Um grande amigo enviou-me esta fotografia de algo que a minha sempre me disse para tomar e que eu até agora não tinha encontrado.
Afinal, vende-se em garrafas.
2010/09/29
Anedota do dia
Diz a Luciana ao Djálo:
- Queres chá verde “ó” preto?
E ele responde:
- Pode ser.
- Queres chá verde “ó” preto?
E ele responde:
- Pode ser.
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A história de "estória"
Alertado por um amigo que se encanita com facilidade, sobretudo em questões de Lingua Portugêsa deixo aqui dois textos, o primeiro da autoria desse meu amigo e o segundo de Claudio Moreno que dispensa apresentações.
Resumindo, pqp para os que contam "estórias".
Sempre me irritou a utilização da palavra estória, e mais ainda agora que a vi num coleccionável no Diário de Notícias intitulado AS ESTÓRIAS NUNCA CONTADAS PELA HISTÓRIA sobre os 100 anos da República. O raio do título é uma verdadeira tese, pelo que, fui ver e encontrei e chega-me e irrita-me. A palavra estória é uma forma divergente de história, pois ambas têm origem no grego historía, -as (exame, informação, pesquisa, estudo, ciência) através do latim historia, -ae, tendo a forma estória entrado através do inglês story.
O Dicionário Houaiss (brasileiro, mas também com uma edição portuguesa) informa-nos, na etimologia desta palavra, que estória foi uma forma "adoptada pelo conde de Sabugosa com o sentido de narrativa de ficção, segundo informa J.A. Carvalho no seu livro Discurso & Narração, Vitória, 1995, p. 9-11".
Em Portugal, apenas alguns dicionários registam estória; no entanto, esta palavra é actualmente utilizada com muita frequência com o sentido de narrativa popular.
Em relação a estas palavras, o Dicionário Aurélio (também brasileiro) faz mesmo uma recomendação: "[Recomenda-se apenas a grafia história, tanto no sentido de ciência histórica, quanto no de narrativa de ficção, conto popular, e demais acepções.]".
Em contextos em que o utilizador da língua queira evitar o uso de uma palavra polémica, deverá utilizar sempre a forma história, pois em relação a esta não há qualquer controvérsia.
Cláudio Moreno
Perdi a conta dos leitores que me perguntam sobre a famigerada estória. Uns querem saber se realmente existe essa distinção entre estória e história. Outros teriam ouvido que a palavra existiu outrora, mas hoje seria considerada arcaica. Há quem especule que estória tenha nascido de um erro de tradução. Quase todos perguntam se é uma distinção útil e necessária, ou se não passa de supérfluo balangandã. Peço perdão àqueles que fiz esperar, mas aqui vai minha resposta a todos.
Foi João Ribeiro, forte conhecedor de nosso idioma, quem propôs a adoção do termo estória, em 1919, para designar, no campo do Folclore, a narrativa popular, o conto tradicional, objeto de estudo dos especialistas daquela área. E não se tratava de inventar, mas sim de reabilitar (hoje usariam o horrendo resgatar...) uma forma arcaica, comum nos manuscritos medievais de Portugal. Era uma ingênua proposta, paroquial, nascida da inveja compreensível que causa a distinção story - history do Inglês; sem ela, alega o próprio Luís da Câmara Cascudo - para mim, um dos escritores que mais contribuíram para nossa língua -, não se pode entender frases como "Stories are not History", ou títulos como "The History of a Folk Story". Que o mestre Cascudo me perdoe: a intenção era boa, mas sem nenhum fundamento lingüístico.
Em primeiro lugar, a estória medieval não era um vocábulo diferente de história; era apenas uma das muitas variantes que se encontram nos textos manuscritos de nossos copistas, naquele tempo heróico em que a estrutura de nossa ortografia ainda lutava para sedimentar. Ali aparecem história, hestória, estória, istória, estórea (ainda não se usavam os acentos, que são de nosso século, mas não pude resistir). Da mesma forma, vamos encontrar homem, omem, omee (algumas vezes com til no primeiro e) e até ome. Nota-se que o emprego do "h" e das vogais ainda não estava estabilizado na escrita. Entretanto, já no séc. XVI - em Camões, por exemplo - a grafia de homem e história era a que é usada até hoje. Outras línguas da família latina, como o Espanhol e o Francês, também experimentaram essa variedade de formas para história, mas terminou prevalecendo a forma única (historia e histoire, respectivamente).
Em segundo lugar: grande coisa se o Inglês pode fazer a distinção entre story e history! E daí? Como o folclórico Napoleão Mendes de Almeida nos lembra, eles também distinguem entre can (poder, conseguir) e may (poder, no sentido legal e ético): "You can, but you may not" é uma rica frase em Inglês que só poderíamos traduzir com um aproximado "Você pode, mas não deve". Esse autor, que abominava estória, pergunta ironicamente: "Se curtos de inteligência foram nossos pais em não terem descoberto essa história de "estória", curtos de inteligência continuamos todos nós em não forjarmos distinção gráfica e fonética para "poder", para "educação", para "raio", para "oficial" e para outros vocábulos de formas diferentes em Inglês, como curtos de inteligência são todos os outros idiomas que têm palavras com mais de uma significação".
Dessa vez Napoleão bateu no prego e não na tábua. Uma olhada no meu Oxford e me dou conta que para nosso raio, por exemplo, o Inglês tem (1) ray (onde temos "raio de luz", "pistola de raios"), (2) radius (o "raio de um círculo") e (3) lightning (a "descarga elétrica"). É mais do que comum o fato de uma língua fazer distinções vocabulares que outras não fazem. Como tive a oportunidade de mencionar em outro artigo (Atravessando o Canal da Manga), o Espanhol designa com um único vocábulo (celo, celos) o que nós distribuímos por três: zelo, cio e ciúme. Invejamos o story do Inglês? Eles então devem ficar verdes diante de nosso ser e estar, distinção fundamental na vida e na Filosofia, que eles simplesmente desconhecem. Assim são as línguas humanas, na sua (im)perfeição.
Além disso, os amáveis folcloristas que defendiam estória pensavam apenas em distinguir "a História do Brasil das Histórias da Carochinha". Do ponto de vista lingüístico, erraram por todos os lados. Primeiro, erraram porque essa não é uma distinção útil, que justifique sua defesa. O português José Neves Henriques, o severo e consciencioso JNH do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa (já falei sobre ele na seção de Links***), condena essa invenção "brasileira" (ele tem razão: é coisa nossa), tachando-a de "uma palermice, porque, até agora, nunca confundimos os vários significados de história. O contexto e a situação têm sido mais que suficientes para distinguirmos os vários significados". Certo o professor Henriques, errados os folcloristas: ninguém vai confundir a história de um país com a história do bicho-papão.
Segundo, erraram porque enxergavam apenas dois pólos bem definidos: a história que se refere ao passado e ao seu estudo, e a estória da narrativa, da fábula. A experiência nos diz que essas invasões de searas alheias geralmente pecam por um raciocínio simplista, reducionista. Quem mexe no que não entende, termina fazendo bobagem... e não deu outra. Nossos estudiosos não perceberam que a distinção sugerida, apetecível do ponto de vista deles, acabaria criando incertezas e hesitações em frases corriqueiras como "Deixa de histórias!"; "Essa já é outra história"; "Que história é essa?"; "Eu e ela temos uma velha história". Qual das duas formas usar? Por tão pouco benefício, por que assombrar ainda mais os que escrevem em Português? Faço questão de frisar "os que escrevem" - porque aqui, também, reside outra falha da proposta de João Ribeiro: as duas formas não seriam distinguíveis na fala, já que a realização da vogal "E" inicial de estória é geralmente /i/ (como em espada, esperto, etc.). Ambas seriam pronunciadas da mesma maneira: /istória/. E quantas outras palavras, derivadas de história, deveriam ser alteradas? Historieiro? Historiento? As historietas passariam a ser estorietas? Os aficcionados em quadrinhos passariam a usar EQ em vez do consagrado HQ? Como se vê, "muito trabalho por nada", como reza a comédia de Shakespeare.
De qualquer forma, o uso de estória poderia ter ficado confinado ao mundo do Folclore, onde talvez fosse de alguma utilidade. Afinal, não é incomum que certas áreas do pensamento postulem, para uso exclusivo, vocábulos novos ou variações fonológicas ou ortográficas de vocábulos antigos, no afã de obter maior precisão em seus conceitos. Isso se verifica, por exemplo, na Filosofia, na Lógica, na Lingüística, na Psicanálise (onde me chama a atenção a impressionante inquietação lingüística dos lacanianos). Como é natural, essas variantes vão fazer parte de um código específico, cujo emprego passa a ser indispensável para os especialistas dessa área, mas não entram no grande caudal da língua comum. A criação, a utilização e, muito seguidamente, a agonia e morte dessas formas são registradas em discretos dicionários especializados, convenientemente isolados do grande rebanho representado pelos dicionários de uso.
Infelizmente, como nos piores pesadelos dos ecologistas, estória rompeu as cercas de segurança, saiu do pequeno rincão do Folclore e invadiu nossas vidas. O responsável por isso foi João Guimarães Rosa (pudera não!). Como escreve meu mestre Celso Pedro Luft, com uma ponta de inesperada ironia, Rosa decidiu "glorificar, imortalizar a ausência do agá: Primeiras Estórias. Corriam os anos de 1962. Primeiras estórias ... todos os fãs do mineiro imortal ficaram absolutamente alucinados. E foi estória para cá, estória para lá, estória para todos os lados. Uma epidemia. Perdão, uma glória". Depois, em 1967 veio Tutaméia, com o subtítulo "Terceiras Estórias", e o póstumo Estas Estórias, publicado em 1969. Muito tem sido escrito sobre a inovação da linguagem rosiana; a sintaxe de seu narrador é, a meu ver, a criação literária do século. No entanto, sou obrigado a observar que, em termos não-literários, essa inovação é zero. Nenhuma das palavras montadas, deformadas ou inventadas por ele jamais será usada, a não ser por imitadores (que já andam escasseando...). É uma linguagem só dele; funciona admiravelmente no universo de sua obra, mas é seu instrumento pessoal, e nunca será nosso. Ouso dizer que a única influência rosiana no Português foi a divulgação desse equívoco que é estória. Tenho certeza de que Guimarães Rosa, místico de quatro costados, entenderia: deve ser vingança dos deuses da Língua.
Comentário de Roberto Moreno na secção "Links" (http://www.terra.com.br/sualingua/):«Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Este é o sítio mais tradicional sobre questões de Língua Portuguesa. Você pergunta, e uma simpática "equipa, orientada pelo Conselho Científico da Sociedade da Língua Portuguesa, responder-lhe-á o mais depressa possível" (pelo vocábulo equipa e pela mesóclise, você já deverá ter percebido que os autores são de Portugal). Tem uma estrutura bem prática; seu valioso arquivo de perguntas respondidas desde 1997 pode ser pesquisado com um mecanismo de busca. Infelizmente a "equipa" que responde às consultas é muito desigual; alguns de seus integrantes pouco ou quase nada entendem do assunto. No entanto, como todas as respostas são assinadas, fique atento às iniciais JNH, que identificam o material produzido por José Neves Henriques, qualificado na ficha de colaboradores como "professor aposentado, membro do Conselho Científico e director do boletim da Sociedade da Língua Portuguesa, licenciado, com tese, em Filologia Clássica pela Universidade de Lisboa e autor de várias obras de referência". Este realmente sabe o que faz; embora siga uma orientação um tanto tradicional, suas contribuições são constrangedoramente mais valiosas que as de seus parceiros. Até agora, todos os textos que li com a rubrica JNH impressionam pela solidez do conhecimento e seriedade com que trata cada tópico discutido.»
