãe
Não era social, mas de favas e giestas.
Uma cadeira de pau, flor dos dedos do Avô
— Polimento, esquadria, engrade, olhá-la ao longe —
Dava assento a Florália, o meu primeiro amor.
Já não se usa poesia descritiva.
Mas como hei-de falar da Maromba de Maio
Ou, se era macho, do litro de vinho na sua mão?
O primeiro de Maio nas ilhas, morno como uma rosa,
Algodoado de cúmulos, lento no mar e rapioqueiro
Como Baco em Camões,
Límpido de azeviche
E, afinal de contas, do ponto de vista proletário,
Mais de mãos na algibeira do que Lenine em Zurich.
(Porque foi por essa época: eu é que não sabia!)
A minha Maromba tinha barriga de palha como as massas
E a foice roçadoira da erva das cabras do Ribeiro
Que se pegou, esquecida, no banco do martelo de meu Avô,
Cujas quedas iguais, gravíficas, profundas,
Muito prego em cunhal deixaram,
Muita madeira emalhetaram,
Muita estrela atraíram ao bico da foice do Ribeiro
Nas noites de luar em que roçava erva às cabras.
Favas de Maio do meu tempo!
Havia poder popular
Nas mãos de minha Mãe, que as descascava como flores
E flores eram de si, na Flórea abada
Como se já guardassem flor de laranjeira e açaflor
Nas suas intenções de Maio 1918, para as depor
(Nem pensada sequer) na fronte à minha amada.
Vitorino Nemésio
Seu Jorge - Zé do Caroço
Ele canta Leci Brandão. Se alguém tiver por aí a versão de Mariana Aydar, eu gostava
Lembranças de Adoniran Barbosa
A grande voz de São Paulo. Adoniran Barbosa em fragmentos: «eu não quero chorar», diz ele a certa altura, «eu não posso chorar».
DESEMPREGO
Pelo meu intratável e malévolo esquerdismo genético, que evidentemente nos ex-esquerdistas é considerado um defeito de carácter (nos direitistas, antigos fascistas ou "situacionistas", pelos vistos não é, porque ninguém os acusa de estarem presos psicologicamente ao seu passado, bem pelo contrário podem ser democratas sem mancha e sem memória), sempre insisti nas campanhas eleitorais em que participei em visitar as fábricas, em encontrar os trabalhadores "à saída das fábricas" e em escapar ao interminável percurso pelas "instituições de solidariedade social", ou seja, lares de idosos cujo director era dos "nossos".
Poucas coisas mais deprimentes aconteciam do que ouvir um zeloso director a falar com uma velhinha - "sabe que a Mariazinha tem noventa e cinco anos e ainda canta, canta aqui ao senhor deputado, canta" - e desejar veemente que a terra se me abrisse à frente e enviasse a senhora Maria para o Céu, onde certamente está, e a mim para o Inferno, porque entre as suas piores penas não está assistir à humilhação alheia, de quem já não tem defesa do seu querer. Talvez a senhora Maria gostasse daquela última atenção e seja eu que esteja enganado, mas é por essas e por outras que abomino o populismo e não sirvo para certas coisas.
Voltemos à "saída das fábricas", lugar que se tornou maldito depois do dr. Menezes dizer que aí estaria em permanência. Nessas campanhas eleitorais passei por várias grandes fábricas, não só em dimensão como no número de trabalhadores que, já na altura, não abundavam no país, cuja desindustrialização fizera desaparecer muitas que a nossa sempre débil industrialização tinha feito. Todas essas fábricas, todas sem excepção, desapareceram nos últimos dez anos. Em tão poucos sítios é possível ver a história a fazer-se como se fosse um filme acelerado. Estava lá ontem, hoje já não está.
Eu, que sou portuense, sabia que poucas coisas se abatem mais rapidamente do que as grandes fábricas. No Porto, tudo o que era amplo espaço urbanizável nas décadas de setenta e oitenta estava no lugar vazio de uma grande fábrica, quase sempre têxtil, e as novas urbanizações para a classe média alta tinham o nome das fábricas como a William Graham na Avenida da Boavista. (ver foto) Desaparecidas as fábricas têxteis de Salgueiros, da Torrinha, das Sedas, para além das fábricas de fósforos e de cerveja, a cidade substituía as imensas construções fabris por apartamentos. Num artigo do Expresso, um dos primeiros escritos em Portugal sobre a salvaguarda do património industrial, ainda tentei que se preservasse alguma coisa da Fábrica de Salgueiros, um exemplar típico da arquitectura industrial então em ruínas, mas o efeito do artigo foi que o que sobrava foi deitado abaixo logo a seguir, não fosse haver alguém que se lembrasse de prestar a atenção à nova (por cá) concepção de arqueologia industrial e dificultasse o caminho aos bulldozers.
Esta semana, com o despedimento de centenas de trabalhadores da Yasaki Saltano de Gaia, recordei-me de outra grande fábrica desaparecida, a Clark"s de Castelo de Paiva, uma daquelas onde estive "à saída da fábrica". Por muito boa vontade que se tivesse em fazer política, distribuir uns papéis, falar com pessoas, na "saída das fábricas", a Clark"s era um sítio péssimo para o fazer. A saída era espectacular, mas muito, muito, rápida. Nos breves momentos que durava, um mar de raparigas, mulheres jovens e na meia-idade, o maior número de gaspeadeiras que alguma vez vi na vida, saía como uma mola das portas interiores e corria, literalmente corria, para os portões e desaparecia pelas ruas e caminhos, em motocicletas, algumas em carros. Dez minutos depois, não havia ninguém e os papéis dados à pressa no meio daquelas almas fugidias desapareciam com elas tão depressa como a noite se punha.
A corrida tinha uma razão de ser, iam para casa o mais cedo possível cuidar dos filhos e do marido, cuidar da casa, não tinham tempo a perder com políticas. Como na Yasaki Saltano, a maioria dos trabalhadores são trabalhadoras, mulheres, muitas bastante jovens, muitas com poucas qualificações e que abandonaram a escola antes do tempo, a face visível do "insucesso" e do "abandono escolar", para irem trabalhar e constituir família numa idade em que os mais abastados ainda se arrastam pelo 12.º ano ou pelos primeiros anos da universidade e vivem em casa dos pais. A atracção do emprego e da família, da "sua" família, marido e filhos, não é apenas motivada pela necessidade económica, mas sim pela procura de autonomia, de uma vida própria na teia demasiado densa das famílias ainda próximas da ruralidade. Castelo de Paiva não é propriamente o centro do mundo urbano e Gaia ainda tem muitas aldeias.
O desemprego é devastador para todos, mas é-o mais para estas mulheres jovens e de meia-idade. Não é apenas a sua condição económica, a sua condição de vida que é afectada, é também a sua autonomia como mulheres, a sua capacidade de terem no salário e no emprego uma vida e uma dignidade próprias como mulheres, num mundo em que esta afirmação ainda é crucial. Recebida a notificação do desemprego, passado o período da agitação, as notícias e contranotícias de que pode haver um plano de integração na fábrica ao lado, ou a cinquenta quilómetros dali, que pode haver um supermercado que as aceite prioritariamente, que a câmara vai cuidar delas, que os sindicatos vão obter uma melhor indemnização, etc., etc., chega uma altura em que acabou. Acabou mesmo, está desempregada.
Nesse momento, em que o dinheiro que se levava para casa começa a faltar, a mulher começa a fazer contas e a cortar nas despesas. E não corta no pão, no infantário, na luz, na casa, no telemóvel - há-de vir a cortar - corta nas suas despesas, nas despesas consigo. Vai menos vezes ao cabeleireiro, arranja-se menos, compra menos roupa, tudo coisas que parecem fúteis para quem tem tudo, mas que representam um caminho para uma menor auto-estima, um desleixo que pode vir a crescer com os anos, se passar definitivamente de operária a dona de casa. É um caminho invisível, um passo atrás em que ninguém repara a não ser as próprias.
Elas sabem o que é não ter emprego, ou ter que mudar para outro emprego menos qualificado, mais solitário, mais dependente, socialmente menos reconhecido. Elas sabem que podem fazer menos coisas sozinhas, com o seu dinheiro, sem prestar contas a ninguém. Elas sabem o que significa ficar mais dependente do marido ou dos pais, ter menos esperança para os filhos, desistir de coisas que achava até então possíveis: umas férias baratas no Algarve, um carro melhor, mais visitas às lojas do Arrábida Shopping, não para ver as montras, mas para entrar lá dentro e comprar aquela roupa para o "bebé", ou aquela blusa. E sabem que saem menos e vêem mais televisão.
O desemprego pode suscitar mil e uma discussões teóricas, e ser inevitável como "destruição criadora", como "reconversão" da nossa economia, como efeito de políticas erradas que assentam na ilusão de um "modelo social europeu" insustentável face à natalidade e à globalização, tudo isso. Também eu penso que a deslocalização das fábricas é inevitável e que muito tecido industrial que temos não resiste à realidade da economia actual e que, com a nossa baixa qualificação da mão-de-obra, não temos a plasticidade para encontrar alternativas que tornem "criadora" a "destruição" schumpeteriana. A trabalhadora da Yasaki Saltano que disse que ia aproveitar a "oportunidade" para completar o 12.º ano tem toda a razão e aponta o caminho, mas nem por isso deixa de ter todas as dificuldades e não é certo que possa vir a poder utilizar as suas novas qualificações.
Mas nem por não se ter qualquer solução a curto prazo, a sociedade, nós todos, devemos deixar de olhar para cada um destes desempregos colectivos de mulheres sem a preocupação de vermos e sentirmos a devastação que ele tem por trás, o atraso social que isto significa para Portugal. Estas mulheres não vão educar os seus filhos da mesma maneira, vão reproduzir melhor o Portugal antigo do que preparar o novo. Elas sentem que falharam, tinham algumas ilusões que perderam. Mas nós falhamos mais se não temos a consciência de fazer alguma coisa. Porque se pode, na acção cívica, no voluntariado, no mundo empresarial, na política, fazer muita coisa por estas mulheres. O que é preciso é vê-las e à sua condição e não as cobrir com o manto diáfano da inevitabilidade. A começar pelo Governo, que mais uma vez se vai voltar para o betão e não para as pessoas.
(Versão do Público, de 3 de Maio de 2008.)
Poucas coisas mais deprimentes aconteciam do que ouvir um zeloso director a falar com uma velhinha - "sabe que a Mariazinha tem noventa e cinco anos e ainda canta, canta aqui ao senhor deputado, canta" - e desejar veemente que a terra se me abrisse à frente e enviasse a senhora Maria para o Céu, onde certamente está, e a mim para o Inferno, porque entre as suas piores penas não está assistir à humilhação alheia, de quem já não tem defesa do seu querer. Talvez a senhora Maria gostasse daquela última atenção e seja eu que esteja enganado, mas é por essas e por outras que abomino o populismo e não sirvo para certas coisas.
Voltemos à "saída das fábricas", lugar que se tornou maldito depois do dr. Menezes dizer que aí estaria em permanência. Nessas campanhas eleitorais passei por várias grandes fábricas, não só em dimensão como no número de trabalhadores que, já na altura, não abundavam no país, cuja desindustrialização fizera desaparecer muitas que a nossa sempre débil industrialização tinha feito. Todas essas fábricas, todas sem excepção, desapareceram nos últimos dez anos. Em tão poucos sítios é possível ver a história a fazer-se como se fosse um filme acelerado. Estava lá ontem, hoje já não está.
Eu, que sou portuense, sabia que poucas coisas se abatem mais rapidamente do que as grandes fábricas. No Porto, tudo o que era amplo espaço urbanizável nas décadas de setenta e oitenta estava no lugar vazio de uma grande fábrica, quase sempre têxtil, e as novas urbanizações para a classe média alta tinham o nome das fábricas como a William Graham na Avenida da Boavista. (ver foto) Desaparecidas as fábricas têxteis de Salgueiros, da Torrinha, das Sedas, para além das fábricas de fósforos e de cerveja, a cidade substituía as imensas construções fabris por apartamentos. Num artigo do Expresso, um dos primeiros escritos em Portugal sobre a salvaguarda do património industrial, ainda tentei que se preservasse alguma coisa da Fábrica de Salgueiros, um exemplar típico da arquitectura industrial então em ruínas, mas o efeito do artigo foi que o que sobrava foi deitado abaixo logo a seguir, não fosse haver alguém que se lembrasse de prestar a atenção à nova (por cá) concepção de arqueologia industrial e dificultasse o caminho aos bulldozers.