Sobre o Autor
Doutor em Letras pela PUCRS (Rio Grande, RS, Brasil), Cláudio Moreno é professor de Português nesta universidade e autor do consultório da Internet "Língua Portuguesa".
Resumindo, pqp para os que contam "estórias".
Sempre me irritou a utilização da palavra estória, e mais ainda agora que a vi num coleccionável no Diário de Notícias intitulado AS ESTÓRIAS NUNCA CONTADAS PELA HISTÓRIA sobre os 100 anos da República. O raio do título é uma verdadeira tese, pelo que, fui ver e encontrei e chega-me e irrita-me. A palavra estória é uma forma divergente de história, pois ambas têm origem no grego historía, -as (exame, informação, pesquisa, estudo, ciência) através do latim historia, -ae, tendo a forma estória entrado através do inglês story.
O Dicionário Houaiss (brasileiro, mas também com uma edição portuguesa) informa-nos, na etimologia desta palavra, que estória foi uma forma "adoptada pelo conde de Sabugosa com o sentido de narrativa de ficção, segundo informa J.A. Carvalho no seu livro Discurso & Narração, Vitória, 1995, p. 9-11".
Em Portugal, apenas alguns dicionários registam estória; no entanto, esta palavra é actualmente utilizada com muita frequência com o sentido de narrativa popular.
Em relação a estas palavras, o Dicionário Aurélio (também brasileiro) faz mesmo uma recomendação: "[Recomenda-se apenas a grafia história, tanto no sentido de ciência histórica, quanto no de narrativa de ficção, conto popular, e demais acepções.]".
Em contextos em que o utilizador da língua queira evitar o uso de uma palavra polémica, deverá utilizar sempre a forma história, pois em relação a esta não há qualquer controvérsia.
Cláudio Moreno
Perdi a conta dos leitores que me perguntam sobre a famigerada estória. Uns querem saber se realmente existe essa distinção entre estória e história. Outros teriam ouvido que a palavra existiu outrora, mas hoje seria considerada arcaica. Há quem especule que estória tenha nascido de um erro de tradução. Quase todos perguntam se é uma distinção útil e necessária, ou se não passa de supérfluo balangandã. Peço perdão àqueles que fiz esperar, mas aqui vai minha resposta a todos.
Foi João Ribeiro, forte conhecedor de nosso idioma, quem propôs a adoção do termo estória, em 1919, para designar, no campo do Folclore, a narrativa popular, o conto tradicional, objeto de estudo dos especialistas daquela área. E não se tratava de inventar, mas sim de reabilitar (hoje usariam o horrendo resgatar...) uma forma arcaica, comum nos manuscritos medievais de Portugal. Era uma ingênua proposta, paroquial, nascida da inveja compreensível que causa a distinção story - history do Inglês; sem ela, alega o próprio Luís da Câmara Cascudo - para mim, um dos escritores que mais contribuíram para nossa língua -, não se pode entender frases como "Stories are not History", ou títulos como "The History of a Folk Story". Que o mestre Cascudo me perdoe: a intenção era boa, mas sem nenhum fundamento lingüístico.
Em primeiro lugar, a estória medieval não era um vocábulo diferente de história; era apenas uma das muitas variantes que se encontram nos textos manuscritos de nossos copistas, naquele tempo heróico em que a estrutura de nossa ortografia ainda lutava para sedimentar. Ali aparecem história, hestória, estória, istória, estórea (ainda não se usavam os acentos, que são de nosso século, mas não pude resistir). Da mesma forma, vamos encontrar homem, omem, omee (algumas vezes com til no primeiro e) e até ome. Nota-se que o emprego do "h" e das vogais ainda não estava estabilizado na escrita. Entretanto, já no séc. XVI - em Camões, por exemplo - a grafia de homem e história era a que é usada até hoje. Outras línguas da família latina, como o Espanhol e o Francês, também experimentaram essa variedade de formas para história, mas terminou prevalecendo a forma única (historia e histoire, respectivamente).
Em segundo lugar: grande coisa se o Inglês pode fazer a distinção entre story e history! E daí? Como o folclórico Napoleão Mendes de Almeida nos lembra, eles também distinguem entre can (poder, conseguir) e may (poder, no sentido legal e ético): "You can, but you may not" é uma rica frase em Inglês que só poderíamos traduzir com um aproximado "Você pode, mas não deve". Esse autor, que abominava estória, pergunta ironicamente: "Se curtos de inteligência foram nossos pais em não terem descoberto essa história de "estória", curtos de inteligência continuamos todos nós em não forjarmos distinção gráfica e fonética para "poder", para "educação", para "raio", para "oficial" e para outros vocábulos de formas diferentes em Inglês, como curtos de inteligência são todos os outros idiomas que têm palavras com mais de uma significação".
Dessa vez Napoleão bateu no prego e não na tábua. Uma olhada no meu Oxford e me dou conta que para nosso raio, por exemplo, o Inglês tem (1) ray (onde temos "raio de luz", "pistola de raios"), (2) radius (o "raio de um círculo") e (3) lightning (a "descarga elétrica"). É mais do que comum o fato de uma língua fazer distinções vocabulares que outras não fazem. Como tive a oportunidade de mencionar em outro artigo (Atravessando o Canal da Manga), o Espanhol designa com um único vocábulo (celo, celos) o que nós distribuímos por três: zelo, cio e ciúme. Invejamos o story do Inglês? Eles então devem ficar verdes diante de nosso ser e estar, distinção fundamental na vida e na Filosofia, que eles simplesmente desconhecem. Assim são as línguas humanas, na sua (im)perfeição.
Além disso, os amáveis folcloristas que defendiam estória pensavam apenas em distinguir "a História do Brasil das Histórias da Carochinha". Do ponto de vista lingüístico, erraram por todos os lados. Primeiro, erraram porque essa não é uma distinção útil, que justifique sua defesa. O português José Neves Henriques, o severo e consciencioso JNH do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa (já falei sobre ele na seção de Links***), condena essa invenção "brasileira" (ele tem razão: é coisa nossa), tachando-a de "uma palermice, porque, até agora, nunca confundimos os vários significados de história. O contexto e a situação têm sido mais que suficientes para distinguirmos os vários significados". Certo o professor Henriques, errados os folcloristas: ninguém vai confundir a história de um país com a história do bicho-papão.
Segundo, erraram porque enxergavam apenas dois pólos bem definidos: a história que se refere ao passado e ao seu estudo, e a estória da narrativa, da fábula. A experiência nos diz que essas invasões de searas alheias geralmente pecam por um raciocínio simplista, reducionista. Quem mexe no que não entende, termina fazendo bobagem... e não deu outra. Nossos estudiosos não perceberam que a distinção sugerida, apetecível do ponto de vista deles, acabaria criando incertezas e hesitações em frases corriqueiras como "Deixa de histórias!"; "Essa já é outra história"; "Que história é essa?"; "Eu e ela temos uma velha história". Qual das duas formas usar? Por tão pouco benefício, por que assombrar ainda mais os que escrevem em Português? Faço questão de frisar "os que escrevem" - porque aqui, também, reside outra falha da proposta de João Ribeiro: as duas formas não seriam distinguíveis na fala, já que a realização da vogal "E" inicial de estória é geralmente /i/ (como em espada, esperto, etc.). Ambas seriam pronunciadas da mesma maneira: /istória/. E quantas outras palavras, derivadas de história, deveriam ser alteradas? Historieiro? Historiento? As historietas passariam a ser estorietas? Os aficcionados em quadrinhos passariam a usar EQ em vez do consagrado HQ? Como se vê, "muito trabalho por nada", como reza a comédia de Shakespeare.
De qualquer forma, o uso de estória poderia ter ficado confinado ao mundo do Folclore, onde talvez fosse de alguma utilidade. Afinal, não é incomum que certas áreas do pensamento postulem, para uso exclusivo, vocábulos novos ou variações fonológicas ou ortográficas de vocábulos antigos, no afã de obter maior precisão em seus conceitos. Isso se verifica, por exemplo, na Filosofia, na Lógica, na Lingüística, na Psicanálise (onde me chama a atenção a impressionante inquietação lingüística dos lacanianos). Como é natural, essas variantes vão fazer parte de um código específico, cujo emprego passa a ser indispensável para os especialistas dessa área, mas não entram no grande caudal da língua comum. A criação, a utilização e, muito seguidamente, a agonia e morte dessas formas são registradas em discretos dicionários especializados, convenientemente isolados do grande rebanho representado pelos dicionários de uso.
Infelizmente, como nos piores pesadelos dos ecologistas, estória rompeu as cercas de segurança, saiu do pequeno rincão do Folclore e invadiu nossas vidas. O responsável por isso foi João Guimarães Rosa (pudera não!). Como escreve meu mestre Celso Pedro Luft, com uma ponta de inesperada ironia, Rosa decidiu "glorificar, imortalizar a ausência do agá: Primeiras Estórias. Corriam os anos de 1962. Primeiras estórias ... todos os fãs do mineiro imortal ficaram absolutamente alucinados. E foi estória para cá, estória para lá, estória para todos os lados. Uma epidemia. Perdão, uma glória". Depois, em 1967 veio Tutaméia, com o subtítulo "Terceiras Estórias", e o póstumo Estas Estórias, publicado em 1969. Muito tem sido escrito sobre a inovação da linguagem rosiana; a sintaxe de seu narrador é, a meu ver, a criação literária do século. No entanto, sou obrigado a observar que, em termos não-literários, essa inovação é zero. Nenhuma das palavras montadas, deformadas ou inventadas por ele jamais será usada, a não ser por imitadores (que já andam escasseando...). É uma linguagem só dele; funciona admiravelmente no universo de sua obra, mas é seu instrumento pessoal, e nunca será nosso. Ouso dizer que a única influência rosiana no Português foi a divulgação desse equívoco que é estória. Tenho certeza de que Guimarães Rosa, místico de quatro costados, entenderia: deve ser vingança dos deuses da Língua.
Comentário de Roberto Moreno na secção "Links" (http://www.terra.com.br/sualingua/):«Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Este é o sítio mais tradicional sobre questões de Língua Portuguesa. Você pergunta, e uma simpática "equipa, orientada pelo Conselho Científico da Sociedade da Língua Portuguesa, responder-lhe-á o mais depressa possível" (pelo vocábulo equipa e pela mesóclise, você já deverá ter percebido que os autores são de Portugal). Tem uma estrutura bem prática; seu valioso arquivo de perguntas respondidas desde 1997 pode ser pesquisado com um mecanismo de busca. Infelizmente a "equipa" que responde às consultas é muito desigual; alguns de seus integrantes pouco ou quase nada entendem do assunto. No entanto, como todas as respostas são assinadas, fique atento às iniciais JNH, que identificam o material produzido por José Neves Henriques, qualificado na ficha de colaboradores como "professor aposentado, membro do Conselho Científico e director do boletim da Sociedade da Língua Portuguesa, licenciado, com tese, em Filologia Clássica pela Universidade de Lisboa e autor de várias obras de referência". Este realmente sabe o que faz; embora siga uma orientação um tanto tradicional, suas contribuições são constrangedoramente mais valiosas que as de seus parceiros. Até agora, todos os textos que li com a rubrica JNH impressionam pela solidez do conhecimento e seriedade com que trata cada tópico discutido.»
Sobre o Autor
Doutor em Letras pela PUCRS (Rio Grande, RS, Brasil), Cláudio Moreno é professor de Português nesta universidade e autor do consultório da Internet "Língua Portuguesa".
2010/09/28
O Desconforto de Mourinho
O Director Adjunto da Marca escreve no DN às terças.
Para conferir no final da época.
por SANTIAGO SEGUROLA
Um bom amigo madridista disse-me que teme os jogos da sua equipa, porque o melhor acontece na terceira parte: nas conferências de imprensa de Mourinho. Os adeptos aborrecem-se no Bernabéu, mas ouvem o treinador na rádio. Mourinho é o homem que melhor compreende o valor dos meios de comunicação para difundir as mensagens que lhe interessam. A última refere-se ao escasso rendimento nos remates. O Real Madrid disparou 105 vezes e só marcou seis golos em cinco jogos. É a sua maneira de justificar o decepcionante início de temporada da equipa. A insistência de Mourinho em assinalar as ocasiões de golo tem um questionável valor estatístico. A equipa remata muito, mas nem sempre nas melhores condições. Abundam os remates precipitados, desnecessários ou tácticos. Sim, às vezes parece que o Madrid prefere acabar as jogadas com um mau remate, para se ordenar melhor no capítulo defensivo. São truques do futebol actual que não ligam bem com o jogo. Pelos vistos agradam a Mourinho, que tira partido disso. Um dos problemas que Mourinho poderá encontrar é o escasso apreço do Real Madrid pela estatística. Pelo menos esta época. Por cada dado estatístico, o Barça avança com um melhor. Pellegrini foi despedido depois de conseguir um número recorde de pontos (96) e 102 golos, a segunda cifra mais elevada da sua história. O problema é que o Barça teve 99 pontos e ganhou a Liga. Ainda que o famoso terceiro tempo de Mourinho seja muito noticioso - com um evidente e bastante infantil interesse em utilizar o jornalismo como receptor dos seus jogos mentais -, os adeptos preocupam-se com outra coisa: o que se vê no relvado. Nesta perspectiva é curiosa a diferença de discurso entre Mourinho e Guardiola, o técnico do Barça. O treinador português destaca as oportunidades de golo; Guardiola, o jogo em si. Não se pode discutir a categoria de Mourinho como treinador. O seu currículo impressionante é sinónimo da sua categoria, mas em Espanha começam a descobrir-se-lhe vertentes que nunca se viram em Inglaterra, ou em Itália. No Chelsea, ocupou-se de uma equipa sem maiores exigências que os caprichos do magnata Abramovich. Excepto algum episódio isolado, o Chelsea nunca foi considerado um grande do futebol inglês. Com Mourinho e as petrolibras do empresário russo, a equipa viveu os seus melhores dias.A Itália sempre viu o prazer estético como uma debilidade no futebol, por contraditório que parece num país que adora a sua beleza. Lá só importa a rentabilidade estatística. A aventura no Inter ajustou-se a esse princípio básico. Agora a Mourinho não se explica porque se lhe exigem que o Madrid jogue bem. A razão é simples: em Espanha importa, e muito, o bom futebol. Esta realidade, tão absurda noutros países, foi a que produziu equipas como o Real Madrid da Quinta del Buitre, o Barça de Cruyff e o impressionante Barça de Guardiola. A decantação natural desta cultura futebolística é a selecção espanhola. Na véspera da meia-final do Campeonato do Mundo, frente à Alemanha, ainda se discutia sobre a conveniência de jogar com um ou dois pivôs no meio campo. Soa a extravagância, mas é assim o futebol espanhol. Mourinho tem as qualidades de um camaleão. Adapta-se a qualquer circunstância. Agora terá de o fazer face às singulares exigências do Madrid e de La Liga. O homem sente-se desconfortável, por isso convém-lhe não confrontar uma cultura futebolística tão definida, ou incorrerá em grave equívoco.
Para conferir no final da época.
por SANTIAGO SEGUROLA
Um bom amigo madridista disse-me que teme os jogos da sua equipa, porque o melhor acontece na terceira parte: nas conferências de imprensa de Mourinho. Os adeptos aborrecem-se no Bernabéu, mas ouvem o treinador na rádio. Mourinho é o homem que melhor compreende o valor dos meios de comunicação para difundir as mensagens que lhe interessam. A última refere-se ao escasso rendimento nos remates. O Real Madrid disparou 105 vezes e só marcou seis golos em cinco jogos. É a sua maneira de justificar o decepcionante início de temporada da equipa. A insistência de Mourinho em assinalar as ocasiões de golo tem um questionável valor estatístico. A equipa remata muito, mas nem sempre nas melhores condições. Abundam os remates precipitados, desnecessários ou tácticos. Sim, às vezes parece que o Madrid prefere acabar as jogadas com um mau remate, para se ordenar melhor no capítulo defensivo. São truques do futebol actual que não ligam bem com o jogo. Pelos vistos agradam a Mourinho, que tira partido disso. Um dos problemas que Mourinho poderá encontrar é o escasso apreço do Real Madrid pela estatística. Pelo menos esta época. Por cada dado estatístico, o Barça avança com um melhor. Pellegrini foi despedido depois de conseguir um número recorde de pontos (96) e 102 golos, a segunda cifra mais elevada da sua história. O problema é que o Barça teve 99 pontos e ganhou a Liga. Ainda que o famoso terceiro tempo de Mourinho seja muito noticioso - com um evidente e bastante infantil interesse em utilizar o jornalismo como receptor dos seus jogos mentais -, os adeptos preocupam-se com outra coisa: o que se vê no relvado. Nesta perspectiva é curiosa a diferença de discurso entre Mourinho e Guardiola, o técnico do Barça. O treinador português destaca as oportunidades de golo; Guardiola, o jogo em si. Não se pode discutir a categoria de Mourinho como treinador. O seu currículo impressionante é sinónimo da sua categoria, mas em Espanha começam a descobrir-se-lhe vertentes que nunca se viram em Inglaterra, ou em Itália. No Chelsea, ocupou-se de uma equipa sem maiores exigências que os caprichos do magnata Abramovich. Excepto algum episódio isolado, o Chelsea nunca foi considerado um grande do futebol inglês. Com Mourinho e as petrolibras do empresário russo, a equipa viveu os seus melhores dias.A Itália sempre viu o prazer estético como uma debilidade no futebol, por contraditório que parece num país que adora a sua beleza. Lá só importa a rentabilidade estatística. A aventura no Inter ajustou-se a esse princípio básico. Agora a Mourinho não se explica porque se lhe exigem que o Madrid jogue bem. A razão é simples: em Espanha importa, e muito, o bom futebol. Esta realidade, tão absurda noutros países, foi a que produziu equipas como o Real Madrid da Quinta del Buitre, o Barça de Cruyff e o impressionante Barça de Guardiola. A decantação natural desta cultura futebolística é a selecção espanhola. Na véspera da meia-final do Campeonato do Mundo, frente à Alemanha, ainda se discutia sobre a conveniência de jogar com um ou dois pivôs no meio campo. Soa a extravagância, mas é assim o futebol espanhol. Mourinho tem as qualidades de um camaleão. Adapta-se a qualquer circunstância. Agora terá de o fazer face às singulares exigências do Madrid e de La Liga. O homem sente-se desconfortável, por isso convém-lhe não confrontar uma cultura futebolística tão definida, ou incorrerá em grave equívoco.
2010/09/27
ElvisPresley&Martina MacBride
Ele morreu em 77 ... Ela nasceu em 66.
Vídeo excelente, difícil acreditar que se trata de uma montagem.
A aparição da cantora está perfeita e a reação do público quando ela entra em cena, ídem.
O trecho em que ela canta e o Elvis apenas toca, nem se fala.A única observação é que ele só olha para o lado em que ela está no fim da apresentação.
É montagem mesmo, e quem a fez é muito bom
Este encontro (digital) entre Elvis e Martina, tem 40 anos de diferença no tempo de cada artista.
Elvis estava em 1968 quando fez esta gravação, (morreu em1977) e esta montagem foi feita por Martina em 2008.
Vídeo excelente, difícil acreditar que se trata de uma montagem.
A aparição da cantora está perfeita e a reação do público quando ela entra em cena, ídem.
O trecho em que ela canta e o Elvis apenas toca, nem se fala.A única observação é que ele só olha para o lado em que ela está no fim da apresentação.
É montagem mesmo, e quem a fez é muito bom
Este encontro (digital) entre Elvis e Martina, tem 40 anos de diferença no tempo de cada artista.
Elvis estava em 1968 quando fez esta gravação, (morreu em1977) e esta montagem foi feita por Martina em 2008.
A Festa do Avante
Enviaram-me este texto supostamente escrito pelo MEC embora não seja referida a data nem onde foi publicado.
Pelo estilo atrevo-me a supor que sim que foi ele que escreveu, embora...
Um reparo descoberto pelo meu amigo Luís Botto.
13 de Setembro de 2007 foi uma quinta-feira e não um sábado como vem lá em baixo.
De qualquer modo assino por baixo o escrito.
Aqui vai:
*Artigo de Miguel Esteves Cardoso*.
“Dizem-se muitas mentiras acerca da Festa do Avante! Estas são as maispopulares: que é irrelevante; que é um anacronismo; que é decadente; que éum grande negócio disfarçado de festa; que já perdeu o conteúdo político;que hoje é só comes e bebes.
Já é a Segunda vez que lá vou e posso garantir que não é nada dessas coisase que não só é escusado como perigoso fingir que é. Porque a verdadeverdadinha é que a Festa do Avante faz um bocadinho de medo.
O que se segue não é tanto uma crónica sobre essa festa como a reportagem deum preconceito acerca dela - um preconceito gigantesco que envolve a grandemaioria dos portugueses. Ou pelo menos a mim.
Porque é que a Festa do Avante faz medo?
É muita gente; muita alegria; muita convicção; muito propósito comum.
Pode não ser de bom-tom dizê-lo, mas o choque inicial é sempre o mesmo:chiça!, Afinal os comunistas são mais que as mães. E bem dispostos. Porquêtão bem dispostos? O que é que eles sabem que eu ainda não sei?
É sempre desconfortável estar rodeado por pessoas com ideias contrárias àsnossas. Mas quando a multidão é gigante e a ideia é contrária é só uma só –então, muito francamente, é aterrador.
Até por uma questão de respeito, o Partido Comunista Português merece que setenha medo dele. Tratá-lo como uma relíquia engraçada do século XX é umadesconsideração e um perigo. Mal por mal, mais vale acreditar que comemcriancinhas ao pequeno-almoço.
BEM SEI QUE A condescendência é uma arma e que fica bem elogiar oscomunistas como fiéis aos princípios e tocantemente inamovíveis,coitadinhos.
É esta a maneira mais fácil de fingir que não existem e de esperar, com todaa estupidez, que, se os ignoramos, acabarão por se ir embora.
As festas do Avante, por muito que custe aos anticomunistas reconhecê-lo,são magníficas.
É espantoso ver o que se alcança com um bocadinho de colaboração. Não só nosentido verdadeiro, de trabalhar com os outros, como no nobre, que étrabalhar de graça.
A condescendência leva-nos a alvitrar que “assim também eu” e que as festasdos outros partidos também seriam boas caso estivessem um ano inteiro aprepará-las. Está bem, está: nem assim iam lá. Porque não basta trabalhar:também é preciso querer mudar o mundo. E querer só por si, não chega. Épreciso ter a certeza que se vai mudá-lo.