Esta semana, com o despedimento de centenas de trabalhadores da Yasaki Saltano de Gaia, recordei-me de outra grande fábrica desaparecida, a Clark"s de Castelo de Paiva, uma daquelas onde estive "à saída da fábrica". Por muito boa vontade que se tivesse em fazer política, distribuir uns papéis, falar com pessoas, na "saída das fábricas", a Clark"s era um sítio péssimo para o fazer. A saída era espectacular, mas muito, muito, rápida. Nos breves momentos que durava, um mar de raparigas, mulheres jovens e na meia-idade, o maior número de gaspeadeiras que alguma vez vi na vida, saía como uma mola das portas interiores e corria, literalmente corria, para os portões e desaparecia pelas ruas e caminhos, em motocicletas, algumas em carros. Dez minutos depois, não havia ninguém e os papéis dados à pressa no meio daquelas almas fugidias desapareciam com elas tão depressa como a noite se punha.
A corrida tinha uma razão de ser, iam para casa o mais cedo possível cuidar dos filhos e do marido, cuidar da casa, não tinham tempo a perder com políticas. Como na Yasaki Saltano, a maioria dos trabalhadores são trabalhadoras, mulheres, muitas bastante jovens, muitas com poucas qualificações e que abandonaram a escola antes do tempo, a face visível do "insucesso" e do "abandono escolar", para irem trabalhar e constituir família numa idade em que os mais abastados ainda se arrastam pelo 12.º ano ou pelos primeiros anos da universidade e vivem em casa dos pais. A atracção do emprego e da família, da "sua" família, marido e filhos, não é apenas motivada pela necessidade económica, mas sim pela procura de autonomia, de uma vida própria na teia demasiado densa das famílias ainda próximas da ruralidade. Castelo de Paiva não é propriamente o centro do mundo urbano e Gaia ainda tem muitas aldeias.
O desemprego é devastador para todos, mas é-o mais para estas mulheres jovens e de meia-idade. Não é apenas a sua condição económica, a sua condição de vida que é afectada, é também a sua autonomia como mulheres, a sua capacidade de terem no salário e no emprego uma vida e uma dignidade próprias como mulheres, num mundo em que esta afirmação ainda é crucial. Recebida a notificação do desemprego, passado o período da agitação, as notícias e contranotícias de que pode haver um plano de integração na fábrica ao lado, ou a cinquenta quilómetros dali, que pode haver um supermercado que as aceite prioritariamente, que a câmara vai cuidar delas, que os sindicatos vão obter uma melhor indemnização, etc., etc., chega uma altura em que acabou. Acabou mesmo, está desempregada.
Nesse momento, em que o dinheiro que se levava para casa começa a faltar, a mulher começa a fazer contas e a cortar nas despesas. E não corta no pão, no infantário, na luz, na casa, no telemóvel - há-de vir a cortar - corta nas suas despesas, nas despesas consigo. Vai menos vezes ao cabeleireiro, arranja-se menos, compra menos roupa, tudo coisas que parecem fúteis para quem tem tudo, mas que representam um caminho para uma menor auto-estima, um desleixo que pode vir a crescer com os anos, se passar definitivamente de operária a dona de casa. É um caminho invisível, um passo atrás em que ninguém repara a não ser as próprias.
Elas sabem o que é não ter emprego, ou ter que mudar para outro emprego menos qualificado, mais solitário, mais dependente, socialmente menos reconhecido. Elas sabem que podem fazer menos coisas sozinhas, com o seu dinheiro, sem prestar contas a ninguém. Elas sabem o que significa ficar mais dependente do marido ou dos pais, ter menos esperança para os filhos, desistir de coisas que achava até então possíveis: umas férias baratas no Algarve, um carro melhor, mais visitas às lojas do Arrábida Shopping, não para ver as montras, mas para entrar lá dentro e comprar aquela roupa para o "bebé", ou aquela blusa. E sabem que saem menos e vêem mais televisão.
O desemprego pode suscitar mil e uma discussões teóricas, e ser inevitável como "destruição criadora", como "reconversão" da nossa economia, como efeito de políticas erradas que assentam na ilusão de um "modelo social europeu" insustentável face à natalidade e à globalização, tudo isso. Também eu penso que a deslocalização das fábricas é inevitável e que muito tecido industrial que temos não resiste à realidade da economia actual e que, com a nossa baixa qualificação da mão-de-obra, não temos a plasticidade para encontrar alternativas que tornem "criadora" a "destruição" schumpeteriana. A trabalhadora da Yasaki Saltano que disse que ia aproveitar a "oportunidade" para completar o 12.º ano tem toda a razão e aponta o caminho, mas nem por isso deixa de ter todas as dificuldades e não é certo que possa vir a poder utilizar as suas novas qualificações.
Mas nem por não se ter qualquer solução a curto prazo, a sociedade, nós todos, devemos deixar de olhar para cada um destes desempregos colectivos de mulheres sem a preocupação de vermos e sentirmos a devastação que ele tem por trás, o atraso social que isto significa para Portugal. Estas mulheres não vão educar os seus filhos da mesma maneira, vão reproduzir melhor o Portugal antigo do que preparar o novo. Elas sentem que falharam, tinham algumas ilusões que perderam. Mas nós falhamos mais se não temos a consciência de fazer alguma coisa. Porque se pode, na acção cívica, no voluntariado, no mundo empresarial, na política, fazer muita coisa por estas mulheres. O que é preciso é vê-las e à sua condição e não as cobrir com o manto diáfano da inevitabilidade. A começar pelo Governo, que mais uma vez se vai voltar para o betão e não para as pessoas.
(Versão do Público, de 3 de Maio de 2008.)
Dick Farney - Tereza da Praia (1971)
Gravação antológica, com Dick Farney em duo com o baterista António Pinheiro Filho, um dos expoentes dos clubes de jazz de Copacabana.
Lúcio Alves 1960 "A Vizinha do Lado"
Uma outra canção de Dorival Caymmi, gravada originalmente em 1946, mas agora na voz fantástica de Sílvio Alves, que também fez duo com Dick Farney em «Tereza da Praia» (é, aliás, a melhor das versões). As imagens são de um filme de 1960, Marido de Mulher Boa, com as «curvas da época» de Renata Fronzi. Renata Fronzi (nascida na Argentina) morreu no mês passado, no Rio de Janeiro. A canção é bem baiano-carioca: «A vizinha mexe com o juízo do homem que vai trabalhar...»
O Acordo Ortográfico
UM POEMA INÉDITO DE VASCO GRAÇA MOURA
glosa para josé pacheco pereira
são sentimentos humanos,
eu na alma hei-de pôr luto:
o abrupto hoje faz anos,
não pode ficar "abruto"!
não deve viver-se à míngua,
neste nosso dia-a-dia,
de prezar a ortografia
que bem calha à nossa língua.
se lhe dão facadas, vingo-a,
passo logo a fazer planos,
eriçado por tais danos,
de lavrar o meu protesto,
e se assim me manifesto
são sentimentos humanos.
chamo então especialistas,
eminentes professores,
os colegas escritores
e também vários linguistas,
leio livros e revistas,
questiono, leio, escuto,
e aprendendo assim refuto
coisa que é tão aberrante
que se acaso for àvante
eu na alma hei-de pôr luto.
grafias facultativas
em matérias tão sisudas
como as consoantes mudas
levam ao caos, às derivas,
às asneiras permissivas
e aos babélicos enganos.
porém fiquemos ufanos
pela data que hoje passa.
pois não sabiam? tem graça...
o abrupto hoje faz anos...
se lhe tirassem o p,
vigorosa consoante
do seu título, bastante
mal faziam, já se vê.
e percebe-se porquê
sem se gastar um minuto:
se do p ficar enxuto,
vão-se a força e a coragem
abruptamente da imagem:
não pode ficar "abruto"!
(Vasco Graça Moura)
glosa para josé pacheco pereira
são sentimentos humanos,
eu na alma hei-de pôr luto:
o abrupto hoje faz anos,
não pode ficar "abruto"!
não deve viver-se à míngua,
neste nosso dia-a-dia,
de prezar a ortografia
que bem calha à nossa língua.
se lhe dão facadas, vingo-a,
passo logo a fazer planos,
eriçado por tais danos,
de lavrar o meu protesto,
e se assim me manifesto
são sentimentos humanos.
chamo então especialistas,
eminentes professores,
os colegas escritores
e também vários linguistas,
leio livros e revistas,
questiono, leio, escuto,
e aprendendo assim refuto
coisa que é tão aberrante
que se acaso for àvante
eu na alma hei-de pôr luto.
grafias facultativas
em matérias tão sisudas
como as consoantes mudas
levam ao caos, às derivas,
às asneiras permissivas
e aos babélicos enganos.
porém fiquemos ufanos
pela data que hoje passa.
pois não sabiam? tem graça...
o abrupto hoje faz anos...
se lhe tirassem o p,
vigorosa consoante
do seu título, bastante
mal faziam, já se vê.
e percebe-se porquê
sem se gastar um minuto:
se do p ficar enxuto,
vão-se a força e a coragem
abruptamente da imagem:
não pode ficar "abruto"!
(Vasco Graça Moura)
2008/04/19
The Blooming Tower
NUNCA É TARDE PARA APRENDER: TAKFIR (تكفي)
Lawrence Wright, The Looming Tower : Al Qaeda's Road to 9/11, Penguin Books, 2007
Este excelente livro (de que penso existe uma recente tradução portuguesa que desconheço) é o exemplo, mais um, da qualidade do jornalismo de investigação americano, que está longe de ser apenas jornalismo, mas uma fusão do trabalho na imprensa com instituições, universidades, centros de investigação, de que resultam livros como este. The Looming Tower é uma narrativa factual, daí a parte jornalística no sentido nobre, da criação e desenvolvimento da Al Qaeda, uma biografia de Bin Laden e dos outros membros proeminentes da organização, e um retrato do contexto cultural, político e religioso que criou e alimenta o terrorismo fundamentalista islâmico.
Para quem está habituado a ler escritos preguiçosos sobre o fundamentalismo islâmico, é um prazer ir com este livro mais longe. A preguiça intelectual irmana hoje os que condenam todo o Islão, todo o mundo muçulmano por ideias e práticas de uma "vanguarda", no perfeito sentido leninista, fundamentalista e radical; como aqueles que usam a Al Qaeda para demonizar a política americana, que seria, em última instância, a responsável, quando não a "criadora" de Bin Laden e da organização terrorista. A repetição ad nauseam destas asneiras pode ser politicamente instrumental, mas nem por isso deixam de ser asneiras.
O livro de Wright mostra como as ideias da Al Qaeda se formaram na conjugação de uma série de "fundamentalismos", em particular a obra e a acção de Sayyd Qutb, transportada para o meio saudita pelo grupo egípcio de Zawahiri, na experiência afegã de luta contra os soviéticos e depois no contexto da disseminação de várias concepções, entre o político e o teológico, pelas redes de mesquitas e madrassas de Londres a Kuala Lumpur, como o "takfirismo", a generalização da prática de proclamar alguém "cafre" (kafir, افر ), ou seja, fora do Islão, apóstata, infiel, logo passível de ser morto. O "takfirismo", importado do Egipto e da Argélia, deu às discussões da Al Qaeda o argumento teológico que lhe permitia matar indiscriminadamente homens, mulheres e crianças, inclusive muçulmanos.
A personagem principal deste livro, menos aliás do que se poderia supor, é Bin Laden. O milionário saudita que, à data em que se iniciam as actividades terroristas da Al Qaeda, já não o é, aparece como uma personagem cinzenta, uma daquelas personagens na história que é decisiva em muitos momentos, mas que parece a maioria das vezes ser um pano de fundo para uma sucessão de eventos de que é mais testemunha do que autor. Em bom rigor, o livro de Wright atribui-lhe dois papéis chave, em momentos e circunstâncias diferentes, no "caminho" para o 11 de Setembro: um, o seu papel como financiador por conta própria ou alheia (dos americanos e dos sauditas) da guerrilha afegã contra a invasão soviética, e na viragem da Al Qaeda para os alvos americanos, num processo de globalização do terrorismo, das Filipinas a Nova Iorque, sem precedente. Quando assume o segundo papel, já está longe do primeiro, porque Bin Laden fica numa situação de quase penúria quando tem de sair do Sudão para o Afeganistão e a família real saudita lhe tira a mesada da firma familiar e a nacionalidade saudita. Nesse momento, a Al Qaeda, que é ainda uma organização de acolhimento e suporte para os fundamentalistas combatentes de todo o lado do mundo, e que funcionava mais como organização "social" do que como organização terrorista, evolui para o que é hoje.