Em vez de usar, para explicar tudo, o velho chavão da “ capacidade deorganização” do velho PCP, temos é que perguntar porque é que se dão aotrabalho de se organizarem.
Porque os comunistas não se limitam a acreditar que a história lhes darárazão: acreditam que são a razão da própria história. É por isso que nãopodem parar; que aguentam todas as derrotas e todos os revezes; que sãodotados de uma avassaladora e paradoxalmente energética paciência; porqueacreditam que são a última barreira entre a civilização e a selvajaria. Etalvez sejam. Basta completar a frase "Se não fossem os comunistas, hoje nãohaveria..." e compreende-se que, para eles, são muitas as conquistasmeramente "burguesas " que lhe devemos, como o direito à greve e à liberdadede expressão.
É por isso que não se sentem “derrotados”. O desaparecimento da URSS, porexemplo, pode ter sido chato mas, na amplitude do panoramamarxista-leninista, foi apenas um contratempo. Mas não é só por isso que aFesta do Avante faz medo. Também porque é convincente. Os comunas não sósabem divertir-se como são mestres, como nunca vi, do à-vontade. Todos fazemo que lhes apetece, sem complexos nem receios de qualquer espécie. Até oshow off é mínimo e saudável.
Toda a gente se trata da mesma maneira, sem falsas distâncias nemproximidades. Ninguém procura controlar, convencer ou impressionar ninguém.As palavras são ditas conforme saem e as discussões são espontâneas eanimadas. É muito refrescante esta honestidade. É bom (mas raro) uma pessoasentir-se à vontade em público. Na Festa do Avante é automático.
Dava-nos jeito que se vestissem todos da mesma maneira e dissessem efizessem as mesmas coisas - paciência. Dava-nos jeito que estivessemeufóricos; tragicamente iluminados pela inevitabilidade do comunismo - masnão estão. Estão é fartos do capitalismo - e um bocadinho zangados.
Não há psicologias de multidões para ninguém: são mais que muitos, mas cadaum está na sua. Isto é muito importante. Ninguém ali está a ser levado oufoi trazido ou está só por estar. Nada é forçado. Não há chamarizes nemcompulsões. Vale tudo até o aborrecimento. Ou seja: é o contrário do que sepensa quando se pensa num comício ou numa festa obrigatória. Muito menoscomunista.
Sabe bem passear no meio de tanta rebeldia. Sabe bem ficar confuso.
Todos os portugueses haviam de ir de cinco em cinco anos a uma Festa doAvante, só para enxotar estereótipos e baralhar ideias.
Convinha-nos pensar que as comunas eram um rebanho mas a parecença é maiscom um jardim zoológico inteiro. Ali uma zebra; em frente um leão e umflamingo; aqui ao lado uma manada de guardas a dormir na relva.
QUANDO SE CHEGA à Festa o que mais impressiona é a falta de paranóia.
Ninguém está ansioso, a começar pelos seguranças que nos deixam passar sócom um sorriso, sem nos vasculhar as malas ou apalpar as ancas. Em matériade livre de trânsito, é como voltar aos anos 60.
Só essa ausência de suspeita vale o preço do bilhete. Nos tempos que correm,vale ouro. Há milhares de pessoas a entrar e a sair mas não há bichas. Acirculação é perfeitamente sanguínea. É muito bom quando não desconfiamos denós.
Mesmo assim tenho de confessar, como reaccionário que sou, que me passoupela cabeça que a razão de tanta preocupação talvez fosse a probabilidade detodos os potenciais bombistas já estarem lá dentro, nos pavilhõesinternacionais, a beber copos uns com os outros e a divertirem-se.
A Festa do Avante é sempre maior do que se pensa. Está muito bem arrumada aoponto de permitir deambulações e descobertas alegres. Ao admirar agrandiosidade das avenidas e dos quarteirões de restaurantes, representandoo país inteiro e os PALOP, é difícil não pensar numa versão democrática daExposição do Mundo Português, expurgada de pompa e de artifício. E desalazarismo, claro.
Assim se chega a outro preconceito conveniente. Dava-nos jeito que a festado PCP fosse partidária, sectária e ideologicamente estrangeirada. Naverdade, não podia ser mais portuguesa e saudavelmente nacionalista.
O desaparecimento da União Soviética foi, deste ponto de vista,particularmente infeliz por ter eliminado a potência cujas ordens eramcegamente obedecidas pelo PCP.
Sem a orientação e o financiamento de Moscovo, o PCP deveria ter tambémfenecido e finado. Mas não: ei-lo. Grande chatice.
Quer se queira quer não (eu não queria), sente-se na Festa do Avante!
Que está ali uma reserva ecológica de Portugal. Se por acaso falharem osmodelos vigentes, poderemos ir buscar as sementes e os enxertos para começartudo o que é Portugal outra vez.
A teimosia comunista é culturalmente valiosa porque é a nossa própriacultura que é teimosa. A diferença às modas e às tendências dos comunistasnão é uma atitude: é um dos resultados daquela persistência dos nossoshábitos. Não é uma defesa ideológica: é uma prática que reforça e eternizasó por ser praticada. (Fiquemos por aqui que já estou a escrever àcomunista).
A Exposição do Mundo português era “para inglês ver”, mas a Festa do Avante!Em muitos aspectos importantes, parece mesmo inglesa. Para mais, inglesa nosentido irreal. As bichas, direitinhas e céleres, não podiam ser menosportuguesas. Nem tão-pouco a maneira como cada pessoa limpa a mesa antes dese levantar, deixando-a impecável.
As brigadas de limpeza por sua vez, estão sempre a passar, recolhendo esubstituindo os sacos do lixo. Para uma festa daquele tamanho, com tantagente a divertir-se, a sujidade é quase nenhuma. É maravilhoso ver oresultado de tanto civismo individual e de tanta competência administrativa.Raios os partam.
Se a Festa do Avante dá uma pequena ideia de como seria Portugal semandassem os comunistas, confessemos que não seria nada mau. A coisa estátão bem organizada que não se vê. Passa-se o mesmo com os seguranças -atentos mas invisíveis e deslizantes, sem interromper nem intimidar umamosca.
O preconceito anticomunista dá-os como disciplinados e regimentados – secalhar, estamos a confundi-los com a Mocidade portuguesa. Não são nadadisso. A Festa funciona para que eles não tenham de funcionar. Ao contráriode tantos festivais apolíticos, não há pressa; a ansiedade da diversão; ocumprimento de rotinas obrigatórias; a preocupação com a aparência. Há até,sem se sentir ameaçado por tudo o que se passa à volta, um saudável tédio,de piquenique depois de uma barrigada, à espera da ocupação do sono.
Quando se fala na capacidade de “mobilização” do PCP pretende-se criar aimpressão de que os militantes são autómatos que acorrem a cada toque desineta. Como falsa noção, é até das mais tranquilizadoras.
Para os partidos menos mobilizadores, diante do fiasco das suas festas,consola pensar que os comunistas foram submetidos a uma lavagem ao cérebro.
Nem vale a pena indagar acerca da marca do champô.
Enquanto os outros partidos puxam dos bolsos para oferecer concertos deborla, a que assistem apenas familiares e transeuntes, a Festa do Avanteenche-se de entusiásticos pagadores de bilhetes.
E porquê? Porque é a festa de todos eles. Eles não só querem lá estar comogostam de lá estar. Não há a distinção entre “nós” dirigentes e “eles”militantes, que impera nos outros partidos. Há um tu-cá-tu-lá quase de festade finalistas.
É UM ALÍVIO A FALTA de entusiasmo fabricado – e, num sentido geral deesforço. Não há consensos propostos ou unanimidades às quais aderir.
Uns queixam-se de que já não é o que era e que dantes era melhor; outros quenunca foi tão bom.
É claro que nada disto será novidade para quem lá vai. Parece óbvio.
Mas para quem gosta de dar uma sacudidela aos preconceitos anticomunista éum exercício de higiene mental.
Por muito que custe dize-lo, o preconceito - base, dos mais ligeirossnobismos e sectarismos ao mais feroz racismo, anda sempre à volta da noçãode que “eles não são como nós”. É muito conveniente esta separação. Ma é tãoténue que basta uma pequena aproximação para perceber, de repente, que“afinal eles são como nós”
Uma vez passada a tristeza pelo desaparecimento da justificação da nossasuperioridade (e a vergonha por ter sido tão simples), sente-se de novorespeito pela cabeça de cada um.
Espero que não se ofendam os sportinguistas e comunistas quando eu disserque estar na Festa do Avante! Foi como assistir à festa de rua quando oSporting ganhou o campeonato. Até aí eu tinha a ideia, como sábiobenfiquista, que os sportinguistas eram uma minúscula agremiação de quequesem que um dos requisitos fundamentais era não gostar muito de futebol.
Quando vi as multidões de sportinguistas a festejar – de todas as classes,cores e qualidades de camisolas -, fiquei tão espantado que ainda levei unsminutos a ficar profundamente deprimido.
POR OUTRO LADO, quando se vê que os comunistas não fazem o favor decorresponder à conveniência instantaneamente arrumável das nossasexpectativas – nem o PCP é o IKEA - a primeira reacção é de canseira.
Como quem diz:”Que chatice – não só não são iguais ao que eu pensava comosão todos diferentes. Vou ter de avaliá-los um a um. Estou tramado. Nuncamais saio daqui.”
Nem tão pouco há a consolação ilusória do pick and choose.
.É uma sólida tradição dizer que temos de aprender com os comunistas...Infelizmente é impossível. Ser-se comunista é uma coisa inteira e não sepode estar a partir aos bocados. A força dos comunistas não é o sonho nem asaudade: é o dia-a dia; é o trabalho; é o ir fazendo; e resistindo, nasfestas como nas lutas.
Hás uma frase do Jerónimo de Sousa no comício de encerramento que diz tudo.A propósito de Cuba (que não está a atravessar um período particularmentefeliz), diz que “resistir já é vencer”.
É verdade – sobretudo se dermos a devida importância ao “já”. Aquele “já” éo contrário da pressa, mas é também “agora”.
Na Festa do Avante! Não se vêem comunistas desiludidos ou frustrados.
Nem tão pouco delirantemente esperançosos. A verdade é que se sente aconsciência de que as coisas, por muito más que estejam, poderiam estarpiores. Se não fossem os comunistas: eles.
Há um contentamento que é próprio dos resistentes. Dos que existem apesar dea maioria os considerar ultrapassados, anacrónicos, extintos. Há um prazerna teimosia; em ser como se é. Para mais, a embirração dos comunistas,comparada com as dos outros partidos, é clássica e imbatível: a pobreza. DePortugal e de metade do mundo, num Portugal e num mundo onde uns poucos têmmuito mais do que alguma vez poderiam precisar.
NA FESTA DO AVANTE! Sente-se a satisfação de chatear. O PCP chateia.
Os sindicatos chateiam. A dimensão e o êxito da Festa chateiam. Põem emcausa as desculpas correntes da apatia. Do ensimesmamento online, dorelativismo ou niilismo ideológico. Chatear é uma forma especialmente eficazde resistir. Pode ser miudinho – mas, sendo constante, faz a diferença.
Resistir é já vencer. A Festa do Avante é uma vitória anualmente renovada eampliada dessa resistência. ... Verdade se diga, já não é sem dificuldadeque resisto. Quando se despe um preconceito, o que é que se veste em vezdele? Resta-me apenas a independência de espírito para exprimir a únicareacção inteligente a mais uma Festa do Avante:
dar os parabéns a quem a fez e mais outros a quem lá esteve. Isto é, no casopouco provável de não serem as mesmíssimas pessoas.
Parabéns! E, para mais, pouquíssimo contrariado.”(E só com um bocadinho denada com medo).
SÁBADO dia 13 de Setembro de 2007
Pelo estilo atrevo-me a supor que sim que foi ele que escreveu, embora...
Um reparo descoberto pelo meu amigo Luís Botto.
13 de Setembro de 2007 foi uma quinta-feira e não um sábado como vem lá em baixo.
De qualquer modo assino por baixo o escrito.
Aqui vai:
*Artigo de Miguel Esteves Cardoso*.
“Dizem-se muitas mentiras acerca da Festa do Avante! Estas são as maispopulares: que é irrelevante; que é um anacronismo; que é decadente; que éum grande negócio disfarçado de festa; que já perdeu o conteúdo político;que hoje é só comes e bebes.
Já é a Segunda vez que lá vou e posso garantir que não é nada dessas coisase que não só é escusado como perigoso fingir que é. Porque a verdadeverdadinha é que a Festa do Avante faz um bocadinho de medo.
O que se segue não é tanto uma crónica sobre essa festa como a reportagem deum preconceito acerca dela - um preconceito gigantesco que envolve a grandemaioria dos portugueses. Ou pelo menos a mim.
Porque é que a Festa do Avante faz medo?
É muita gente; muita alegria; muita convicção; muito propósito comum.
Pode não ser de bom-tom dizê-lo, mas o choque inicial é sempre o mesmo:chiça!, Afinal os comunistas são mais que as mães. E bem dispostos. Porquêtão bem dispostos? O que é que eles sabem que eu ainda não sei?
É sempre desconfortável estar rodeado por pessoas com ideias contrárias àsnossas. Mas quando a multidão é gigante e a ideia é contrária é só uma só –então, muito francamente, é aterrador.
Até por uma questão de respeito, o Partido Comunista Português merece que setenha medo dele. Tratá-lo como uma relíquia engraçada do século XX é umadesconsideração e um perigo. Mal por mal, mais vale acreditar que comemcriancinhas ao pequeno-almoço.
BEM SEI QUE A condescendência é uma arma e que fica bem elogiar oscomunistas como fiéis aos princípios e tocantemente inamovíveis,coitadinhos.
É esta a maneira mais fácil de fingir que não existem e de esperar, com todaa estupidez, que, se os ignoramos, acabarão por se ir embora.
As festas do Avante, por muito que custe aos anticomunistas reconhecê-lo,são magníficas.
É espantoso ver o que se alcança com um bocadinho de colaboração. Não só nosentido verdadeiro, de trabalhar com os outros, como no nobre, que étrabalhar de graça.
A condescendência leva-nos a alvitrar que “assim também eu” e que as festasdos outros partidos também seriam boas caso estivessem um ano inteiro aprepará-las. Está bem, está: nem assim iam lá. Porque não basta trabalhar:também é preciso querer mudar o mundo. E querer só por si, não chega. Épreciso ter a certeza que se vai mudá-lo.
Em vez de usar, para explicar tudo, o velho chavão da “ capacidade deorganização” do velho PCP, temos é que perguntar porque é que se dão aotrabalho de se organizarem.
Porque os comunistas não se limitam a acreditar que a história lhes darárazão: acreditam que são a razão da própria história. É por isso que nãopodem parar; que aguentam todas as derrotas e todos os revezes; que sãodotados de uma avassaladora e paradoxalmente energética paciência; porqueacreditam que são a última barreira entre a civilização e a selvajaria. Etalvez sejam. Basta completar a frase "Se não fossem os comunistas, hoje nãohaveria..." e compreende-se que, para eles, são muitas as conquistasmeramente "burguesas " que lhe devemos, como o direito à greve e à liberdadede expressão.
É por isso que não se sentem “derrotados”. O desaparecimento da URSS, porexemplo, pode ter sido chato mas, na amplitude do panoramamarxista-leninista, foi apenas um contratempo. Mas não é só por isso que aFesta do Avante faz medo. Também porque é convincente. Os comunas não sósabem divertir-se como são mestres, como nunca vi, do à-vontade. Todos fazemo que lhes apetece, sem complexos nem receios de qualquer espécie. Até oshow off é mínimo e saudável.
Toda a gente se trata da mesma maneira, sem falsas distâncias nemproximidades. Ninguém procura controlar, convencer ou impressionar ninguém.As palavras são ditas conforme saem e as discussões são espontâneas eanimadas. É muito refrescante esta honestidade. É bom (mas raro) uma pessoasentir-se à vontade em público. Na Festa do Avante é automático.
Dava-nos jeito que se vestissem todos da mesma maneira e dissessem efizessem as mesmas coisas - paciência. Dava-nos jeito que estivessemeufóricos; tragicamente iluminados pela inevitabilidade do comunismo - masnão estão. Estão é fartos do capitalismo - e um bocadinho zangados.
Não há psicologias de multidões para ninguém: são mais que muitos, mas cadaum está na sua. Isto é muito importante. Ninguém ali está a ser levado oufoi trazido ou está só por estar. Nada é forçado. Não há chamarizes nemcompulsões. Vale tudo até o aborrecimento. Ou seja: é o contrário do que sepensa quando se pensa num comício ou numa festa obrigatória. Muito menoscomunista.
Sabe bem passear no meio de tanta rebeldia. Sabe bem ficar confuso.
Todos os portugueses haviam de ir de cinco em cinco anos a uma Festa doAvante, só para enxotar estereótipos e baralhar ideias.
Convinha-nos pensar que as comunas eram um rebanho mas a parecença é maiscom um jardim zoológico inteiro. Ali uma zebra; em frente um leão e umflamingo; aqui ao lado uma manada de guardas a dormir na relva.
QUANDO SE CHEGA à Festa o que mais impressiona é a falta de paranóia.
Ninguém está ansioso, a começar pelos seguranças que nos deixam passar sócom um sorriso, sem nos vasculhar as malas ou apalpar as ancas. Em matériade livre de trânsito, é como voltar aos anos 60.
Só essa ausência de suspeita vale o preço do bilhete. Nos tempos que correm,vale ouro. Há milhares de pessoas a entrar e a sair mas não há bichas. Acirculação é perfeitamente sanguínea. É muito bom quando não desconfiamos denós.
Mesmo assim tenho de confessar, como reaccionário que sou, que me passoupela cabeça que a razão de tanta preocupação talvez fosse a probabilidade detodos os potenciais bombistas já estarem lá dentro, nos pavilhõesinternacionais, a beber copos uns com os outros e a divertirem-se.
A Festa do Avante é sempre maior do que se pensa. Está muito bem arrumada aoponto de permitir deambulações e descobertas alegres. Ao admirar agrandiosidade das avenidas e dos quarteirões de restaurantes, representandoo país inteiro e os PALOP, é difícil não pensar numa versão democrática daExposição do Mundo Português, expurgada de pompa e de artifício. E desalazarismo, claro.
Assim se chega a outro preconceito conveniente. Dava-nos jeito que a festado PCP fosse partidária, sectária e ideologicamente estrangeirada. Naverdade, não podia ser mais portuguesa e saudavelmente nacionalista.
O desaparecimento da União Soviética foi, deste ponto de vista,particularmente infeliz por ter eliminado a potência cujas ordens eramcegamente obedecidas pelo PCP.
Sem a orientação e o financiamento de Moscovo, o PCP deveria ter tambémfenecido e finado. Mas não: ei-lo. Grande chatice.
Quer se queira quer não (eu não queria), sente-se na Festa do Avante!
Que está ali uma reserva ecológica de Portugal. Se por acaso falharem osmodelos vigentes, poderemos ir buscar as sementes e os enxertos para começartudo o que é Portugal outra vez.
A teimosia comunista é culturalmente valiosa porque é a nossa própriacultura que é teimosa. A diferença às modas e às tendências dos comunistasnão é uma atitude: é um dos resultados daquela persistência dos nossoshábitos. Não é uma defesa ideológica: é uma prática que reforça e eternizasó por ser praticada. (Fiquemos por aqui que já estou a escrever àcomunista).
A Exposição do Mundo português era “para inglês ver”, mas a Festa do Avante!Em muitos aspectos importantes, parece mesmo inglesa. Para mais, inglesa nosentido irreal. As bichas, direitinhas e céleres, não podiam ser menosportuguesas. Nem tão-pouco a maneira como cada pessoa limpa a mesa antes dese levantar, deixando-a impecável.
As brigadas de limpeza por sua vez, estão sempre a passar, recolhendo esubstituindo os sacos do lixo. Para uma festa daquele tamanho, com tantagente a divertir-se, a sujidade é quase nenhuma. É maravilhoso ver oresultado de tanto civismo individual e de tanta competência administrativa.Raios os partam.
Se a Festa do Avante dá uma pequena ideia de como seria Portugal semandassem os comunistas, confessemos que não seria nada mau. A coisa estátão bem organizada que não se vê. Passa-se o mesmo com os seguranças -atentos mas invisíveis e deslizantes, sem interromper nem intimidar umamosca.
O preconceito anticomunista dá-os como disciplinados e regimentados – secalhar, estamos a confundi-los com a Mocidade portuguesa. Não são nadadisso. A Festa funciona para que eles não tenham de funcionar. Ao contráriode tantos festivais apolíticos, não há pressa; a ansiedade da diversão; ocumprimento de rotinas obrigatórias; a preocupação com a aparência. Há até,sem se sentir ameaçado por tudo o que se passa à volta, um saudável tédio,de piquenique depois de uma barrigada, à espera da ocupação do sono.
Quando se fala na capacidade de “mobilização” do PCP pretende-se criar aimpressão de que os militantes são autómatos que acorrem a cada toque desineta. Como falsa noção, é até das mais tranquilizadoras.
Para os partidos menos mobilizadores, diante do fiasco das suas festas,consola pensar que os comunistas foram submetidos a uma lavagem ao cérebro.
Nem vale a pena indagar acerca da marca do champô.
Enquanto os outros partidos puxam dos bolsos para oferecer concertos deborla, a que assistem apenas familiares e transeuntes, a Festa do Avanteenche-se de entusiásticos pagadores de bilhetes.
E porquê? Porque é a festa de todos eles. Eles não só querem lá estar comogostam de lá estar. Não há a distinção entre “nós” dirigentes e “eles”militantes, que impera nos outros partidos. Há um tu-cá-tu-lá quase de festade finalistas.
É UM ALÍVIO A FALTA de entusiasmo fabricado – e, num sentido geral deesforço. Não há consensos propostos ou unanimidades às quais aderir.
Uns queixam-se de que já não é o que era e que dantes era melhor; outros quenunca foi tão bom.
É claro que nada disto será novidade para quem lá vai. Parece óbvio.
Mas para quem gosta de dar uma sacudidela aos preconceitos anticomunista éum exercício de higiene mental.
Por muito que custe dize-lo, o preconceito - base, dos mais ligeirossnobismos e sectarismos ao mais feroz racismo, anda sempre à volta da noçãode que “eles não são como nós”. É muito conveniente esta separação. Ma é tãoténue que basta uma pequena aproximação para perceber, de repente, que“afinal eles são como nós”
Uma vez passada a tristeza pelo desaparecimento da justificação da nossasuperioridade (e a vergonha por ter sido tão simples), sente-se de novorespeito pela cabeça de cada um.