Contrariamente ao que se repete por todo o lado, o papel dos americanos em "fazer" Bin Laden é muito pequeno. A maioria dos guerrilheiros que combateram no Afeganistão pouco tinham a ver com Bin Laden e os seus "árabes afegãos", cuja capacidade militar desprezavam, e que eram muito mais activos em discussões religiosas em Peshawar no Paquistão, do que a lutar na frente de batalha. E o perfil de Bin Laden é um puro produto do Islão saudita, preso numa religiosidade medieval, e ao mesmo tempo capaz de uma total modernidade na utilização das novas tecnologias. Lawrence da Arábia conheceu gente desta, gente do deserto, religiosa, contemplativa, "poética" num certo sentido, hábil na falcoaria, ladrões de estrada, cruéis chefes de tribos, corajosos, e fáceis de introduzir aos explosivos, detonadores, sabotagem e afins.
Bin Laden é daquelas personagens com intensa fé religiosa que "melhora" na adversidade mais extrema. Rigoroso, cumpridor sem falha do estrito programa de vida que se impôs, vivendo uma vida ascética, a que apenas a paixão árabe pelos cavalos dá alguma cor, juntou à sua volta gente muito diferente mas que controla mais pelo exemplo do que pelo poder. E este é o perfil típico de um homem muito, muito perigoso.
Wright abre o livro com Sayyd Qutb nos Estados Unidos, entre Nova Iorque, Washington e uma pequena cidade do Colorado, no final dos anos quarenta. Um intelectual egípcio, já com mais de quarenta anos, tímido e solitário, desenvolve uma relação de repulsa pelo mundo americano quase visceral. Nos textos sobre a sua experiência nos EUA há todo o caldo de cultura de uma recusa moral do mundo americano, uma análise devastadora de terra sem fé (Wright nota como essa percepção é a oposta à que os europeus tem dos EUA, terra do Bible Belt, onde as notas de dólar tem inscrito In God We Trust), presa a valores materiais, corrupta, injusta, fascinado pelo dinheiro, pelo sucesso e pelo pecado. Este retrato de Qutb da América é muito próximo da demonologia comunista anti-americana, mas também de muitos intelectuais europeus, como Aldous Huxley, por exemplo, que achava que os americanos queriam construir uma sociedade conformista e normalizada, onde Our Lord seria substituído por Our Ford. Qutb acrescenta a esta reacção uma profunda misoginia, uma mistura de ódio e de pavor face às mulheres, que aparecem sempre como sedutoras e fonte do pecado, numa atitude não muito distinta da descrição das mulheres como "vasos de corrupção" em certos autores cristãos.
Para manter íntegro o seu mundo, Qutb lê exaustivamente o Corão lançando as bases de uma obra que nos anos cinquenta em diante vai inspirar gerações de jovens muçulmanos e que vai ser levada para dentro da Al Qaeda pelo grupo egípcio de Zawahiri, talvez mais importante do que o próprio Bin Laden na definição de um quadro político-religioso na organização. Na sua obra mais conhecida Marcos na Estrada (Ma'alim fi al-Tariq, معالم في الطريق) e nos seus comentários ao Corão, Na Sombra do Corão (Fi Zilal al-Qur'an في ظِلالِ القرآن), Qutb lançou as bases do fundamentalismo islâmico, em particular a ideia da necessidade do retorno a uma "comunidade muçulmana que de há muito desapareceu":
"um grupo de pessoas cujos costumes, ideias e conceitos, regras e leis, valores e critérios, derivam todos de uma fonte islâmica. Uma comunidade com estas características desapareceu no momento em que as leis de Deus foram suspensas na terra."
A restauração desta "comunidade" tornou-se o programa dos militantes muçulmanos radicais que, no Egipto, na Arábia Saudita, no Yemen, no Sudão, na Argélia, no Paquistão e no Afeganistão se foram agregando à volta de um saudita milionário Bin Laden, que tivera um papel fundamental na canalização dos fundos sauditas e americanos para apoiar a guerra contra os invasores soviéticos no Afeganistão. Tudo isto aconteceu depois de Qutb ter sido um "mártir" ele próprio, procurando o martírio na recusa absoluta de qualquer gesto que o poupasse a ser condenado à morte e enforcado no Egipto em 1966.
A personagem principal deste livro, menos aliás do que se poderia supor, é Bin Laden. O milionário saudita que, à data em que se iniciam as actividades terroristas da Al Qaeda, já não o é, aparece como uma personagem cinzenta, uma daquelas personagens na história que é decisiva em muitos momentos, mas que parece a maioria das vezes ser um pano de fundo para uma sucessão de eventos de que é mais testemunha do que autor. Em bom rigor, o livro de Wright atribui-lhe dois papéis chave, em momentos e circunstâncias diferentes, no "caminho" para o 11 de Setembro: um, o seu papel como financiador por conta própria ou alheia (dos americanos e dos sauditas) da guerrilha afegã contra a invasão soviética, e na viragem da Al Qaeda para os alvos americanos, num processo de globalização do terrorismo, das Filipinas a Nova Iorque, sem precedente. Quando assume o segundo papel, já está longe do primeiro, porque Bin Laden fica numa situação de quase penúria quando tem de sair do Sudão para o Afeganistão e a família real saudita lhe tira a mesada da firma familiar e a nacionalidade saudita. Nesse momento, a Al Qaeda, que é ainda uma organização de acolhimento e suporte para os fundamentalistas combatentes de todo o lado do mundo, e que funcionava mais como organização "social" do que como organização terrorista, evolui para o que é hoje.
Contrariamente ao que se repete por todo o lado, o papel dos americanos em "fazer" Bin Laden é muito pequeno. A maioria dos guerrilheiros que combateram no Afeganistão pouco tinham a ver com Bin Laden e os seus "árabes afegãos", cuja capacidade militar desprezavam, e que eram muito mais activos em discussões religiosas em Peshawar no Paquistão, do que a lutar na frente de batalha. E o perfil de Bin Laden é um puro produto do Islão saudita, preso numa religiosidade medieval, e ao mesmo tempo capaz de uma total modernidade na utilização das novas tecnologias. Lawrence da Arábia conheceu gente desta, gente do deserto, religiosa, contemplativa, "poética" num certo sentido, hábil na falcoaria, ladrões de estrada, cruéis chefes de tribos, corajosos, e fáceis de introduzir aos explosivos, detonadores, sabotagem e afins.
Bin Laden é daquelas personagens com intensa fé religiosa que "melhora" na adversidade mais extrema. Rigoroso, cumpridor sem falha do estrito programa de vida que se impôs, vivendo uma vida ascética, a que apenas a paixão árabe pelos cavalos dá alguma cor, juntou à sua volta gente muito diferente mas que controla mais pelo exemplo do que pelo poder. E este é o perfil típico de um homem muito, muito perigoso.
Um dos temas deste livro é a análise dos erros da intelligence americana em aperceber-se do risco de um atentado em território americano, principalmente pela compartimentação da informação entre a CIA e o FBI. Com base nos dados que Wright utiliza é mais a CIA que aparece como responsável da sonegação de informação vital, que o FBI. Este poderia ligar os dados que a CIA tinha da presença de um grupo da Al Qaeda em território americano com outras investigações em curso, e, eventualmente, desmantelar a conspiração do 11 de Setembro, se eles lhes fossem fornecidos. Embora nunca se saiba até que ponto as coisas aconteceriam de diferente se, os inquéritos realizados levaram a uma maior coordenação de todas as agências de informação em matérias do terrorismo. O livro de Wright dispersa-se um pouco nesta parte ao cair na tentação de personalizar a história no agente do FBI John O'Neill, que morreu no atentado, numa tradição jornalística de "contar as histórias" com base em protagonistas, que aqui não resulta. Mas, com esta excepção, trata-se da melhor introdução jornalística ao fundamentalismo muçulmano da Al Qaeda.
Veja-se a crítica de Eduardo Pitta ao livro.
E a confirmação por vários leitores da edição portuguesa cuja capa coloco aqui.
Lawrence Wright, The Looming Tower : Al Qaeda's Road to 9/11, Penguin Books, 2007
Este excelente livro (de que penso existe uma recente tradução portuguesa que desconheço) é o exemplo, mais um, da qualidade do jornalismo de investigação americano, que está longe de ser apenas jornalismo, mas uma fusão do trabalho na imprensa com instituições, universidades, centros de investigação, de que resultam livros como este. The Looming Tower é uma narrativa factual, daí a parte jornalística no sentido nobre, da criação e desenvolvimento da Al Qaeda, uma biografia de Bin Laden e dos outros membros proeminentes da organização, e um retrato do contexto cultural, político e religioso que criou e alimenta o terrorismo fundamentalista islâmico.
Para quem está habituado a ler escritos preguiçosos sobre o fundamentalismo islâmico, é um prazer ir com este livro mais longe. A preguiça intelectual irmana hoje os que condenam todo o Islão, todo o mundo muçulmano por ideias e práticas de uma "vanguarda", no perfeito sentido leninista, fundamentalista e radical; como aqueles que usam a Al Qaeda para demonizar a política americana, que seria, em última instância, a responsável, quando não a "criadora" de Bin Laden e da organização terrorista. A repetição ad nauseam destas asneiras pode ser politicamente instrumental, mas nem por isso deixam de ser asneiras.
O livro de Wright mostra como as ideias da Al Qaeda se formaram na conjugação de uma série de "fundamentalismos", em particular a obra e a acção de Sayyd Qutb, transportada para o meio saudita pelo grupo egípcio de Zawahiri, na experiência afegã de luta contra os soviéticos e depois no contexto da disseminação de várias concepções, entre o político e o teológico, pelas redes de mesquitas e madrassas de Londres a Kuala Lumpur, como o "takfirismo", a generalização da prática de proclamar alguém "cafre" (kafir, افر ), ou seja, fora do Islão, apóstata, infiel, logo passível de ser morto. O "takfirismo", importado do Egipto e da Argélia, deu às discussões da Al Qaeda o argumento teológico que lhe permitia matar indiscriminadamente homens, mulheres e crianças, inclusive muçulmanos.
A personagem principal deste livro, menos aliás do que se poderia supor, é Bin Laden. O milionário saudita que, à data em que se iniciam as actividades terroristas da Al Qaeda, já não o é, aparece como uma personagem cinzenta, uma daquelas personagens na história que é decisiva em muitos momentos, mas que parece a maioria das vezes ser um pano de fundo para uma sucessão de eventos de que é mais testemunha do que autor. Em bom rigor, o livro de Wright atribui-lhe dois papéis chave, em momentos e circunstâncias diferentes, no "caminho" para o 11 de Setembro: um, o seu papel como financiador por conta própria ou alheia (dos americanos e dos sauditas) da guerrilha afegã contra a invasão soviética, e na viragem da Al Qaeda para os alvos americanos, num processo de globalização do terrorismo, das Filipinas a Nova Iorque, sem precedente. Quando assume o segundo papel, já está longe do primeiro, porque Bin Laden fica numa situação de quase penúria quando tem de sair do Sudão para o Afeganistão e a família real saudita lhe tira a mesada da firma familiar e a nacionalidade saudita. Nesse momento, a Al Qaeda, que é ainda uma organização de acolhimento e suporte para os fundamentalistas combatentes de todo o lado do mundo, e que funcionava mais como organização "social" do que como organização terrorista, evolui para o que é hoje.
Contrariamente ao que se repete por todo o lado, o papel dos americanos em "fazer" Bin Laden é muito pequeno. A maioria dos guerrilheiros que combateram no Afeganistão pouco tinham a ver com Bin Laden e os seus "árabes afegãos", cuja capacidade militar desprezavam, e que eram muito mais activos em discussões religiosas em Peshawar no Paquistão, do que a lutar na frente de batalha. E o perfil de Bin Laden é um puro produto do Islão saudita, preso numa religiosidade medieval, e ao mesmo tempo capaz de uma total modernidade na utilização das novas tecnologias. Lawrence da Arábia conheceu gente desta, gente do deserto, religiosa, contemplativa, "poética" num certo sentido, hábil na falcoaria, ladrões de estrada, cruéis chefes de tribos, corajosos, e fáceis de introduzir aos explosivos, detonadores, sabotagem e afins.
Bin Laden é daquelas personagens com intensa fé religiosa que "melhora" na adversidade mais extrema. Rigoroso, cumpridor sem falha do estrito programa de vida que se impôs, vivendo uma vida ascética, a que apenas a paixão árabe pelos cavalos dá alguma cor, juntou à sua volta gente muito diferente mas que controla mais pelo exemplo do que pelo poder. E este é o perfil típico de um homem muito, muito perigoso.
Wright abre o livro com Sayyd Qutb nos Estados Unidos, entre Nova Iorque, Washington e uma pequena cidade do Colorado, no final dos anos quarenta. Um intelectual egípcio, já com mais de quarenta anos, tímido e solitário, desenvolve uma relação de repulsa pelo mundo americano quase visceral. Nos textos sobre a sua experiência nos EUA há todo o caldo de cultura de uma recusa moral do mundo americano, uma análise devastadora de terra sem fé (Wright nota como essa percepção é a oposta à que os europeus tem dos EUA, terra do Bible Belt, onde as notas de dólar tem inscrito In God We Trust), presa a valores materiais, corrupta, injusta, fascinado pelo dinheiro, pelo sucesso e pelo pecado. Este retrato de Qutb da América é muito próximo da demonologia comunista anti-americana, mas também de muitos intelectuais europeus, como Aldous Huxley, por exemplo, que achava que os americanos queriam construir uma sociedade conformista e normalizada, onde Our Lord seria substituído por Our Ford. Qutb acrescenta a esta reacção uma profunda misoginia, uma mistura de ódio e de pavor face às mulheres, que aparecem sempre como sedutoras e fonte do pecado, numa atitude não muito distinta da descrição das mulheres como "vasos de corrupção" em certos autores cristãos.
Para manter íntegro o seu mundo, Qutb lê exaustivamente o Corão lançando as bases de uma obra que nos anos cinquenta em diante vai inspirar gerações de jovens muçulmanos e que vai ser levada para dentro da Al Qaeda pelo grupo egípcio de Zawahiri, talvez mais importante do que o próprio Bin Laden na definição de um quadro político-religioso na organização. Na sua obra mais conhecida Marcos na Estrada (Ma'alim fi al-Tariq, معالم في الطريق) e nos seus comentários ao Corão, Na Sombra do Corão (Fi Zilal al-Qur'an في ظِلالِ القرآن), Qutb lançou as bases do fundamentalismo islâmico, em particular a ideia da necessidade do retorno a uma "comunidade muçulmana que de há muito desapareceu":
"um grupo de pessoas cujos costumes, ideias e conceitos, regras e leis, valores e critérios, derivam todos de uma fonte islâmica. Uma comunidade com estas características desapareceu no momento em que as leis de Deus foram suspensas na terra."
A restauração desta "comunidade" tornou-se o programa dos militantes muçulmanos radicais que, no Egipto, na Arábia Saudita, no Yemen, no Sudão, na Argélia, no Paquistão e no Afeganistão se foram agregando à volta de um saudita milionário Bin Laden, que tivera um papel fundamental na canalização dos fundos sauditas e americanos para apoiar a guerra contra os invasores soviéticos no Afeganistão. Tudo isto aconteceu depois de Qutb ter sido um "mártir" ele próprio, procurando o martírio na recusa absoluta de qualquer gesto que o poupasse a ser condenado à morte e enforcado no Egipto em 1966.
A personagem principal deste livro, menos aliás do que se poderia supor, é Bin Laden. O milionário saudita que, à data em que se iniciam as actividades terroristas da Al Qaeda, já não o é, aparece como uma personagem cinzenta, uma daquelas personagens na história que é decisiva em muitos momentos, mas que parece a maioria das vezes ser um pano de fundo para uma sucessão de eventos de que é mais testemunha do que autor. Em bom rigor, o livro de Wright atribui-lhe dois papéis chave, em momentos e circunstâncias diferentes, no "caminho" para o 11 de Setembro: um, o seu papel como financiador por conta própria ou alheia (dos americanos e dos sauditas) da guerrilha afegã contra a invasão soviética, e na viragem da Al Qaeda para os alvos americanos, num processo de globalização do terrorismo, das Filipinas a Nova Iorque, sem precedente. Quando assume o segundo papel, já está longe do primeiro, porque Bin Laden fica numa situação de quase penúria quando tem de sair do Sudão para o Afeganistão e a família real saudita lhe tira a mesada da firma familiar e a nacionalidade saudita. Nesse momento, a Al Qaeda, que é ainda uma organização de acolhimento e suporte para os fundamentalistas combatentes de todo o lado do mundo, e que funcionava mais como organização "social" do que como organização terrorista, evolui para o que é hoje.
Contrariamente ao que se repete por todo o lado, o papel dos americanos em "fazer" Bin Laden é muito pequeno. A maioria dos guerrilheiros que combateram no Afeganistão pouco tinham a ver com Bin Laden e os seus "árabes afegãos", cuja capacidade militar desprezavam, e que eram muito mais activos em discussões religiosas em Peshawar no Paquistão, do que a lutar na frente de batalha. E o perfil de Bin Laden é um puro produto do Islão saudita, preso numa religiosidade medieval, e ao mesmo tempo capaz de uma total modernidade na utilização das novas tecnologias. Lawrence da Arábia conheceu gente desta, gente do deserto, religiosa, contemplativa, "poética" num certo sentido, hábil na falcoaria, ladrões de estrada, cruéis chefes de tribos, corajosos, e fáceis de introduzir aos explosivos, detonadores, sabotagem e afins.
Bin Laden é daquelas personagens com intensa fé religiosa que "melhora" na adversidade mais extrema. Rigoroso, cumpridor sem falha do estrito programa de vida que se impôs, vivendo uma vida ascética, a que apenas a paixão árabe pelos cavalos dá alguma cor, juntou à sua volta gente muito diferente mas que controla mais pelo exemplo do que pelo poder. E este é o perfil típico de um homem muito, muito perigoso.
Um dos temas deste livro é a análise dos erros da intelligence americana em aperceber-se do risco de um atentado em território americano, principalmente pela compartimentação da informação entre a CIA e o FBI. Com base nos dados que Wright utiliza é mais a CIA que aparece como responsável da sonegação de informação vital, que o FBI. Este poderia ligar os dados que a CIA tinha da presença de um grupo da Al Qaeda em território americano com outras investigações em curso, e, eventualmente, desmantelar a conspiração do 11 de Setembro, se eles lhes fossem fornecidos. Embora nunca se saiba até que ponto as coisas aconteceriam de diferente se, os inquéritos realizados levaram a uma maior coordenação de todas as agências de informação em matérias do terrorismo. O livro de Wright dispersa-se um pouco nesta parte ao cair na tentação de personalizar a história no agente do FBI John O'Neill, que morreu no atentado, numa tradição jornalística de "contar as histórias" com base em protagonistas, que aqui não resulta. Mas, com esta excepção, trata-se da melhor introdução jornalística ao fundamentalismo muçulmano da Al Qaeda.
Veja-se a crítica de Eduardo Pitta ao livro.
E a confirmação por vários leitores da edição portuguesa cuja capa coloco aqui.
O Telemovel
Um telemóvel esteve no centro do momento público mais dramático da educação portuguesa nos últimos tempos. Uma semana antes do telemóvel, foi uma manifestação de professores. Uma semana depois da manifestação, uma senhora magra e baixa de gabardina branca, pequena e frágil, a lutar contra uma adolescente gigante, feita de cereais matinais e vestida de escuro. Na mão das duas, agarrado pelas duas, está um objecto que não existia há dez anos, um telemóvel pequeno que cabe num bolso dumas calças de ganga. No episódio a que me refiro, e que passou na televisão centenas e centenas de vezes, não há um, mas dois telemóveis, um que está no centro da luta, outro que filma. À volta do telemóvel que filma está uma turma do ensino secundário, está uma escola da cidade do Porto, está Portugal, está a Europa, está o mundo inteiro. Está o YouTube.
O pequeno objecto é o mais ubíquo de todos os objectos que existem hoje em Portugal, mais visível do que outro objecto tão omnipresente como o telemóvel e tão subversivo socialmente como o telemóvel: o relógio de pulso. Telemóvel e relógio são instrumentos de poderosas transformações sociais que eles revelam tanto como potenciam. Não são eles por si só que produzem essas transformações, porque nenhuma tecnologia por muito nova e revolucionária exerce efeitos sociais sem a "sociedade" estar preparada para a usar, sem que corresponda ao tempo e ao modo, à forma, às correntes de mudança da sociedade que já estão em curso e "descobrem" o objecto acelerando o seu curso com ele.
É o caso do relógio que saiu do laboratório das excentricidades, um pouco como precursor de um Meccano ou um Lego moderno, ou de um jogo de habilidade mecânica, ou de um objecto de luxo tão curioso como inútil, para se transformar numa necessidade tão vital que biliões de homens o trazem no pulso. Se exceptuarmos o uso dos relógios nos navios para calcular a longitude, os relógios não serviam para nada quando a esmagadora maioria das pessoas trabalhava de sol a sol, ou ao ciclo das estações, e estas dependiam de um calendário que estava escrito nos astros. Calendários eram precisos, relógios não eram precisos, até ao momento em que a Revolução Industrial apareceu e mudou quase tudo por onde passou. Milhões de pessoas vieram dos campos para as cidades, para as fábricas e para as minas, e precisavam de horas. O relógio subiu primeiro para as torres ou para o centro da fachada neoclássica das fábricas e lá continuou, passando depois para dentro, e depois para o bolso dos ricos e por fim para o pulso de todos. Hoje o relógio ordena o nosso tempo com um rigor muito para além do biológico e manda no nosso corpo, como nenhum objecto do passado. É tão presente que parece invisível, nem damos por ela que está lá, é parte do nosso corpo, mais do que objecto estranho. Um figurante do Ben Hur esqueceu-se dele, e nos filmes há quem vá para a cama sem ser para dormir, só vestido no pulso.
O telemóvel é o objecto que mais mudou os nossos hábitos sociais desde que existe. Não é o computador, nem a Internet, nem o cabo, é o telemóvel. E continua a mudar sem darmos muito por isso, porque a mudança se faz de forma desigual, quer no que muda, quer em quem muda. Dito de outra maneira, muda certas coisas nos jovens e muda outras nos adultos e os seus efeitos estão longe de ter terminado ou sequer de se saber até que ponto de transformação vão. Uma coisa é certa, o telemóvel, ou seja um instrumento de contacto instantâneo e portátil entre mim e todos e todos e mim, que usa predominantemente a voz e, daqui a poucos anos, usará a voz e a imagem, emigrará para ainda mais perto de mim, para a minha roupa, para os meus ouvidos, como já emigrou para as paredes do meu carro. O que ele transporta não é uma ficção, não é um avatar ou um nick mais ou menos anónimo, não é a minha prefiguração virtual como no Second Life ou nas caixas de comentários ou nos blogues anónimos, é a minha voz, a minha imagem, ou seja, eu. Não seria tão poderoso se fosse um instrumento do meu teatro virtual. Bem pelo contrário, é uma encarnação da minha persona, é o meu lugar na sociabilidade dos outros.
Por isso, luta-se por um telemóvel, porque num telemóvel de um adolescente está muito do seu mundo: telefones dos amigos, telefone dos namorados, passwords, fotografias, mensagens, vídeos, o equivalente a um diário pessoal, em muitos casos mais íntimo que um diário à antiga, com a sua chavinha de brincar que dava a ilusão de que ninguém o lia. À medida que se caminha pela idade acima o conteúdo do telemóvel muda, mas continua pessoal e intransmissível, com os SMS comprometedores que arruínam muitos casamentos, até se tornar quase um telefone de emergência que os filhos dão aos pais com os números deles já gravados e os das emergências: "é só carregar aqui e eu atendo, se houver qualquer problema, assim não se sente sozinho." Sente.