Espero que não se ofendam os sportinguistas e comunistas quando eu disserque estar na Festa do Avante! Foi como assistir à festa de rua quando oSporting ganhou o campeonato. Até aí eu tinha a ideia, como sábiobenfiquista, que os sportinguistas eram uma minúscula agremiação de quequesem que um dos requisitos fundamentais era não gostar muito de futebol.
Quando vi as multidões de sportinguistas a festejar – de todas as classes,cores e qualidades de camisolas -, fiquei tão espantado que ainda levei unsminutos a ficar profundamente deprimido.
POR OUTRO LADO, quando se vê que os comunistas não fazem o favor decorresponder à conveniência instantaneamente arrumável das nossasexpectativas – nem o PCP é o IKEA - a primeira reacção é de canseira.
Como quem diz:”Que chatice – não só não são iguais ao que eu pensava comosão todos diferentes. Vou ter de avaliá-los um a um. Estou tramado. Nuncamais saio daqui.”
Nem tão pouco há a consolação ilusória do pick and choose.
.É uma sólida tradição dizer que temos de aprender com os comunistas...Infelizmente é impossível. Ser-se comunista é uma coisa inteira e não sepode estar a partir aos bocados. A força dos comunistas não é o sonho nem asaudade: é o dia-a dia; é o trabalho; é o ir fazendo; e resistindo, nasfestas como nas lutas.
Hás uma frase do Jerónimo de Sousa no comício de encerramento que diz tudo.A propósito de Cuba (que não está a atravessar um período particularmentefeliz), diz que “resistir já é vencer”.
É verdade – sobretudo se dermos a devida importância ao “já”. Aquele “já” éo contrário da pressa, mas é também “agora”.
Na Festa do Avante! Não se vêem comunistas desiludidos ou frustrados.
Nem tão pouco delirantemente esperançosos. A verdade é que se sente aconsciência de que as coisas, por muito más que estejam, poderiam estarpiores. Se não fossem os comunistas: eles.
Há um contentamento que é próprio dos resistentes. Dos que existem apesar dea maioria os considerar ultrapassados, anacrónicos, extintos. Há um prazerna teimosia; em ser como se é. Para mais, a embirração dos comunistas,comparada com as dos outros partidos, é clássica e imbatível: a pobreza. DePortugal e de metade do mundo, num Portugal e num mundo onde uns poucos têmmuito mais do que alguma vez poderiam precisar.
NA FESTA DO AVANTE! Sente-se a satisfação de chatear. O PCP chateia.
Os sindicatos chateiam. A dimensão e o êxito da Festa chateiam. Põem emcausa as desculpas correntes da apatia. Do ensimesmamento online, dorelativismo ou niilismo ideológico. Chatear é uma forma especialmente eficazde resistir. Pode ser miudinho – mas, sendo constante, faz a diferença.
Resistir é já vencer. A Festa do Avante é uma vitória anualmente renovada eampliada dessa resistência. ... Verdade se diga, já não é sem dificuldadeque resisto. Quando se despe um preconceito, o que é que se veste em vezdele? Resta-me apenas a independência de espírito para exprimir a únicareacção inteligente a mais uma Festa do Avante:
dar os parabéns a quem a fez e mais outros a quem lá esteve. Isto é, no casopouco provável de não serem as mesmíssimas pessoas.
Parabéns! E, para mais, pouquíssimo contrariado.”(E só com um bocadinho denada com medo).
SÁBADO dia 13 de Setembro de 2007
Provérbio Chinês
O Jaime Bulhosa também vai às lojas dos chineses (perdão pela queixinha).
Entrei numa loja de chineses (um mundo de coisas ao preço da chuva) para comprar um porta-chaves que estava a precisar para juntar umas chaves suplentes que andam espalhadas há que tempos pela livraria. Reparei num expositor de porta-chaves com antigos provérbios escritos em chinês. Não chegavam a custar um euro. De imediato, e aleatoriamente, escolhi um. Por curiosidade perguntei o que aquele provérbio queria dizer. O empregado que não sabia falar bem português resolveu traduzir para inglês:
- Cheap things are not good, good things are not cheap.
Chinise Proverb
Ele riu, eu também.
Confere, diria eu.
2010/09/26
Os Escoceses e o Kilt
2010/09/24
QUEM TRAMOU PASSOS?
Coma a devida vénia a Eduardo Pitta a qui se transcreve o que lhe vai na alma.
A ver vamos, como diz o cego, se assim será:
Na Primavera de 1983, a crise económica e financeira obrigou o PS e o PSD a entenderem-se. Assim nasceu o IX Governo Constitucional, que tomou posse a 9 de Junho. Resultado de um acordo entre os dois partidos, Mário Soares chefiou um executivo com ministros socialistas (Almeida Santos, Jaime Gama e outros), social-democratas (Carlos Mota Pinto, Rui Machete e outros), renovadores (Francisco Sousa Tavares) e independentes (Ernâni Lopes e outros). Durou até 6 de Novembro de 1985. Nesses 29 meses, o governo do Bloco Central pôs as finanças do país em ordem. E pudemos entrar na Europa.Agora vivemos uma crise parecida. Mas, hoje mesmo, o PSD recusou conversações com o governo sobre o Orçamento de Estado para 2011. De Figueiró dos Vinhos, Cavaco já reagiu.Nada disto espanta. Os seis meses que Pedro Passos Coelho leva de líder do PSD demonstraram à saciedade que, salvo incidente de natureza imprevisível, a actual direcção laranja não formará o próximo governo. Não é difícil perceber porquê. Se o chumbo do OE 2011 mergulhar o país numa situação explosiva, Cavaco acertará com Sócrates (e não com outro) os detalhes de um governo de emergência que assegurará a legislatura. Se, com chumbo ou sem ele, a situação se aguentar, mais aperto menos aperto, Sócrates leva a legislatura ao fim com uma perna às costas. Não tenham ilusões: em nenhuma destas circunstâncias Cavaco (ou Alegre) facilitará o caminho a Passos Coelho. Entretanto, até 2013, o PSD se encarregará de trazer Rui Rio ao colo para Lisboa.
A ver vamos, como diz o cego, se assim será:
Na Primavera de 1983, a crise económica e financeira obrigou o PS e o PSD a entenderem-se. Assim nasceu o IX Governo Constitucional, que tomou posse a 9 de Junho. Resultado de um acordo entre os dois partidos, Mário Soares chefiou um executivo com ministros socialistas (Almeida Santos, Jaime Gama e outros), social-democratas (Carlos Mota Pinto, Rui Machete e outros), renovadores (Francisco Sousa Tavares) e independentes (Ernâni Lopes e outros). Durou até 6 de Novembro de 1985. Nesses 29 meses, o governo do Bloco Central pôs as finanças do país em ordem. E pudemos entrar na Europa.Agora vivemos uma crise parecida. Mas, hoje mesmo, o PSD recusou conversações com o governo sobre o Orçamento de Estado para 2011. De Figueiró dos Vinhos, Cavaco já reagiu.Nada disto espanta. Os seis meses que Pedro Passos Coelho leva de líder do PSD demonstraram à saciedade que, salvo incidente de natureza imprevisível, a actual direcção laranja não formará o próximo governo. Não é difícil perceber porquê. Se o chumbo do OE 2011 mergulhar o país numa situação explosiva, Cavaco acertará com Sócrates (e não com outro) os detalhes de um governo de emergência que assegurará a legislatura. Se, com chumbo ou sem ele, a situação se aguentar, mais aperto menos aperto, Sócrates leva a legislatura ao fim com uma perna às costas. Não tenham ilusões: em nenhuma destas circunstâncias Cavaco (ou Alegre) facilitará o caminho a Passos Coelho. Entretanto, até 2013, o PSD se encarregará de trazer Rui Rio ao colo para Lisboa.
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2010/09/23
Crónicas de Pequim - A Grande Muralha
No dia seguinte alugámos um carro com motorista e guia.
Por mais ou menos 160€ o passeio incluía uma visita aos Túmulos da Dinastia Ming um almoço para os dois, visita a uma empresa de artesanto especializade em Jade de onde comprei uma peça lindissima e uma visita à Grande Muralha
Por mais ou menos 160€ o passeio incluía uma visita aos Túmulos da Dinastia Ming um almoço para os dois, visita a uma empresa de artesanto especializade em Jade de onde comprei uma peça lindissima e uma visita à Grande Muralha
Crónicas de Pequim - A Cidade Proíbida
Chegamos a Pequim às 09.30h depois de um voo que durou 09.30h.
Dada a diferença horária a coisa estava pelas nossas 3 da manhã a acrescer à duração do voo.
A ida para o Hotel foi tenebrosa. Nunca mais vou reclamar com os nossos engarrafamentos de trânsito porque lá são gigantescos.
Arredondando a coisa, entre esperar pelas malas, percurso até ao Hotel, Check-in, estendi-me na cama gigantesca do Marriot Old Wall pela uma da tarde. Completamente destruído.
Duas horas depois decidi ir à Praça Tianamen e à CidadeProíbida.
Começou aprimeira aventura. No hotel perguntamos como ir e disseram-nos apara apanhar o autocarro 10. Talvez por falta de comunicação percebemos o lado errado a rua e em resultado o 10 passava e não se viam paragens para o mesmo. Ao fim de uns bons 3 quilómetros lá encontrámos uma paragem do 10 para constatar que a Praça Tianmen ficava 2 quarteirôes de distância!!!! (aí começou a destruição do meu joelho direito).
A Praça é gigantesca.
De um lado o Mausoléu do Mao com a Cidade Proíbida por detrás.
Do outro não se consegue ver o fim. Fantástico.
A Cidade Proíbida é enorme mas a arquitectura é muito repetitiva, o que alías é uma constante em todos templos, palácios e jardins onde estive.
Parece haver uma arquitectura, estilo, maneira de construir que atravessou milénios sem alteração.
Suponho que isto se prende com a atitude conservadora dos povos do oriente desde a China ao Japão, passando pela Tailandia e Indonésia. Passaram incolumes durante milénios directamente para o sec. XX. Talvez também tenha a ver com o facto de ser um único país com uma hierarquia estável durante milénios e onde também não havia separação entre "Igreja" e "Estado".
Na Europa passamos durante este tempo todo pelo Românico, Gótico, Barroco, para só falar nos principais, mas lá parece que tudo ficou imutável durante todo este tempo.
De qualquer modo a sensação é esmagadora sobretudo pelo gigantismo de tudo aquilo e a opulência que pressupôe.
Resta ficar sentado e imaginar como era. O Último Imperador dá uma ajuda.
Algumas imagens dão uma pálida ideia da "coisa":
O filho do Tareco
Hoje ouvi dizer ao Miguel Sousa Tavares que nunca tinha ouvido ninguém, nem nenhuma associação pedir que se faça o TGV para Madrid.
Conclusão:
O Miguel Sousa Tavares é surdo.
Conclusão:
O Miguel Sousa Tavares é surdo.
The three Kings
Teacher:
- Can you tell the name of 3 great Kings who have brought happiness &peace into people's lives?
Student:
Smo-king, Drin-king and Fuc-king.
- Can you tell the name of 3 great Kings who have brought happiness &peace into people's lives?
Student:
Smo-king, Drin-king and Fuc-king.
2010/09/21
E o Povo pá?
Não sei quem é ou quem são os autores de tamanho despautério.
Promova-se já a Hino Nacional
O coala, a Lagartixa e o charro
Um coala estava sentado numa seringueira, curtindo tranquilamente uma ganza...
Uma lagartixa ia a passar, olha para cima, e diz:- Então coala...tudo bem? O que estás a fazer?