Mas as mudanças não se ficam por aqui. Já escrevi sobre algumas, como a presentificação obrigatória, a obrigação socialmente exigida de se estar sempre presente, porque o corpo e o telemóvel vão juntos. Deixou de se poder estar longe de um telefone, já para não dizer que se deixou de poder não ter telemóvel. A recusa de dar um número de telemóvel é tida como uma má educação ou uma insensata e insociável vontade de não estar disponível. Com o telemóvel está-se sempre disponível, ficam sempre os recados, queira-se ou não recebê-los, e o novo código do telemóvel exige que haja sempre resposta. Por que razão tenho eu que receber recados que não solicitei, e dar respostas que posso não ter tempo ou disponibilidade ou vontade para dar? Não posso, porque a máquina não aceita um não por resposta, ela vive do tráfego, e deseja mais tráfego. Por isso oferece-me voice-mail, e-mail no telemóvel, mensagens, sem eu o pedir.
Nos mais jovens o telemóvel é apenas mais um instrumento para a completa insensibilidade à perda de privacidade e intimidade. Crescendo num mundo que não preza e não educa para esses valores, um mundo que incentiva a exposição pública, o telemóvel fornece um meio de registo, incorporando a máquina fotográfica e o vídeo, no qual qualquer fronteira entre o que é público e privado se esbate. Qualquer um é um paparazzi de si próprio e dos outros e o rapaz que filmou o vídeo em glória do 9.º C da escola Carolina Michaëlis estava a pensar nessa dimensão lúdica e social do YouTube onde a vã glória de maltratar uma professora ou de uma fight na turma iriam dar fama na rede de chats e no Hi5 onde milhares de raparigas, adolescentes ou já nem tanto, se mostram em poses provocadoras, já para não falar no resto. Não sei se quando crescerem se vão arrepender, mas então já será tarde, porque uma vez na rede sempre na rede.
Por último há o controlo, o magnífico instrumento de controlo que é o telemóvel, pessoa a pessoa, numa rede que prende os indivíduos numa impossível fuga àquilo que é o objecto sempre presente, sempre ligado (os telemóveis desligados são de desconfiar), no qual a primeira pergunta é sempre "onde tu estás?", uma pergunta sem sentido no telefone fixo, esse anacronismo. Adolescentes jovens ou tardios, casais, maridos, mulheres, amantes, namorados, patrões e empregados, jogam todos os dias esse jogo do controlo muito mais importante do que a necessidade de falar ao telemóvel. Na verdade a esmagadora maioria das chamadas de telemóvel não tem qualquer objecto ou necessidade de ser feita, ninguém as faria num mundo de telefones fixos, que não seja pelo controlo, pela presentificação do indivíduo no seu jogo de inseguranças, solidões, afectos, e medos, através da caixa electrónica que se segura numa mão.
Não é a necessidade que justifica a presença quase universal dos telemóveis desde as crianças de seis anos até aos velhos, os milhões de chamadas a qualquer hora do dia, em qualquer sítio, da missa à sala de aulas, do carro à cama, é o complexo jogo de interacções sociais que ele permite, sem as quais já não sabemos viver. Viver num mundo muito diferente e cada vez mais diferente.
JPP (No Público, 12 de Abril de 2008)
O pequeno objecto é o mais ubíquo de todos os objectos que existem hoje em Portugal, mais visível do que outro objecto tão omnipresente como o telemóvel e tão subversivo socialmente como o telemóvel: o relógio de pulso. Telemóvel e relógio são instrumentos de poderosas transformações sociais que eles revelam tanto como potenciam. Não são eles por si só que produzem essas transformações, porque nenhuma tecnologia por muito nova e revolucionária exerce efeitos sociais sem a "sociedade" estar preparada para a usar, sem que corresponda ao tempo e ao modo, à forma, às correntes de mudança da sociedade que já estão em curso e "descobrem" o objecto acelerando o seu curso com ele.
É o caso do relógio que saiu do laboratório das excentricidades, um pouco como precursor de um Meccano ou um Lego moderno, ou de um jogo de habilidade mecânica, ou de um objecto de luxo tão curioso como inútil, para se transformar numa necessidade tão vital que biliões de homens o trazem no pulso. Se exceptuarmos o uso dos relógios nos navios para calcular a longitude, os relógios não serviam para nada quando a esmagadora maioria das pessoas trabalhava de sol a sol, ou ao ciclo das estações, e estas dependiam de um calendário que estava escrito nos astros. Calendários eram precisos, relógios não eram precisos, até ao momento em que a Revolução Industrial apareceu e mudou quase tudo por onde passou. Milhões de pessoas vieram dos campos para as cidades, para as fábricas e para as minas, e precisavam de horas. O relógio subiu primeiro para as torres ou para o centro da fachada neoclássica das fábricas e lá continuou, passando depois para dentro, e depois para o bolso dos ricos e por fim para o pulso de todos. Hoje o relógio ordena o nosso tempo com um rigor muito para além do biológico e manda no nosso corpo, como nenhum objecto do passado. É tão presente que parece invisível, nem damos por ela que está lá, é parte do nosso corpo, mais do que objecto estranho. Um figurante do Ben Hur esqueceu-se dele, e nos filmes há quem vá para a cama sem ser para dormir, só vestido no pulso.
O telemóvel é o objecto que mais mudou os nossos hábitos sociais desde que existe. Não é o computador, nem a Internet, nem o cabo, é o telemóvel. E continua a mudar sem darmos muito por isso, porque a mudança se faz de forma desigual, quer no que muda, quer em quem muda. Dito de outra maneira, muda certas coisas nos jovens e muda outras nos adultos e os seus efeitos estão longe de ter terminado ou sequer de se saber até que ponto de transformação vão. Uma coisa é certa, o telemóvel, ou seja um instrumento de contacto instantâneo e portátil entre mim e todos e todos e mim, que usa predominantemente a voz e, daqui a poucos anos, usará a voz e a imagem, emigrará para ainda mais perto de mim, para a minha roupa, para os meus ouvidos, como já emigrou para as paredes do meu carro. O que ele transporta não é uma ficção, não é um avatar ou um nick mais ou menos anónimo, não é a minha prefiguração virtual como no Second Life ou nas caixas de comentários ou nos blogues anónimos, é a minha voz, a minha imagem, ou seja, eu. Não seria tão poderoso se fosse um instrumento do meu teatro virtual. Bem pelo contrário, é uma encarnação da minha persona, é o meu lugar na sociabilidade dos outros.
Por isso, luta-se por um telemóvel, porque num telemóvel de um adolescente está muito do seu mundo: telefones dos amigos, telefone dos namorados, passwords, fotografias, mensagens, vídeos, o equivalente a um diário pessoal, em muitos casos mais íntimo que um diário à antiga, com a sua chavinha de brincar que dava a ilusão de que ninguém o lia. À medida que se caminha pela idade acima o conteúdo do telemóvel muda, mas continua pessoal e intransmissível, com os SMS comprometedores que arruínam muitos casamentos, até se tornar quase um telefone de emergência que os filhos dão aos pais com os números deles já gravados e os das emergências: "é só carregar aqui e eu atendo, se houver qualquer problema, assim não se sente sozinho." Sente.
Mas as mudanças não se ficam por aqui. Já escrevi sobre algumas, como a presentificação obrigatória, a obrigação socialmente exigida de se estar sempre presente, porque o corpo e o telemóvel vão juntos. Deixou de se poder estar longe de um telefone, já para não dizer que se deixou de poder não ter telemóvel. A recusa de dar um número de telemóvel é tida como uma má educação ou uma insensata e insociável vontade de não estar disponível. Com o telemóvel está-se sempre disponível, ficam sempre os recados, queira-se ou não recebê-los, e o novo código do telemóvel exige que haja sempre resposta. Por que razão tenho eu que receber recados que não solicitei, e dar respostas que posso não ter tempo ou disponibilidade ou vontade para dar? Não posso, porque a máquina não aceita um não por resposta, ela vive do tráfego, e deseja mais tráfego. Por isso oferece-me voice-mail, e-mail no telemóvel, mensagens, sem eu o pedir.
Nos mais jovens o telemóvel é apenas mais um instrumento para a completa insensibilidade à perda de privacidade e intimidade. Crescendo num mundo que não preza e não educa para esses valores, um mundo que incentiva a exposição pública, o telemóvel fornece um meio de registo, incorporando a máquina fotográfica e o vídeo, no qual qualquer fronteira entre o que é público e privado se esbate. Qualquer um é um paparazzi de si próprio e dos outros e o rapaz que filmou o vídeo em glória do 9.º C da escola Carolina Michaëlis estava a pensar nessa dimensão lúdica e social do YouTube onde a vã glória de maltratar uma professora ou de uma fight na turma iriam dar fama na rede de chats e no Hi5 onde milhares de raparigas, adolescentes ou já nem tanto, se mostram em poses provocadoras, já para não falar no resto. Não sei se quando crescerem se vão arrepender, mas então já será tarde, porque uma vez na rede sempre na rede.
Por último há o controlo, o magnífico instrumento de controlo que é o telemóvel, pessoa a pessoa, numa rede que prende os indivíduos numa impossível fuga àquilo que é o objecto sempre presente, sempre ligado (os telemóveis desligados são de desconfiar), no qual a primeira pergunta é sempre "onde tu estás?", uma pergunta sem sentido no telefone fixo, esse anacronismo. Adolescentes jovens ou tardios, casais, maridos, mulheres, amantes, namorados, patrões e empregados, jogam todos os dias esse jogo do controlo muito mais importante do que a necessidade de falar ao telemóvel. Na verdade a esmagadora maioria das chamadas de telemóvel não tem qualquer objecto ou necessidade de ser feita, ninguém as faria num mundo de telefones fixos, que não seja pelo controlo, pela presentificação do indivíduo no seu jogo de inseguranças, solidões, afectos, e medos, através da caixa electrónica que se segura numa mão.
Não é a necessidade que justifica a presença quase universal dos telemóveis desde as crianças de seis anos até aos velhos, os milhões de chamadas a qualquer hora do dia, em qualquer sítio, da missa à sala de aulas, do carro à cama, é o complexo jogo de interacções sociais que ele permite, sem as quais já não sabemos viver. Viver num mundo muito diferente e cada vez mais diferente.
JPP (No Público, 12 de Abril de 2008)
2008/03/29
Enfermeiras de clínica espanhola perdem prémio de produtividade se não usarem mini-saia
Menos 30 euros no ordenado
26.03.2008 - 15h24 Romana Borja-Santos
Não usar uma mini-saia no trabalho pode significar menos dinheiro no fim do mês. Esta é pelo menos a ideia da clínica espanhola San Rafael, em Cádis, que retirou a dez recepcionistas e enfermeiras o seu prémio de produtividade, por não usarem a saia curta que faz parte do uniforme obrigatório, escreve o diário espanhol “El País” na sua edição online.
As mulheres recusaram o traje estipulado, que além de deixar as pernas descobertas obriga ao uso de um avental justo e pouco prático. Assim, no fim do mês receberam menos 30 euros, o preço por andarem com os tradicionais fatos de saúde.
As funcionárias sentem que a decisão, mais do que injusta do ponto de vista económico, vai contra a lei da igualdade. “Sentimo-nos objectos decorativos. Quando estamos a trabalhar não temos liberdade de movimentos e não nos podemos baixar para atender doentes que estão acamados. Temos que expor o nosso corpo para fazermos o nosso trabalho”, explicou Adela Sastre, presidente do comité da empresa.
O gerente da clínica, que pertence ao grupo Pascual, desafiou os trabalhares a levarem o caso aos tribunais. José Manuel Pascual diz que a medida é justa e apenas surge na sequência do incumprimento da normativa de vestuário. O código aplica-se a outros centros de saúde do grupo onde, contudo, ainda não houve queixas.
A Delegação Provincial de Saúde da Junta de Andaluzia em Cádis informou que já enviou um requerimento à empresa sobre este assunto. A mesma fonte garantiu que a Junta mantém um acordo com a empresa para os hospitais, mas apenas assistencial.
A secretária provincial do sindicato de enfermagem (Satse), Carmen de Porres, considerou a situação “indigna e vergonhosa”. “As saias, collants, tamancos e coifa caíram em desuso há mais de 20 anos por ser muito pouco funcional”, acrescentou a representante. “Parece mentira que em pleno século XXI e quando todo o mundo fala de igualdade entre homens e mulheres existam empresas deste tipo”, criticou a dirigente sindical. “As saias sobem cada vez mais e o decote baixa”, lamentou a representante.
As auxiliares e enfermeiras da clínica anunciaram ontem que iam levar este assunto até às últimas consequências.
26.03.2008 - 15h24 Romana Borja-Santos
Não usar uma mini-saia no trabalho pode significar menos dinheiro no fim do mês. Esta é pelo menos a ideia da clínica espanhola San Rafael, em Cádis, que retirou a dez recepcionistas e enfermeiras o seu prémio de produtividade, por não usarem a saia curta que faz parte do uniforme obrigatório, escreve o diário espanhol “El País” na sua edição online.
As mulheres recusaram o traje estipulado, que além de deixar as pernas descobertas obriga ao uso de um avental justo e pouco prático. Assim, no fim do mês receberam menos 30 euros, o preço por andarem com os tradicionais fatos de saúde.
As funcionárias sentem que a decisão, mais do que injusta do ponto de vista económico, vai contra a lei da igualdade. “Sentimo-nos objectos decorativos. Quando estamos a trabalhar não temos liberdade de movimentos e não nos podemos baixar para atender doentes que estão acamados. Temos que expor o nosso corpo para fazermos o nosso trabalho”, explicou Adela Sastre, presidente do comité da empresa.
O gerente da clínica, que pertence ao grupo Pascual, desafiou os trabalhares a levarem o caso aos tribunais. José Manuel Pascual diz que a medida é justa e apenas surge na sequência do incumprimento da normativa de vestuário. O código aplica-se a outros centros de saúde do grupo onde, contudo, ainda não houve queixas.
A Delegação Provincial de Saúde da Junta de Andaluzia em Cádis informou que já enviou um requerimento à empresa sobre este assunto. A mesma fonte garantiu que a Junta mantém um acordo com a empresa para os hospitais, mas apenas assistencial.
A secretária provincial do sindicato de enfermagem (Satse), Carmen de Porres, considerou a situação “indigna e vergonhosa”. “As saias, collants, tamancos e coifa caíram em desuso há mais de 20 anos por ser muito pouco funcional”, acrescentou a representante. “Parece mentira que em pleno século XXI e quando todo o mundo fala de igualdade entre homens e mulheres existam empresas deste tipo”, criticou a dirigente sindical. “As saias sobem cada vez mais e o decote baixa”, lamentou a representante.
As auxiliares e enfermeiras da clínica anunciaram ontem que iam levar este assunto até às últimas consequências.
COISAS DA SÁBADO: O DESTINO MARCA A HORA NO PSD (3)
Aqueles que contam com a derrota do PSD em 2009, para afastar a actual direcção, - e não adianta estarmos a enganar-nos uns aos outros com palavrinhas de circunstância, é aquilo que todos esperam, - prestam um péssimo serviço a uma alternativa mais que necessária ao PS. Podem acordar em 2010 com um PSD que perdeu de vez a sua dimensão nacional, um partido que conta cada vez menos para a vida pública, acabrunhado por mais uma derrota que só pode gerar depressão ou escapismo entre os militantes (sim, porque deles será uma grande responsabilidade), cheio de “bodes expiatórios” e de “apontar de dedos” da culpa, e de “lutas finais” de todos contra todos, com imensa gente a defender-se à “bomba” dos restos do seu poder, e outra sossegada com os quatro anos que adquiriu no parlamento e depois daqui a quatro anos se verá, contente com a sua gestão por objectivos.
COISAS DA SÁBADO: O DESTINO MARCA A HORA NO PSD (2)
De novo, começo como comecei: quem pensar que o papel do PSD é fundamental para a democracia portuguesa não pode ser indiferente ao que possa acontecer em 2009 ao partido, porque todas as opções que vão condicionar o seu futuro nos próximos cinco anos, ou seja uma eternidade na vida política, vão ser tomadas agora. Um exemplo: a escolha de deputados vai moldar o grupo parlamentar que ficará, haja vitória ou derrota, em 2009. Ou seja, quem vier a seguir terá que herdar do passado este grupo parlamentar que, a julgar pelos sinais dados pela direcção, vai ser pouco mais do que uma emanação do aparelho do partido em nome das “bases”, ainda por cima num ambiente de grande sectarismo nas escolhas com base na fidelidade à “situação”. Alguém acredita que uma nova liderança que possa surgir depois de 2009, possa contar com o grupo parlamentar que um PSD, na oposição a um PS mais uma vez vitorioso, necessita? Um grupo parlamentar que ajude a dar mais credibilidade a um partido em crise de respeito junto dos portugueses? Já não cometo sequer a trivialidade de lembrar que qualquer liderança pós-2009, ao não estar presente no parlamento, terá sempre uma dificuldade acrescida em se afirmar. Não, um PSD com um grupo parlamentar de facção, é um obstáculo muito forte a qualquer regeneração partidária pós-2009 e mais uma garantia de permanência do PS no poder.
COISAS DA SÁBADO: O DESTINO MARCA A HORA NO PSD (1)
Quem pensar que o papel do PSD é fundamental para a democracia portuguesa não pode ser indiferente ao que possa acontecer em 2009 ao partido, porque em 2008 já pode ser tarde demais e em 2010 já será certamente tarde demais. Nesta matéria sou “jardinista” e como Jardim considero que a última oportunidade para inverter o plano inclinado é em princípios de 2009, depois é só assistir ao desastre anunciado. Mas não vai ser fácil, vai ser para homens de barba dura e o equivalente em mulheres, sendo que tradicionalmente as mulheres no PSD se portam melhor do que os homens. E não vai ser fácil porque vai mesmo ter que ser “à bomba”, dado que em 2009 há dezenas de lugares apetecidos para distribuir e para cada lugar há cinco pessoas da “situação” a quem este foi prometido e dez que acham que lá podem chegar no meio da guerra civil. Mas, quando Jardim soar as trombetas da avaliação, vamos esperar para ver quem é que vai arranjar pretextos para não ler o que está “escrito nas estrelas” ou para roer a corda porque tem estratégias (presidenciais por exemplo) que exigem um partido fraco ou complacente, ou para passar da “oposição” à “situação”. Já vi de tudo e ainda hei-de ver muito mais.
27.3.08
Abrupto
27.3.08
Abrupto
2008/03/23
Saber ler é tão dificil como saber escrever
António Lobo Antunes
escritor
DN.TEMA: 25 anos de vida literária
«Saber ler é tão difícil como saber escrever»
maria augusta silva
José carlos carvalho (fotos)
Podemos começar por falar de amor?
Se eu souber responder...
O título do seu novo romance, Eu Hei-de Amar Uma Pedra, nascendo embora de um canto popular, terá a ver, igualmente, com impossibilidades do amor?
Não sei russo, mas quando dizem que Pushkin empregava a palavra carne e sentia-se o gosto da palavra carne na boca, isso tem a ver com as palavras que se põem antes e depois. É a mesma coisa que amor. Os substantivos abstractos são perigosos.
Há uma personagem no livro, que, à quarta-feira, ao longo de décadas, vai, secretamente, a uma pensão da Graça, ama e ali morre...
Foi daí que o livro veio. Só mudei o sítio. Sempre me espantou essa extraordinária forma de amor. A sexualidade, sempre tão importante para mim - e continua a ser -, cada vez me parece mais vazia de sentido quando não há outro modo de diálogo e de encontro, embora seja muito difícil resistir ao desejo imediato.
Amor é algo mais?
A noção de amor varia de pessoa para pessoa. Muitas vezes estamos apaixonados ou estaremos agradecidos por gostarem de nós? Ou será que o outro é apenas alguém junto de quem nos sentimos menos sozinhos? Não sei bem o que é a verdade acerca do amor e duvido que haja quem saiba. Só tenho perguntas, não tenho respostas. Até que ponto o amor não é apenas a idealização de um outro e de nós mesmos?
Nunca é fácil salvar uma relação...
Uma coisa é o amor, outra é a relação. Não sei se, quando duas pessoas estão na cama, não estarão, de facto, quatro: as duas que estão mais as duas que um e outro imaginam. Não me preocupa muito. Preocupa-me em relação a mim mesmo, mas há grandes partes da minha vida que eliminei sem piedade. Não vou a jantares, não vou a lançamentos.
E não tem solidões?
Preciso e gosto de estar sozinho.
Ao fim de 25 anos de vida literária, celebrados hoje, quem é António Lobo Antunes para António Lobo Antunes?
Vida literária custa-me a engolir, soa pretensiosa. Digo que se passam 25 anos sobre a publicação do primeiro romance [Memória de Elefante], que andou em bolandas, de editora em editora, a ser rejeitado. Quando saiu, já tinha acabado mais dois livros. Mas 25 anos é muito tempo e serve para ver que já não terei mais 25 para escrever.
Em princípio, a morte não está nas nossas mãos...
Às vezes, a gente morre por desatenção. Outras vezes morre-se quando se pode. Mas, a maior parte das vezes, morremos porque se nos acabou a saúde. Não fomos feitos para a morte, a não ser para a morte voluntária. A involuntária sempre me pareceu uma tremenda injustiça, para não falar em crueldade.
A intensidade poética da sua prosa é para aliviar tensões entre as personagens?
Não me é consciente. Uma coisa para mim é clara: tenho de proteger os meus ovos, que são os meus livros. Se racionalizar as coisas, perco-as. Estaria a fechar portas a mim mesmo e a essas coisas, que não sei bem se me pertencem, e emergem com essa força. Nos momentos felizes, a mão anda sozinha. A cabeça está a ver ao longe e fica contente, porque são as palavras certas que a cabeça não encontraria. É a mão.
Como dissocia o escritor da obra?
Não tenho bem a sensação de o livro nascer de mim. Faço a primeira versão, trabalho muito a segunda, no entanto, depois de entregar o livro, não vejo provas, não faço mais nada. Tudo o que quero é fazer outro. O livro só existe quando estou a escrever. E o tempo é-me muito curto. Se fizer mais dois ou três...
Um autor acéfalo conseguirá realizar uma obra-prima?
Se tiver uma mão suficientemente grande... Prende-se com um conjunto de coisas: primeiro, é preciso ter lido muito. Aprende-se a escrever, lendo. E também é necessária uma grande humildade face ao material da escrita. É a mão que escreve. A nossa mão é mais inteligente do que nós. Não é o autor que tem de ser inteligente, é a obra. O autor não escreve tão bem quanto os livros.
Está a dizer-me que o livro, em relação ao autor, é uma mentira?
Estou a dizer que o livro é melhor do que eu. Não escrevo assim tão bem.
Quem escreve o livro por si?
Um dia, em conversa com Eduardo Lourenço, a propósito de criação literária, ele lembrava o soneto de Pessoa (de quem não sou grande fã e ele é), que fala de «emissário de um rei desconhecido (...)», uma espécie de mensageiro. Há uns tempos, disse ao telefone, ao meu agente, ter a sensação de que era um anjo que estava a escrever por mim. Lembrei- -me, então, que anjo quer dizer mensageiro. Quando estou a escrever, parece que estão a ditar-me e a mão a reproduzir.
Considera-se um predestinado?
Não. Isso até aumenta a humildade. Com o passar do tempo, há dois sentimentos que desaparecem: a vaidade e a inveja. A inveja é um sentimento horrível. Ninguém sofre tanto como um invejoso. E a vaidade faz-me pensar no milionário Howard Hughes. Quando ele morreu, os jornalistas perguntaram ao advogado: «Quanto é que ele deixou?» O advogado respondeu: «Deixou tudo.» Ninguém é mais pobre do que os mortos.
Despojamento, uma outra riqueza?
Quando uma pessoa morre, tira-se-
-lhe a roupa, objectos pessoais, o dinheiro, os óculos. Que vão vestir os mortos quando voltarem? Que dinheiro têm para comer quando voltarem? Morro, podem ficar os livros, mas os livros não são eu, que terei a boca cheia de terra e estarei no céu ou em parte alguma. Que diferença me faz? Quando voltar, com que óculos é que vou ler?
Como regressam os mortos?