O coala diz:
- A fumar um berlaite. Sobe!
A lagartixa subiu a seringueira e sentou-se ao lado do coala, a curtir uns fumos.
Após algum tempo, a lagartixa disse:
- Tenho a boca seca, vou beber água ao rio...
A lagartixa meio desorientada, inclinou-se muito e caiu no rio.
Um jacaré viu-a a cair e nadou até ela, ajudando-a a subir para a margem.
Depois perguntou:- Então lagartixa? O que é que te aconteceu? Queres morrer?
A lagartixa explicou que estava a curtir umas brocas com o coala numa seringueira, ficou com a pedra e caiu ao rio enquanto bebia água.
O jacaré, querendo apurar esta história, entrou na floresta e, encontrou o coala sentado num galho, todo fodido.
O jacaré olhou para cima e disse:- Ei! Você ai em cima!
O coala olhou para baixo e disse:
- PUTA QUE PARIU, lagartixa, bebeste água comó caralho!!!
2010/09/20
O Chapeuzinho Vermelho
versão Millôr Fernandes
Chapeuzinho VermelhoEra uma vez (admitindo-se aqui o tempo como uma realidade palpável, estranho, portanto, à fantasia da história) uma menina, linda e um pouco tola, que se chamava Chapeuzinho Vermelho. (Esses nomes que se usam em substituição do nome próprio chamam-se alcunha ou vulgo). Chapeuzinho Vermelho costumava passear no bosque, colhendo Sinantias, monstruosidade botânica que consiste na soldadura anômala de duas flores vizinhas pelos invólucros ou pelos pecíolos, Mucambés ou Muçambas, planta medicinal da família das Caparidáceas, e brincando aqui e ali com uma Jurueba, da família dos Psitacídeos, que vivem em regiões justafluviais, ou seja, à margem dos rios. Chapeuzinho Vermelho andava, pois, na Floresta, quando lhe aparece um lobo, animal selvagem carnívoro do gênero cão e... (Um parêntesis para os nossos pequenos leitores — o lobo era, presumivelmente, uma figura inexistente criada pelo cérebro superexcitado de Chapeuzinho Vermelho. Tendo que andar na floresta sozinha, - natural seria que, volta e meia, sentindo-se indefesa, tivesse alucinações semelhantes.).Chapeuzinho Vermelho foi detida pelo lobo que lhe disse: (Outro parêntesis; os animais jamais falaram. Fica explicado aqui que isso é um recurso de fantasia do autor e que o Lobo encarna os sentimentos cruéis do Homem. Esse princípio animista é ascentralíssimo e está em todo o folclore universal.) Disse o Lobo: "Onde vais, linda menina?" Respondeu Chapeuzinho Vermelho: "Vou levar estes doces à minha avozinha que está doente. Atravessarei dunas, montes, cabos, istmos e outros acidentes geográficos e deverei chegar lá às treze e trinta e cinco, ou seja, a uma hora e trinta e cinco minutos da tarde".Ouvindo isso o Lobo saiu correndo, estimulado por desejos reprimidos (Freud: "Psychopathology Of Everiday Life", The Modern Library Inc. N.Y.). Chegando na casa da avozinha ele engoliu-a de uma vez — o que, segundo o conceito materialista de Marx indica uma intenção crítica do autor, estando oculta aí a idéia do capitalismo devorando o proletariado — e ficou esperando, deitado na cama, fantasiado com a roupa da avó.Passaram-se quinze minutos (diagrama explicando o funcionamento do relógio e seu processo evolutivo através da História). Chapeuzinho Vermelho chegou e não percebeu que o lobo não era sua avó, porque sofria de astigmatismo convergente, que é uma perturbação visual oriunda da curvatura da córnea. Nem percebeu que a voz não era a da avó, porque sofria de Otite, inflamação do ouvido, nem reconheceu nas suas palavras, palavras cheias de má-fé masculina, porque afinal, eis o que ela era mesmo: esquizofrênica, débil mental e paranóica pequenas doenças que dão no cérebro, parte-súpero-anterior do encéfalo. (A tentativa muito comum da mulher ignorar a transformação do Homem é profusamente estudada por Kinsey em "Sexual Behavior in the Human Female". W. B. Saunders Company, Publishers.) Mas, para salvação de Chapeuzinho Vermelho, apareceram os lenhadores, mataram cuidadosamente o Lobo, depois de verificar a localização da avó através da Roentgenfotografia. E Chapeuzinho Vermelho viveu tranqüila 57 anos, que é a média da vida humana segundo Maltus, Thomas Robert, economista inglês nascido em 1766, em Rookew, pequena propriedade de seu pai, que foi grande amigo de Rousseau.
Extraído do livro "Lições de Um Ignorante", José Álvaro Editor - Rio de Janeiro, 1967, pág. 31
Millôr Fernandes
Chapeuzinho VermelhoEra uma vez (admitindo-se aqui o tempo como uma realidade palpável, estranho, portanto, à fantasia da história) uma menina, linda e um pouco tola, que se chamava Chapeuzinho Vermelho. (Esses nomes que se usam em substituição do nome próprio chamam-se alcunha ou vulgo). Chapeuzinho Vermelho costumava passear no bosque, colhendo Sinantias, monstruosidade botânica que consiste na soldadura anômala de duas flores vizinhas pelos invólucros ou pelos pecíolos, Mucambés ou Muçambas, planta medicinal da família das Caparidáceas, e brincando aqui e ali com uma Jurueba, da família dos Psitacídeos, que vivem em regiões justafluviais, ou seja, à margem dos rios. Chapeuzinho Vermelho andava, pois, na Floresta, quando lhe aparece um lobo, animal selvagem carnívoro do gênero cão e... (Um parêntesis para os nossos pequenos leitores — o lobo era, presumivelmente, uma figura inexistente criada pelo cérebro superexcitado de Chapeuzinho Vermelho. Tendo que andar na floresta sozinha, - natural seria que, volta e meia, sentindo-se indefesa, tivesse alucinações semelhantes.).Chapeuzinho Vermelho foi detida pelo lobo que lhe disse: (Outro parêntesis; os animais jamais falaram. Fica explicado aqui que isso é um recurso de fantasia do autor e que o Lobo encarna os sentimentos cruéis do Homem. Esse princípio animista é ascentralíssimo e está em todo o folclore universal.) Disse o Lobo: "Onde vais, linda menina?" Respondeu Chapeuzinho Vermelho: "Vou levar estes doces à minha avozinha que está doente. Atravessarei dunas, montes, cabos, istmos e outros acidentes geográficos e deverei chegar lá às treze e trinta e cinco, ou seja, a uma hora e trinta e cinco minutos da tarde".Ouvindo isso o Lobo saiu correndo, estimulado por desejos reprimidos (Freud: "Psychopathology Of Everiday Life", The Modern Library Inc. N.Y.). Chegando na casa da avozinha ele engoliu-a de uma vez — o que, segundo o conceito materialista de Marx indica uma intenção crítica do autor, estando oculta aí a idéia do capitalismo devorando o proletariado — e ficou esperando, deitado na cama, fantasiado com a roupa da avó.Passaram-se quinze minutos (diagrama explicando o funcionamento do relógio e seu processo evolutivo através da História). Chapeuzinho Vermelho chegou e não percebeu que o lobo não era sua avó, porque sofria de astigmatismo convergente, que é uma perturbação visual oriunda da curvatura da córnea. Nem percebeu que a voz não era a da avó, porque sofria de Otite, inflamação do ouvido, nem reconheceu nas suas palavras, palavras cheias de má-fé masculina, porque afinal, eis o que ela era mesmo: esquizofrênica, débil mental e paranóica pequenas doenças que dão no cérebro, parte-súpero-anterior do encéfalo. (A tentativa muito comum da mulher ignorar a transformação do Homem é profusamente estudada por Kinsey em "Sexual Behavior in the Human Female". W. B. Saunders Company, Publishers.) Mas, para salvação de Chapeuzinho Vermelho, apareceram os lenhadores, mataram cuidadosamente o Lobo, depois de verificar a localização da avó através da Roentgenfotografia. E Chapeuzinho Vermelho viveu tranqüila 57 anos, que é a média da vida humana segundo Maltus, Thomas Robert, economista inglês nascido em 1766, em Rookew, pequena propriedade de seu pai, que foi grande amigo de Rousseau.
Extraído do livro "Lições de Um Ignorante", José Álvaro Editor - Rio de Janeiro, 1967, pág. 31
Millôr Fernandes
Ah essa falsa cultura
A propósito do post anterior aqui algumas máximas do Millôr:
Rômulo foi alimentado por uma loba e ficou conhecido como o lobo do homem.
A Argentina é um país cor de laranja do lado esquerdo do Brasil.
Os incas eram tão adiantados que já tinham até a circulação do sangue.
Os judeus foram perseguidos porque se entregavam a uma vida inteiramente semítica.
Eqüidistância é você estar à mesma distância de todos os lugares ao mesmo tempo.
O lugar mais quente da terra é perto do Cuador.
A inoculação é um ato sexual entre os micróbios.
Há homens que devem à esposa tudo o que são, mas em geral, os homens devem à esposa tudo o que devem.
Quando o homem sabe que certa mulher já cedeu a alguém, ele não resiste em verificar se a história se repete.
A verdadeira amizade é aquela que nos permite falar, ao amigo, de todos os seus defeitos e de todas as nossas qualidades.
Rômulo foi alimentado por uma loba e ficou conhecido como o lobo do homem.
A Argentina é um país cor de laranja do lado esquerdo do Brasil.
Os incas eram tão adiantados que já tinham até a circulação do sangue.
Os judeus foram perseguidos porque se entregavam a uma vida inteiramente semítica.
Eqüidistância é você estar à mesma distância de todos os lugares ao mesmo tempo.
O lugar mais quente da terra é perto do Cuador.
A inoculação é um ato sexual entre os micróbios.
Há homens que devem à esposa tudo o que são, mas em geral, os homens devem à esposa tudo o que devem.
Quando o homem sabe que certa mulher já cedeu a alguém, ele não resiste em verificar se a história se repete.
A verdadeira amizade é aquela que nos permite falar, ao amigo, de todos os seus defeitos e de todas as nossas qualidades.
Um país do Caralho
Texto enviado pelo meu filho João num momento de angústia existencial(?)
Lembro-mo vagamente de um texto parecido do Millôr Fernandes nas saudosas crónicas "Ah! essa falsa cultura" .
Aqui vai:
O nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à quantidade de "foda-se!" que ela diz.Existe algo mais libertário do que o conceito do "foda-se!"?O "foda-se!" aumenta a minha auto-estima, torna-me uma pessoa melhor.Reorganiza as coisas. Liberta-me. "Não quer sair comigo?! - então, foda-se!""Vai querer mesmo decidir essa merda sozinho(a)?! - então, foda-se!" O direito ao "foda-se!" deveria estar assegurado na Constituição. Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e criativos para dotar o nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade os nossos mais fortes e genuínos sentimentos. É o povo a fazer a sua língua. Como o Latim Vulgar, será esse Português Vulgar que vingará plenamente um dia.
"Comó caralho", por exemplo. Que expressão traduz melhor a ideia de muita quantidade que "comó caralho"? "Comó caralho" tende para o infinito, é quase uma expressão matemática.