E será que partem? Sou um homem religioso. Há um provérbio húngaro muito velho que diz: «Na cova do lobo não há ateus.» O nosso problema é se Deus acreditará em nós. Deus, porém, tem coisas incompreensíveis para mim. Acho que gosta muito dos tolos, porque não pára de os fazer. Mas, se calhar, o caminho de Deus terá tais profundezas que a gente não as entende. Tenho, sobretudo, a experiência das perdas. A perda de qualquer amigo é uma ferida que nunca cicatriza. A perda de pessoas de quem gostei, e que não são substituídas por nada, deixaram vazios que nunca serão preenchidos. Isso também ajuda a tornar-nos humildes.
Na desmultiplicação do narrador, em Eu Hei-de Amar Uma Pedra, todas as personagens se confrontam com perdas...
Dizem que os meus romances são polifónicos. Não são. É sempre a mesma voz que fala e gostaria que fosse também a voz interior do leitor. Ou melhor: essa voz não fala, nós é que a ouvimos.
Uma voz que se desdobra em vozes de muitas sombras?
Sombras, luzes. Gostaria que fossem vozes totais, para mim são vozes totais, porque trazem consigo carne, corpo. O drama é que a gente está a ler em folhas de papel. E, no entanto, nunca tive a sensação de fazer ficções.
O seu novo romance parte de fotografias. São o maior registo da memória?
Não acho que os romances sejam novos. Existem há muito tempo, à espera que seja capaz de chegar a eles. Em miúdo, conheci pessoas rodeadas de fotografias antigas. Perguntava quem eram aquelas pessoas, diziam-me ser o trisavô, todas pessoas mortas. Eu pensava: como podem estar mortas se olham para mim desta maneira, como se me conhecessem? Tinha a sensação de que as pessoas daquelas fotografias me compreendiam melhor do que as vivas. Naquelas fotografias amarelas subsistia a vida, o olhar. Na capacidade de transmissão de emoções e vivências, a fotografia sempre me fascinou. Nunca tirei uma fotografia, falta-me esse talento. Mas temos fotógrafos geniais.
Não tirou fotografias às suas filhas?
A ninguém. Da mesma maneira que nunca gosto de me ver fotografado.
Acha-se feio?
Nunca lidei bem com o meu corpo. Vejo agora fotografias de quando era bebé ou de há 30 anos, e era bonito. Quando tinha 18 anos, as mulheres metiam conversa comigo.
Em dado momento da sua vida, isso foi razão para o tornar vaidoso?
Não era importante. Importante era que as mulheres fossem bonitas. As mulheres sempre exerceram um grande fascínio sobre mim.
Sentiu falta de um elemento feminino entre os seus seis irmãos?
Não podia sentir, porque não sabia o que era o elemento feminino.
Havia a mãe, as avós...
As mães, os pais não têm sexo. A mãe era a mãe, e mulher do meu pai. Também não sabia muito bem o que era ser mulher do meu pai. Julgo que todos os miúdos vêem os pais de uma maneira assexuada. Eu via a barriga da minha mãe a crescer mas não sabia qual o mecanismo que fazia com que a barriga da minha mãe crescesse.
Acreditava que os bebés chegavam no bico de uma cegonha?
Comigo era diferente. O meu pai estava na Alemanha, vinha uma vez por ano e a barriga da minha mãe começava a crescer. Sabia que tinha alguma coisa a ver com o facto de o meu pai ter estado cá. Mas nunca os vi beijarem-se, não sabia muito bem como aquilo era feito.
Não se falava de sexualidade às crianças. Hoje, o próprio ensino dá-lhe alguma atenção. É melhor?
Não faço juízos de valor, não sou médico.
É médico psiquiatra...
Já não faço nada disso. Só escrevo palavras. Nunca analisei essa parte, só me interessava tentar entender. Se analisarmos, não entendemos.
Como se chega ao entendimento sem análise, sem crítica?
Por osmose. Quando se critica, estamos a julgar. Se julgarmos já não compreendemos, porque julgar implica condenar ou absolver. Acho que era Malraux quem dizia: «A partir do momento em que a gente compreende, deixa de julgar.»
Que tempo vivemos: o do julgamento?
Tenho uma vida um pouco especial. Estive recentemente na Roménia, um país que me encanta e me faz reaprender o que é a liberdade. Um país muito parecido connosco...
No aspecto da liberdade?
No da latinidade. Quando voltei, havia todas essas coisas provocadas por este espantoso governo que temos. Tudo o que se tem passado me dá vontade de rir. Nós nunca vivemos em democracia, tal como os EUA não vivem em democracia. A democracia implicaria um referendar constante das decisões, e isso não acontece.
Há eleições...
Vota-se de quatro em quatro anos, mas, entre esses quatro anos, não nos pedem opinião. O que se tem verificado em Portugal, a propósito da liberdade de imprensa, não passa de uma luta de poder igual a tantas outras. De uma forma geral, olho para os políticos com uma indulgência divertida, sejam de que partidos forem. Há pouco tempo, estava no estrangeiro, num encontro com cento e tal escritores, e ouvi falar de Portugal por causa do «barco do aborto». Comentava-se que um ministro nosso terá dito: O mar português é um mar com princípios. Foi um motivo de troça à minha custa, que não tinha culpa nenhuma.
Portugal é diferente dos outros países?
Claro que não. Nem somos piores. E temos uma língua espantosa. E um clima maravilhoso. Cada vez me seria mais difícil viver longe de Portugal. Gosto muito do meu país.
Costuma ler as críticas à sua obra?
Devo ser dos poucos autores que não lêem as críticas, sejam boas ou más. O que faço ainda é cedo para ser compreendido. Tenho a sensação que estou a escrever coisas maiores do que eu. É preciso deixar passar um tempo. Talvez daqui a 50 ou cem anos seja tudo mais claro. Se uma pessoa está à frente do seu tempo, isso provoca reacções contraditórias. Mas há críticos excelentes que iluminam zonas de sombra dos livros. É também preciso grande humildade para se escrever sobre o que se lê e não julgar-se um livro com a nossa chave. Temos de aceitar que há livros muito bons de que não gostamos e livros de que gostamos que podem não ser bons.
Prefere que a chave dos seus livros fique na posse do leitor?
A chave vem com o livro. Saber ler é tão difícil como saber escrever.
Há quem tenha dificuldade em entrar nos seus livros...
Para mim, os livros que escrevo são óbvios e evidentes. Ao lermos certos autores muito bons - estou a pensar no Conrad -, parece caminhar-se no meio do nevoeiro e, de repente, o nevoeiro começa a levantar-se e o livro fica totalmente claro. Quando, aos 20 anos, via um filme de Bergman, aborrecia-me profundamente.
A partir de que idade começou a entender Ingmar Bergman, considerado o cineasta da memória?
A partir dos 40, comovia-me até às lágrimas. Era eu que não estava preparado para ver aqueles filmes e notar o quanto de mim existia neles. Nós somos casas muito grandes, muito compridas. É como se morássemos apenas num quarto ou dois. Às vezes, por medo ou cegueira, não abrimos as nossas portas.
Quando na sua escrita suspende a frase, a palavra, deseja deixar portas abertas? Pretende ter o leitor como um interlocutor constante?
Fui compreendendo que tinha de pôr a prosa a respirar de uma outra forma. É também uma maneira de pontuar. O problema é como isso se traduz para outras línguas. Neste momento, na Rússia, estamos com problemas de tradutores de português; traduz-se a partir do alemão. O português, em muitos países, é como o esloveno para nós. Um país onde se traduz maravilhosamente é em Espanha.
Que imagem tem da língua portuguesa, falada por 250 milhões?
Na sua maior parte, as pessoas que conhecem o português em alguns países conhecem o português do Brasil, cujo léxico e musicalidade são diferentes. Julgo que o meu português coloca problemas específicos. Estou a lembrar-me do problema que foi para um tradutor expressões como alto lá com o charuto. Todas as línguas têm a sua idiossincrasia. Uma tradução acaba por ser uma fotografia a preto e branco.
Sente-se bem a escrever em português?
É a minha língua, não me imagino a escrever noutra.
Nos seus livros faz sempre uma visita à infância. É o património mais vasto e rico da sua escrita?
Queria que os livros tivessem todos os tempos da minha vida. Talvez a partir de uma certa idade estejamos mais atentos à nossa infância.
Estou a lembrar-me de Séneca, que diz: «Ama como se morresses hoje.» No seu caso, escreve como se pudesse morrer hoje?
Não quero nada morrer hoje. Estou a meio de um livro, não o queria deixar imperfeito. E queria viver mais dois anos para fazer outro, e mais dois para fazer outro, como se andasse a negociar a vida. Gostaria de ter mais dez anos para escrever. E se calhar, mesmo morto, a mão vai continuar a avançar.
Quando poderá o escritor ter a percepção de que deve parar?
A partir de certo momento, tudo começa a ossificar-se. Muitas vezes não temos essa percepção.
Tem palavras por meio das quais procure um significado absoluto?
Tenho aprendido mais a escrever com os poetas do que com os prosadores. Em poesia, pelo menos nos poetas que admiro, cada palavra tem um brilho próprio. Mas não gosto de dividir as coisas em romance, conto, novela, poema.
Convoca tantas flores para os seus livros... Fazem parte da sua natureza?
Vivo sem flores, não tenho flores em casa. Vivo com livros e quadros, a maior parte oferecidos pelo Júlio Pomar. Nunca tive bens materiais. Nem uso relógio. Posso fazer a mala e ir-me embora. Não estou agarrado às coisas.
In DN 20041109
escritor
DN.TEMA: 25 anos de vida literária
«Saber ler é tão difícil como saber escrever»
maria augusta silva
José carlos carvalho (fotos)
Podemos começar por falar de amor?
Se eu souber responder...
O título do seu novo romance, Eu Hei-de Amar Uma Pedra, nascendo embora de um canto popular, terá a ver, igualmente, com impossibilidades do amor?
Não sei russo, mas quando dizem que Pushkin empregava a palavra carne e sentia-se o gosto da palavra carne na boca, isso tem a ver com as palavras que se põem antes e depois. É a mesma coisa que amor. Os substantivos abstractos são perigosos.
Há uma personagem no livro, que, à quarta-feira, ao longo de décadas, vai, secretamente, a uma pensão da Graça, ama e ali morre...
Foi daí que o livro veio. Só mudei o sítio. Sempre me espantou essa extraordinária forma de amor. A sexualidade, sempre tão importante para mim - e continua a ser -, cada vez me parece mais vazia de sentido quando não há outro modo de diálogo e de encontro, embora seja muito difícil resistir ao desejo imediato.
Amor é algo mais?
A noção de amor varia de pessoa para pessoa. Muitas vezes estamos apaixonados ou estaremos agradecidos por gostarem de nós? Ou será que o outro é apenas alguém junto de quem nos sentimos menos sozinhos? Não sei bem o que é a verdade acerca do amor e duvido que haja quem saiba. Só tenho perguntas, não tenho respostas. Até que ponto o amor não é apenas a idealização de um outro e de nós mesmos?
Nunca é fácil salvar uma relação...
Uma coisa é o amor, outra é a relação. Não sei se, quando duas pessoas estão na cama, não estarão, de facto, quatro: as duas que estão mais as duas que um e outro imaginam. Não me preocupa muito. Preocupa-me em relação a mim mesmo, mas há grandes partes da minha vida que eliminei sem piedade. Não vou a jantares, não vou a lançamentos.
E não tem solidões?
Preciso e gosto de estar sozinho.
Ao fim de 25 anos de vida literária, celebrados hoje, quem é António Lobo Antunes para António Lobo Antunes?
Vida literária custa-me a engolir, soa pretensiosa. Digo que se passam 25 anos sobre a publicação do primeiro romance [Memória de Elefante], que andou em bolandas, de editora em editora, a ser rejeitado. Quando saiu, já tinha acabado mais dois livros. Mas 25 anos é muito tempo e serve para ver que já não terei mais 25 para escrever.
Em princípio, a morte não está nas nossas mãos...
Às vezes, a gente morre por desatenção. Outras vezes morre-se quando se pode. Mas, a maior parte das vezes, morremos porque se nos acabou a saúde. Não fomos feitos para a morte, a não ser para a morte voluntária. A involuntária sempre me pareceu uma tremenda injustiça, para não falar em crueldade.
A intensidade poética da sua prosa é para aliviar tensões entre as personagens?
Não me é consciente. Uma coisa para mim é clara: tenho de proteger os meus ovos, que são os meus livros. Se racionalizar as coisas, perco-as. Estaria a fechar portas a mim mesmo e a essas coisas, que não sei bem se me pertencem, e emergem com essa força. Nos momentos felizes, a mão anda sozinha. A cabeça está a ver ao longe e fica contente, porque são as palavras certas que a cabeça não encontraria. É a mão.
Como dissocia o escritor da obra?
Não tenho bem a sensação de o livro nascer de mim. Faço a primeira versão, trabalho muito a segunda, no entanto, depois de entregar o livro, não vejo provas, não faço mais nada. Tudo o que quero é fazer outro. O livro só existe quando estou a escrever. E o tempo é-me muito curto. Se fizer mais dois ou três...
Um autor acéfalo conseguirá realizar uma obra-prima?
Se tiver uma mão suficientemente grande... Prende-se com um conjunto de coisas: primeiro, é preciso ter lido muito. Aprende-se a escrever, lendo. E também é necessária uma grande humildade face ao material da escrita. É a mão que escreve. A nossa mão é mais inteligente do que nós. Não é o autor que tem de ser inteligente, é a obra. O autor não escreve tão bem quanto os livros.
Está a dizer-me que o livro, em relação ao autor, é uma mentira?
Estou a dizer que o livro é melhor do que eu. Não escrevo assim tão bem.
Quem escreve o livro por si?
Um dia, em conversa com Eduardo Lourenço, a propósito de criação literária, ele lembrava o soneto de Pessoa (de quem não sou grande fã e ele é), que fala de «emissário de um rei desconhecido (...)», uma espécie de mensageiro. Há uns tempos, disse ao telefone, ao meu agente, ter a sensação de que era um anjo que estava a escrever por mim. Lembrei- -me, então, que anjo quer dizer mensageiro. Quando estou a escrever, parece que estão a ditar-me e a mão a reproduzir.
Considera-se um predestinado?
Não. Isso até aumenta a humildade. Com o passar do tempo, há dois sentimentos que desaparecem: a vaidade e a inveja. A inveja é um sentimento horrível. Ninguém sofre tanto como um invejoso. E a vaidade faz-me pensar no milionário Howard Hughes. Quando ele morreu, os jornalistas perguntaram ao advogado: «Quanto é que ele deixou?» O advogado respondeu: «Deixou tudo.» Ninguém é mais pobre do que os mortos.
Despojamento, uma outra riqueza?
Quando uma pessoa morre, tira-se-
-lhe a roupa, objectos pessoais, o dinheiro, os óculos. Que vão vestir os mortos quando voltarem? Que dinheiro têm para comer quando voltarem? Morro, podem ficar os livros, mas os livros não são eu, que terei a boca cheia de terra e estarei no céu ou em parte alguma. Que diferença me faz? Quando voltar, com que óculos é que vou ler?
Como regressam os mortos?
E será que partem? Sou um homem religioso. Há um provérbio húngaro muito velho que diz: «Na cova do lobo não há ateus.» O nosso problema é se Deus acreditará em nós. Deus, porém, tem coisas incompreensíveis para mim. Acho que gosta muito dos tolos, porque não pára de os fazer. Mas, se calhar, o caminho de Deus terá tais profundezas que a gente não as entende. Tenho, sobretudo, a experiência das perdas. A perda de qualquer amigo é uma ferida que nunca cicatriza. A perda de pessoas de quem gostei, e que não são substituídas por nada, deixaram vazios que nunca serão preenchidos. Isso também ajuda a tornar-nos humildes.
Na desmultiplicação do narrador, em Eu Hei-de Amar Uma Pedra, todas as personagens se confrontam com perdas...
Dizem que os meus romances são polifónicos. Não são. É sempre a mesma voz que fala e gostaria que fosse também a voz interior do leitor. Ou melhor: essa voz não fala, nós é que a ouvimos.
Uma voz que se desdobra em vozes de muitas sombras?
Sombras, luzes. Gostaria que fossem vozes totais, para mim são vozes totais, porque trazem consigo carne, corpo. O drama é que a gente está a ler em folhas de papel. E, no entanto, nunca tive a sensação de fazer ficções.
O seu novo romance parte de fotografias. São o maior registo da memória?
Não acho que os romances sejam novos. Existem há muito tempo, à espera que seja capaz de chegar a eles. Em miúdo, conheci pessoas rodeadas de fotografias antigas. Perguntava quem eram aquelas pessoas, diziam-me ser o trisavô, todas pessoas mortas. Eu pensava: como podem estar mortas se olham para mim desta maneira, como se me conhecessem? Tinha a sensação de que as pessoas daquelas fotografias me compreendiam melhor do que as vivas. Naquelas fotografias amarelas subsistia a vida, o olhar. Na capacidade de transmissão de emoções e vivências, a fotografia sempre me fascinou. Nunca tirei uma fotografia, falta-me esse talento. Mas temos fotógrafos geniais.
Não tirou fotografias às suas filhas?
A ninguém. Da mesma maneira que nunca gosto de me ver fotografado.
Acha-se feio?
Nunca lidei bem com o meu corpo. Vejo agora fotografias de quando era bebé ou de há 30 anos, e era bonito. Quando tinha 18 anos, as mulheres metiam conversa comigo.
Em dado momento da sua vida, isso foi razão para o tornar vaidoso?
Não era importante. Importante era que as mulheres fossem bonitas. As mulheres sempre exerceram um grande fascínio sobre mim.
Sentiu falta de um elemento feminino entre os seus seis irmãos?
Não podia sentir, porque não sabia o que era o elemento feminino.
Havia a mãe, as avós...
As mães, os pais não têm sexo. A mãe era a mãe, e mulher do meu pai. Também não sabia muito bem o que era ser mulher do meu pai. Julgo que todos os miúdos vêem os pais de uma maneira assexuada. Eu via a barriga da minha mãe a crescer mas não sabia qual o mecanismo que fazia com que a barriga da minha mãe crescesse.
Acreditava que os bebés chegavam no bico de uma cegonha?
Comigo era diferente. O meu pai estava na Alemanha, vinha uma vez por ano e a barriga da minha mãe começava a crescer. Sabia que tinha alguma coisa a ver com o facto de o meu pai ter estado cá. Mas nunca os vi beijarem-se, não sabia muito bem como aquilo era feito.
Não se falava de sexualidade às crianças. Hoje, o próprio ensino dá-lhe alguma atenção. É melhor?
Não faço juízos de valor, não sou médico.
É médico psiquiatra...
Já não faço nada disso. Só escrevo palavras. Nunca analisei essa parte, só me interessava tentar entender. Se analisarmos, não entendemos.
Como se chega ao entendimento sem análise, sem crítica?
Por osmose. Quando se critica, estamos a julgar. Se julgarmos já não compreendemos, porque julgar implica condenar ou absolver. Acho que era Malraux quem dizia: «A partir do momento em que a gente compreende, deixa de julgar.»
Que tempo vivemos: o do julgamento?
Tenho uma vida um pouco especial. Estive recentemente na Roménia, um país que me encanta e me faz reaprender o que é a liberdade. Um país muito parecido connosco...
No aspecto da liberdade?
No da latinidade. Quando voltei, havia todas essas coisas provocadas por este espantoso governo que temos. Tudo o que se tem passado me dá vontade de rir. Nós nunca vivemos em democracia, tal como os EUA não vivem em democracia. A democracia implicaria um referendar constante das decisões, e isso não acontece.
Há eleições...
Vota-se de quatro em quatro anos, mas, entre esses quatro anos, não nos pedem opinião. O que se tem verificado em Portugal, a propósito da liberdade de imprensa, não passa de uma luta de poder igual a tantas outras. De uma forma geral, olho para os políticos com uma indulgência divertida, sejam de que partidos forem. Há pouco tempo, estava no estrangeiro, num encontro com cento e tal escritores, e ouvi falar de Portugal por causa do «barco do aborto». Comentava-se que um ministro nosso terá dito: O mar português é um mar com princípios. Foi um motivo de troça à minha custa, que não tinha culpa nenhuma.
Portugal é diferente dos outros países?
Claro que não. Nem somos piores. E temos uma língua espantosa. E um clima maravilhoso. Cada vez me seria mais difícil viver longe de Portugal. Gosto muito do meu país.
Costuma ler as críticas à sua obra?
Devo ser dos poucos autores que não lêem as críticas, sejam boas ou más. O que faço ainda é cedo para ser compreendido. Tenho a sensação que estou a escrever coisas maiores do que eu. É preciso deixar passar um tempo. Talvez daqui a 50 ou cem anos seja tudo mais claro. Se uma pessoa está à frente do seu tempo, isso provoca reacções contraditórias. Mas há críticos excelentes que iluminam zonas de sombra dos livros. É também preciso grande humildade para se escrever sobre o que se lê e não julgar-se um livro com a nossa chave. Temos de aceitar que há livros muito bons de que não gostamos e livros de que gostamos que podem não ser bons.
Prefere que a chave dos seus livros fique na posse do leitor?
A chave vem com o livro. Saber ler é tão difícil como saber escrever.
Há quem tenha dificuldade em entrar nos seus livros...
Para mim, os livros que escrevo são óbvios e evidentes. Ao lermos certos autores muito bons - estou a pensar no Conrad -, parece caminhar-se no meio do nevoeiro e, de repente, o nevoeiro começa a levantar-se e o livro fica totalmente claro. Quando, aos 20 anos, via um filme de Bergman, aborrecia-me profundamente.
A partir de que idade começou a entender Ingmar Bergman, considerado o cineasta da memória?
A partir dos 40, comovia-me até às lágrimas. Era eu que não estava preparado para ver aqueles filmes e notar o quanto de mim existia neles. Nós somos casas muito grandes, muito compridas. É como se morássemos apenas num quarto ou dois. Às vezes, por medo ou cegueira, não abrimos as nossas portas.
Quando na sua escrita suspende a frase, a palavra, deseja deixar portas abertas? Pretende ter o leitor como um interlocutor constante?
Fui compreendendo que tinha de pôr a prosa a respirar de uma outra forma. É também uma maneira de pontuar. O problema é como isso se traduz para outras línguas. Neste momento, na Rússia, estamos com problemas de tradutores de português; traduz-se a partir do alemão. O português, em muitos países, é como o esloveno para nós. Um país onde se traduz maravilhosamente é em Espanha.
Que imagem tem da língua portuguesa, falada por 250 milhões?
Na sua maior parte, as pessoas que conhecem o português em alguns países conhecem o português do Brasil, cujo léxico e musicalidade são diferentes. Julgo que o meu português coloca problemas específicos. Estou a lembrar-me do problema que foi para um tradutor expressões como alto lá com o charuto. Todas as línguas têm a sua idiossincrasia. Uma tradução acaba por ser uma fotografia a preto e branco.
Sente-se bem a escrever em português?
É a minha língua, não me imagino a escrever noutra.
Nos seus livros faz sempre uma visita à infância. É o património mais vasto e rico da sua escrita?
Queria que os livros tivessem todos os tempos da minha vida. Talvez a partir de uma certa idade estejamos mais atentos à nossa infância.
Estou a lembrar-me de Séneca, que diz: «Ama como se morresses hoje.» No seu caso, escreve como se pudesse morrer hoje?
Não quero nada morrer hoje. Estou a meio de um livro, não o queria deixar imperfeito. E queria viver mais dois anos para fazer outro, e mais dois para fazer outro, como se andasse a negociar a vida. Gostaria de ter mais dez anos para escrever. E se calhar, mesmo morto, a mão vai continuar a avançar.
Quando poderá o escritor ter a percepção de que deve parar?
A partir de certo momento, tudo começa a ossificar-se. Muitas vezes não temos essa percepção.
Tem palavras por meio das quais procure um significado absoluto?
Tenho aprendido mais a escrever com os poetas do que com os prosadores. Em poesia, pelo menos nos poetas que admiro, cada palavra tem um brilho próprio. Mas não gosto de dividir as coisas em romance, conto, novela, poema.
Convoca tantas flores para os seus livros... Fazem parte da sua natureza?
Vivo sem flores, não tenho flores em casa. Vivo com livros e quadros, a maior parte oferecidos pelo Júlio Pomar. Nunca tive bens materiais. Nem uso relógio. Posso fazer a mala e ir-me embora. Não estou agarrado às coisas.
In DN 20041109
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