A Via Láctea tem estrelas comó caralho!O Sol está quente comó caralho!O universo é antigo comó caralho!Eu gosto do meu clube comó caralho!O gajo é parvo comó caralho! Entendes?No género do "comó caralho", mas, no caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso "nem que te fodas!".Nem o "Não, não e não!" e tão pouco o nada eficaz e já sem nenhuma credibilidade "Não, nem pensar!" o substituem.O "nem que te fodas!" é irretorquível e liquida o assunto.Liberta-te, com a consciência tranquila, para outras actividades de maior interesse na tua vida.Aquele filho pintelho de 17 anos atormenta-te pedindo o carro para ir surfar na praia? Não percas tempo nem paciência.Solta logo um definitivo:"Huguinho, presta atenção, filho querido, nem que te fodas!".O impertinente aprende logo a lição e vai para o CentroComercial encontrar-se com os amigos, sem qualquer problema, e tu fechas os olhos e voltas a curtir o CD.
(...) Há outros palavrões igualmente clássicos.Pense na sonoridade de um "Puta que pariu!", ou o seu correlativo "Pu-ta-que-o-pa-riu!", falado assim, cadenciadamente, sílaba por sílaba.Diante de uma notícia irritante, qualquer "puta-que-o-pariu!", dito assim, põe-te outra vez nos eixos.Os teus neurónios têm o devido tempo e clima para se reorganizarem e encontrarem a atitude que te permitirá dar um merecido troco ou livrares-te de maiores dores de cabeça.
E o que dizer do nosso famoso "vai levar no cu!"? E a sua maravilhosa e reforçadora derivação "vai levar no olho do cu!"?Já imaginaste o bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite do suportável, se dirige ao canalha de seu interlocutor e solta:"Chega! Vai levar no olho do cu!"? Pronto, tu retomaste as rédeas da tua vida, a tua auto-estima.Desabotoas a camisa e sais à rua, vento batendo na face, olhar firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor-íntimo nos lábios.
E seria tremendamente injusto não registar aqui a expressão de maior poder de definição do Português Vulgar: "Fodeu-se!". E a sua derivação, mais avassaladora ainda: "Já se fodeu!".Conheces definição mais exacta, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora complicação?Expressão, inclusivé, que uma vez proferida insere o seu autor num providencial contexto interior de alerta e auto-defesa. Algo assim como quando estás a sem documentos do carro, sem carta de condução e ouves uma sirene de polícia atrás de ti a mandar-te parar. O que dizes? "Já me fodi!"Ou quando te apercebes que és de um país em que quase nada funciona, o desemprego não baixa, os impostos são altos, a saúde, a educação e … a justiça são de baixa qualidade, os empresários são de pouca qualidade e procuram o lucro fácil e em pouco tempo, as reformas têm que baixar, o tempo para a desejada reforma tem que aumentar … tu pensas “Já me fodi!”
Foda-se, este ainda vai ser um País do caralho!
Lembro-mo vagamente de um texto parecido do Millôr Fernandes nas saudosas crónicas "Ah! essa falsa cultura" .
Aqui vai:
O nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à quantidade de "foda-se!" que ela diz.Existe algo mais libertário do que o conceito do "foda-se!"?O "foda-se!" aumenta a minha auto-estima, torna-me uma pessoa melhor.Reorganiza as coisas. Liberta-me. "Não quer sair comigo?! - então, foda-se!""Vai querer mesmo decidir essa merda sozinho(a)?! - então, foda-se!" O direito ao "foda-se!" deveria estar assegurado na Constituição. Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e criativos para dotar o nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade os nossos mais fortes e genuínos sentimentos. É o povo a fazer a sua língua. Como o Latim Vulgar, será esse Português Vulgar que vingará plenamente um dia.
"Comó caralho", por exemplo. Que expressão traduz melhor a ideia de muita quantidade que "comó caralho"? "Comó caralho" tende para o infinito, é quase uma expressão matemática.
A Via Láctea tem estrelas comó caralho!O Sol está quente comó caralho!O universo é antigo comó caralho!Eu gosto do meu clube comó caralho!O gajo é parvo comó caralho! Entendes?No género do "comó caralho", mas, no caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso "nem que te fodas!".Nem o "Não, não e não!" e tão pouco o nada eficaz e já sem nenhuma credibilidade "Não, nem pensar!" o substituem.O "nem que te fodas!" é irretorquível e liquida o assunto.Liberta-te, com a consciência tranquila, para outras actividades de maior interesse na tua vida.Aquele filho pintelho de 17 anos atormenta-te pedindo o carro para ir surfar na praia? Não percas tempo nem paciência.Solta logo um definitivo:"Huguinho, presta atenção, filho querido, nem que te fodas!".O impertinente aprende logo a lição e vai para o CentroComercial encontrar-se com os amigos, sem qualquer problema, e tu fechas os olhos e voltas a curtir o CD.
(...) Há outros palavrões igualmente clássicos.Pense na sonoridade de um "Puta que pariu!", ou o seu correlativo "Pu-ta-que-o-pa-riu!", falado assim, cadenciadamente, sílaba por sílaba.Diante de uma notícia irritante, qualquer "puta-que-o-pariu!", dito assim, põe-te outra vez nos eixos.Os teus neurónios têm o devido tempo e clima para se reorganizarem e encontrarem a atitude que te permitirá dar um merecido troco ou livrares-te de maiores dores de cabeça.
E o que dizer do nosso famoso "vai levar no cu!"? E a sua maravilhosa e reforçadora derivação "vai levar no olho do cu!"?Já imaginaste o bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite do suportável, se dirige ao canalha de seu interlocutor e solta:"Chega! Vai levar no olho do cu!"? Pronto, tu retomaste as rédeas da tua vida, a tua auto-estima.Desabotoas a camisa e sais à rua, vento batendo na face, olhar firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor-íntimo nos lábios.
E seria tremendamente injusto não registar aqui a expressão de maior poder de definição do Português Vulgar: "Fodeu-se!". E a sua derivação, mais avassaladora ainda: "Já se fodeu!".Conheces definição mais exacta, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora complicação?Expressão, inclusivé, que uma vez proferida insere o seu autor num providencial contexto interior de alerta e auto-defesa. Algo assim como quando estás a sem documentos do carro, sem carta de condução e ouves uma sirene de polícia atrás de ti a mandar-te parar. O que dizes? "Já me fodi!"Ou quando te apercebes que és de um país em que quase nada funciona, o desemprego não baixa, os impostos são altos, a saúde, a educação e … a justiça são de baixa qualidade, os empresários são de pouca qualidade e procuram o lucro fácil e em pouco tempo, as reformas têm que baixar, o tempo para a desejada reforma tem que aumentar … tu pensas “Já me fodi!”
Foda-se, este ainda vai ser um País do caralho!
O caso do chinelo encontrado morto
Esta semana, alguns sites dos jornais portugueses trouxeram o mais interessante título das últimas décadas. Esse texto veio da agência Lusa, e o Expresso e o jornal i pespegaram-no felizmente sem emenda. O título, óptimo, era: "Espinho: 'Não há indício de crime' no caso do chinelo encontrado morto', diz a PJ". Os títulos são isca e anzol e raramente vi um tão aliciante. Fala- -se muito da crise da Imprensa mas houvesse mais histórias destas e não faltariam leitores. Mesmo dando de barato a sugestão da bófia, "não há indício de crime", o caso do chinelo encontrado morto tem daqueles atractivos que antigamente faziam os ardinas apregoar e o povo comprar. Quem encontrou o chinelo morto? E, tendo-o encontrado, como lhe confirmou o passamento? Fez-se, antes, respiração boca a boca?... Enfim, ainda que oficialmente morto em toda a legalidade, o caso do chinelo morto cheirava a esturro. Infelizmente, como é próprio do costume português, tendo uma bela história entre as mãos (ou melhor, pé), os jornais decidiram destruí-la. Depois do título (óptimo, como já disse), acrescentaram um texto desmotivador. E ficámos a saber que o magnífico chinelo morto era, afinal, um infeliz chileno encontrado morto em Espinho. O que podia ter sido uma boa história não passou de uma dislexia ortográfica. Ora lobas! Perdão, bolas.
FERREIRA FERNANDES
publicado no DN a 2010-09-15
FERREIRA FERNANDES
publicado no DN a 2010-09-15
Tráfego Aéreo Mundial Visto do Espaço
-O tempo deste clip é de 1m12s e representa as 24 horas de um dia inteiro das viagens de avião que se fazem. Assim, cada segundo de filme,representa 20 minutos reais.
Cada pontinho amarelo representa um voo com pelo menos 250 passageiros.
Note-se que os voos dos EUA para a Europa partem principalmente à noite, sendo a sua volta diurna.
Pela imagem que o sol imprime no globo, pode-se dizer que é verão no hemisfério norte. Isto porque ele quase não se põe no pólo norte e no pólo sul quase não aparece.
Anónimo
"Leio a Playboy pela mesma razão que leio a National Geographic: gosto de ver fotografias de lugares que sei que nunca irei visitar..."
Um Olhar Oblíquo
Sofia Loren e Jayne Mansfield
A propósito deste post no Herdeiro de Aécio lembrei-me que durante os anos (36) que durou a minha vida profissional (nem, valha a verdade, na pessoal) nunca tive olhares oblíquos neste tipo de situação.
Sempre que alguém, obviamente do sexo feminino, numa reunião trazia um decote ou uma saia que mostrá-se mais do que era suposto (conceito muuuuiiiito relativo) os meus olhares nunca foram oblíquos.
Digamos que sempre foram o mais directo possível ao "assunto".
O que mais adorava, ainda adoro mas não é a mesma coisa, era a saínha curta que elas passavam o tempo a puxar para baixo.
Lembro-me de uma fornecedora, fornida de carnes q.b., que usava vestidos curtos em cima e em baixo. Vale a verdade que vendia produto de qualidade. Depois de ganharmos alguma confiança eu costumava de dizer-lhe:
Não se esforce, com esse vestidinho a menina vende até gelo no Polo Norte.
Crónicas de Pequim - O A 380
O A 38o é um avião gigantesco.
Apesar das todas as explicações cientificas a que tenho assistido, são sempre um mistério as leis e as regras da física, que permitem colocar todo aquele ferro no ar e mantê-lo a voar durante horas intermináveis. No caso 10.30. É obra.
Durante o voo é um avião como outro qualquer. O tempo de descolagem é enorme, o suficiente para o viajante experimentado se perguntar "o que é que se passa, nunca mais pôem o ferro no ar?". Finalmente a coisa passa a voar num angulo suave e confortável. A tecnologia a bordo é do mais moderno e cada cidadão tem direito a um LCD com entretenimento, informações sobre o voo, trés camaras on-line na fuselagem . O suficiente para não se morrer de tédio sobretudo para alguém, como eu, que não consegue dormir (não consigo em nenhum meio de transporte). Sou conhecido pelo chato que leva sempre a luz acesa mesmo quando é de noite. Até já comprei um instrumento muito interessante no aeroporto de Roma, que se engata nas paginas do livro e permite ler sem incomodar o parceiro do lado. Este é um dos motivos pelo qual escolho sempre um lugar na coxia (o outro é que sou um gajo grande).
Uma coincidencia interessante foi o facto de o voo ser o inaugural do A 380 da Lufthansa de Frankfurt para Pequim o que deu direito a discurso do presidente da empresa e recordação do voo (porta chaves com a data da efeméride).
Resta ainda acrescentar que o serviço a bordo foi uma merda com uma das mais antipáticas tripulações com que voei.
As imagens anexas não fazem juz ao gigantismo do avião mas para se ficar com uma ideia no "rés-do-chão" tem 56 filas de 10 lugares.
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